Processo 0019651-43.2022.8.26.0100

 

Processo Administrativo – REGISTROS PÚBLICOS – J.D.V.R.P.C. e outro – C.W. e outros – Juíza de Direito: Dra. Letícia de Assis Bruning VISTOS, Trata-se de processo administrativo disciplinar instaurado em face da Senhora C. W., Tabeliã de Notas da Comarca da Capital, em virtude lavratura de oito Escrituras Públicas de Doação, as quais foram posteriormente anuladas pelo MM. Juízo Cível, reconhecendo a incapacidade do doador. A Senhora Tabeliã foi interrogada (fls. 425/426) e apresentou defesa prévia (fls. 429/442). Foram ouvidas as testemunhas da Senhora Titular: a preposta que lavrou o ato e o Senhor Advogado do Doador (fls. 463 e 466/467). Encerrada a instrução, em alegações finais, a Senhora Delegatária pugnou, em suma, pela não configuração de ilícito administrativo-disciplinar (fls. 468/472). É o breve relatório. Decido. Cuidam os autos de processo administrativo disciplinar instaurado por esta Corregedoria Permanente, por determinação da E. CGJ, em face da Senhora C. W., Tabeliã de Notas da Comarca da Capital. Consta dos autos que aos 08.07.2013 foram lavradas oito Escrituras Públicas de Doação, figurando como outorgante-doador o Senhor W. V. e como donatária a Senhora S. P., registradas sob o Livro 1413, fls. 359 a 376, pelo Tabelionato de Notas da Capital. Posteriormente, em Ação Declaratória de Nulidade de Negócio Jurídico, as doações foram anuladas pelo MM. Juízo Cível, em face da incapacidade do doador que, conforme relatórios médicos, estaria acometido de Doença de Alzheimer em estado avançado (ação nº 1025430-07.2018.8.26.0001). Cumpre esclarecer que aqui se verifica a responsabilidade administrativo-funcional da Senhora Titular no desempenho de sua função pública delegada, como Titular do Serviço de Notas. Nesse sentido, cabe a análise da adequação das ações da Tabeliã em face de seus deveres funcionais, no sentido de ter promovido sistema interno de controle, ter orientado e fiscalizado seus prepostos, de modo a evitar a ocorrência, dentro de suas possibilidades e atribuições. No caso da responsabilização dos delegatários de serviço público, a responsabilidade por atos dos prepostos deve demonstrar o dolo ou a culpa no gerenciamento, orientação e fiscalização dos funcionários. Com efeito, a prova dos autos demonstrou que a Tabeliã estabeleceu as rotinas internas adequadas de comunicação, orientação e fiscalização dos prepostos sob sua responsabilidade, sendo fato que refugiu às diligências devidamente adotadas as consequências posteriores dos atos praticados. É fato inconteste que a Senhora Tabeliã ordenou diligências prévias junto ao doador, em face da idade avançada e dos bens que pretendia repassar. A preposta foi devidamente comunicada de seus deveres e, após a oitiva, repassou suas conclusões à Tabeliã, que somente então autorizou a prática do ato. Outras medidas para além das adotadas poderiam ser tidas por pertinentes; mas certamente não eram obrigatórias. É função do escrevente autorizado verificar a capacidade da parte. Veja-se que conforme ressaltado pelos documentos juntados aos autos, de fato há informações de que o Senhor Doador encontrava-se, por períodos de tempo, lúcido o suficiente para aparentar, à pessoa média, que este que se encontrava de posse de suas capacidades civis. Sem prejuízo, o doador estava, inclusive, acompanhado de seu advogado particular, que em testemunho a este Juízo, confirmou os apontamentos realizados pela preposta, de que o idoso encontrava-se lúcido e capaz no dia da realização dos atos (fls. 466/467). Nesse sentido, compreendo que o grau de diligência necessário esperado da Senhora Delegatária foi atendido. Frise-se que a Tabeliã, no desempenho de suas funções, responde pelos atos de seus prepostos (item 7, do Capítulo XVI, das NSCGJ, e artigo 21 da Lei 8.935/1.994). Contudo, supor indícios de ilícito administrativo em razão da falha eventualmente cometida pela preposta que avaliou mal a situação a qual fora, todavia, devidamente treinada, orientada e fiscalizada, seria imputar à Delegatária responsabilidade objetiva, o que não se pode conceber, haja vista que a responsabilização funcional dos Titulares de delegações deriva da inobservância de seus deveres funcionais o que não se apurou. Em especial, uma vez estabelecidas rotinas internas eficazes como logrou êxito em demonstrar sendo os prepostos devidamente orientados e fiscalizados, houve o devido cumprimento dos deveres da Titular e a falha ocorrida não pode ser debitada à desídia ou culpa da Notária. Nesse sentido, leciona Aliende Ribeiro, que inclusive transcreve salutar decisão pela E. CGJ (in: Responsabilidade Admnistrativo do Notário e do Registrador, por ato próprio e por ato de preposto. Revista dos Tribunais On-line. Vol. 81/2016. P 401-427): Outro ponto que se impõe cuidada análise é o da responsabilidade administrativa ou disciplinar do notário e do registrador por ato irregular praticado por preposto. A Lei 8.935/1994 estabelece, no seu art. 21, que cabe ao titular da delegação o gerenciamento administrativo, financeiro e de pessoal da unidade de serviço notarial ou registral delegada. Dessa atribuição de organização dos serviços decorre, é evidente, o dever de organizar os serviços, estabelecer regras e rotinas de trabalho, escolher, treinar, orientar e fiscalizar seus prepostos. (…) E creio que esse parâmetro já fora definido pela Corregedoria Geral de Justiça, na decisão proferida pelo Des. Maurício Vidigal no Processo nº 2011/103282, em 3 de novembro 2011, fundada na verificação da evitabilidade ou não do fato, nos seguintes termos: Não há dúvidas quanto à ocorrência do fato, ou seja, a inclusão do número do cadastro de pessoa física na Receita Federal do declarante como se fosse do falecido, quando do registro de óbito, redundando na expedição da respectiva certidão com erro, o que foi corrigido posteriormente (cf. docs. de fls. 54, 56 e 59). Também é certa a prática do ato por funcionária da serventia extrajudicial, quando a processada era responsável pelo gerenciamento administrativo da unidade em conformidade a Delegação da qual era titular (v. interrogatório de fls. 78). Como é cediço, o direito administrativo sancionador exige a presença de culpabilidade do sujeito para caracterização da infração administrativa. No caso em julgamento, é fundamental a seguinte indagação: seria possível à processada evitar o equívoco havido? Haveria algum meio de evitar o erro praticado por eventual falta de concentração da serventuária que realizou o ato? Nada há nos autos indicativo da falta de qualificação da funcionária que efetuou o registro com erro ou ausência de orientação da parte da Titular da Delegação; pelo contrário, aquela foi alçada à condição de interventora em razão do afastamento da recorrente por força de outro processo administrativo disciplinar. Diante disso, é cabível concluir que o fato, apesar de não desejável, caracteriza-se como inevitável em relação à processada. (…) Evitabilidade do fato é, portanto, o fundamento mais próximo da exigência de culpabilidade. O sujeito deve possuir a chance, a oportunidade de evitar o fato ilícito. A ameaça da pena quer evitar o fato. Por um princípio de justiça, se a ameaça é incapaz de gerar uma potencial evitabilidade do fato, não há culpabilidade, inexiste fundamento subjetivo para a punição do comportamento humano, direto ou indireto, materializado por pessoas físicas ou jurídicas. Em razão da natureza inevitável do ato, não havia comportamento a ser exigido da processada; por conseguinte está configurada a exclusão da sua culpabilidade com a consequente impossibilidade da aplicação de pena disciplinar.Desse modo, compete a absolvição da recorrente. (Processo nº 2011/103282) (P. 13/14).” (…) Esse parâmetro pode ser definido a partir da análise e verificação da evitabilidade ou não do fato, solução útil para fixar exata medida para a adequada aplicação de um Direito Penal Disciplinar (ou Direito Administrativo Sancionador). E os fatos ora analisados não poderiam ter sido evitados pelas diligências normais e necessárias adotadas pela Senhora Tabeliã. No mesmo sentido, o julgamento do Recurso Administrativo pela E. CGJSP sob o nº 0003271-40.2020.8.26.0576 aponta claramente que a responsabilidade disciplinar deve ser aplicada quando há falha nos deveres de orientação e fiscalização dos prepostos, o que não se apurou no presente caso: Processo administrativo disciplinar – Procuração pública lavrada com emprego de fraude – Falha na qualificação notarial – Responsabilidade disciplinar – Inobservância dos deveres de orientação e fiscalização dos prepostos no trâmite do serviço notarial – Tabelião que, mesmo ciente dos fatos, se limita a demitir o escrevente por justa causa e comunicar o ocorrido à Corregedoria Permanente e ao Ministério Público, mas não estabelece nenhuma alteração na rotina de trabalho da serventia – Ato praticado pelo preposto que decorre da inexistência, ou fragilidade, de mecanismos eficientes de controle e supervisão dos atos lavrados diariamente na unidade – Infração disciplinar caracterizada – Pena de multa com valor adequado à gravidade dos fatos, aos antecedentes do recorrente, ao porte da delegação e à receita líquida da unidade – Bloqueio administrativo do ato notarial, com a consequente vedação de extração de certidões ou traslados sem a autorização da Corregedoria Permanente – Constatação de irregularidades na alimentação do sistema do Portal do Extrajudicial que devem ser apuradas – Recurso não provido, com determinações. [CGJSP – Recurso Administrativo: 0003271-40.2020.8.26.0576. Data de julgamento: 02/03/2022. DJE: 08/03/2022. Relator: Fernando Antônio Torres Garcia] Por conseguinte, diante dos esclarecimentos pormenorizadamente prestados, bem como das medidas de reforço implementadas, não verifico indícios de que a Senhora Titular tenha falhado em seus deveres funcionais de orientação e fiscalização da preposta sob sua responsabilidade, sendo forçoso convir que não há nos autos elementos aptos para identificar ocorrência de falha notarial, de tudo se inferindo que a eventual falta pela preposta não contou com a conivência da Senhora Tabeliã, que implementou controle rigoroso das atividades internas. A preposta que atuou no ato é experiente (refere a Tabeliã que a funcionária conta com 40 anos de experiência e ficha funcional ilibada) e, malgrado a falha humana havida, na eventual identificação dos problemas cognitivos do Senhor Doador, tenho pela ausência de ilícito administrativo da parte da Senhora Tabeliã quanto à omissão de seus deveres de orientação e fiscalização dos prepostos, de modo a evitar o ocorrido; especialmente na consideração da circunstância de que foi afirmado pela preposta, reiterado em audiência, pelo Dr. Advogado, que o paciente tinha períodos de lucidez. Enfim, não é possível inferir culpa da Senhora Notária em relação à inobservância de seus deveres legais de orientação e fiscalização. Nessa ordem de ideias, ante ao exposto, julgo improcedente o processo administrativo disciplinar. Oportunamente, arquive-se. Encaminhe-se cópia desta decisão à E. Corregedoria Geral da Justiça, por e-mail, servindo esta decisão como ofício. Ciência ao Ministério Público e ao Senhor Terceiro Interessado. P.I.C. – ADV: RUBENS HARUMY KAMOI (OAB 137700/SP) (DJe de 16.11.2023 – SP)

 

Fonte: DJe

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