A lei 14.711/13, voltada para ampliar operações de crédito, introduziu mecanismos como a comunicação notarial de negociação de recebíveis e a Central Nacional de Precatórios, buscando facilitar a circulação de créditos judiciais, embora o alto volume de dívidas precatorizadas possa impactar o mercado

 

A lei 14.711/13 – o Marco Legal das Garantias – trouxe reformas e inovações legislativas voltadas, em última análise, ao barateamento e à expansão das operações de crédito no País.

 

Dentre elas, dois novos mecanismos em muito contribuirão para a circulação dos créditos judiciais: a comunicação notarial da negociação de recebíveis e precatórios e a criação da Central Nacional de Precatórios.

 

Como pano de fundo, sem se pensar em outros recebíveis judiciais, tem-se que o Brasil fechou o ano de 2022 com uma dívida total precatorizada da ordem de 273 bilhões de reais, conforme dados do CNJ. Embora a celeuma do regime de pagamentos de precatórios definido pelas emendas constitucionais 113 e 114 possa não ser o melhor cenário ao mercado, é notório que a circulação de ativos estressados vem ganhando paulatina relevância, ao mesmo tempo em que contribui para a – e se contribui da – recente aceleração no crescimento do mercado de capitais.

 

No dia a dia, porém, as cessões de precatório encontram dores que lhe são muito próprias e inexistentes na negociação de dívidas privadas. De um lado, os entes privados encontram significativa dificuldade em homologar, em juízo, as cessões de crédito, por motivos dos mais variados, como entendimentos judiciais discrepantes no tema, insegurança quanto ao conhecimento do atual titular do crédito e falta de sistemas transparentes e padronizados para acesso à informação país afora (o que tem permitido que um mesmo precatório seja fraudulentamente alienado mais de uma vez); de outro lado, a Justiça é forçada a assumir mais um papel, estranho ao cerne do processo, tendo de receber um pedido de homologação de uma negociação privada e consensual, que nada tem a ver com a demanda judicial, e muitas vezes se vendo imbricada num novo litígio, agora afeto à definição de qual cessão será considerada válida, em caso de venda fraudulenta.

 

Nesse sentido, a finalidade direta da inovação legal é permitir (i) a “reserva de eficácia” de uma negociação, abaixo melhor explicada, (ii) o imediato registro e transferência do precatório, sem necessidade de homologação judicial, desde que observados os padrões a serem instituídos na Central Nacional de Precatórios (o que evitará discussões judiciais e demora na efetivação da transferência do crédito) e (iii) a consulta gratuita, por qualquer interessado, da titulação do crédito (o que trará segurança e transparência).

 

Em curtas linhas, comunicação notarial é uma faculdade das partes em negociação. Por ela, havendo pedido de uma das partes interessadas, o tabelião comunicará ao tribunal o fato de uma negociação em andamento, que envolva um crédito reconhecido em sentença judicial ou em precatório. Isso terá o efeito de tornar ineficazes eventuais negócios jurídicos contraditórios (com partes distintas às informadas na comunicação) que venham a ser remetidos por qualquer meio ao juízo se, dentro do prazo de 15 dias corridos data em que realizada a comunicação, for assinada a escritura pública da efetiva cessão de crédito.

 

Essa comunicação já pode ser realizada pelo tabelião e, incialmente, será processada por ofício remetido ao tribunal. Já a Central Nacional de Precatórios depende de regulação pelo Conselho Nacional de Justiça, que determinará os padrões de interoperabilidade sistêmica, para que os cartórios possam receber e informar os dados dos precatórios e das cessões realizadas aos tribunais respectivos. Após instituída a Central, a comunicação da negociação e também a da assinatura da escritura passarão a ser feitas por um simples clicar de botão.

 

A Central Nacional de Precatórios será um sistema eletrônico, acessível pela internet por qualquer pessoa que se cadastre, no qual serão identificados (i) todos os precatórios emitidos no território nacional, por qualquer tribunal, (ii) os titulares de cada precatório em momento real, (iii) as comunicações notariais vigentes e (iv) as cessões de precatórios realizadas. A Central ainda servirá para (v) receber informação das cessões realizadas perante tabeliães de notas, que consultarão e informação o sistema por meio de API.

 

Os mecanismos criados, inevitavelmente, baratearão e acelerarão a circulação do crédito, uma vez que diminuirão custos e tempo com due diligence, eliminarão custos com registros em sistemas paralelos, darão previsibilidade quanto a eficácia da cessão e padronizarão a informação em todo o território.

 

Vale pontuar que a lei, preocupada com a realidade do mercado, foi também feliz ao evidenciar que a solicitação da comunicação não poderá ser apresentada por qualquer intermediário, sendo direito unicamente das partes (credor cedente e o efetivo pretenso cessionário). Para tanto, embora não se faça necessária a concordância de todas as partes com a comunicação, o tabelião exigirá prova ou indício de prova de que a negociação realmente existe.

 

Como ressalvas, vale considerar. Enquanto não instituída a Central Nacional de Precatórios, a comunicação notarial não garantirá a existência do crédito ou precatório alegado ou a titularidade dos créditos e, dessa forma, se o juiz observar que o credor ou o crédito declarado não são verdadeiros, a comunicação ficará sem efeito, sem prejuízo da responsabilização das partes que tenham abusado do direito. Além disso, mesmo após instituída a central de precatório, nos estados em que a cessão de precatório puder ser realizada por instrumento particular, é esperado que a base não seja atualizada de imediato, em razão de necessidade de protocolo do contrato particular no processo respectivo e prévia análise e homologação judicial.

 

Finalmente, curioso observar que as inovações referidas foram introduzidas por meio de alteração na lei 8.935/97 (art. 6-A), que é a norma reguladora das atividades registrais e notariais. Não podemos deixar de pontuar que a lei foi bem-sucedida em reposicionar a função do tabelião de notas, ao qual foram concedidas novas atribuições, sempre sem caráter de obrigatoriedade ao cidadão e que, em última instância, colocam-no como agente a favor das melhoras práticas do mercado.

 

Fonte: Migalhas

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