Após a falência da Encol com o colapso de centenas de incorporações imobiliárias no Brasil na década de 1990, verificou-se que o Direito Imobiliário brasileiro continha uma estrutura extremamente frágil de financiamento imobiliário e de segurança jurídica para os adquirentes de imóveis na planta.
Foi neste contexto que foi concebido pela Lei 10.931/2004 o patrimônio de afetação, pelo qual, desde que seja adotado pelo incorporador, as receitas de cada incorporação imobiliária sejam rigorosamente aplicadas na realização e na construção do respectivo empreendimento imobiliário, impedindo o desvio de recursos de um empreendimento para outro ou para as obrigações gerais da empresa incorporadora que sejam estranhas às obrigações vinculadas ao empreendimento afetado.
Através da adoção do patrimônio de afetação, os incorporadores imobiliários segregam o patrimônio e as receitas de cada empreendimento imobiliário, isolando-os de outros ativos e obrigações da empresa, o que significa que o terreno e as suas construções, bem como bens e direitos a eles vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e se revertem à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes.
Vale dizer, o patrimônio de afetação não se comunica com os demais bens, direitos e obrigações do patrimônio geral do incorporador ou de outros patrimônios de afetação por ele constituídos e somente responde por dívidas e obrigações vinculadas à incorporação imobiliária respectiva.
Sendo assim, caso o incorporador imobiliário se depare com algum problema financeiro, tem-se que as receitas e os ativos relacionados ao empreendimento imobiliário objeto da afetação não respondem por obrigações alheias ao projeto.
Patrimônio de afetação e recuperação judicial
Neste contexto, o enunciado 628 da VIII Jornada de Direito Civil estabelece que “os patrimônios de afetação não se submetem aos efeitos da recuperação judicial da sociedade instituidora e prosseguirão sua atividade com autonomia e incomunicáveis em relação ao seu patrimônio geral, aos demais patrimônios de afetação por ela constituídos e ao plano de recuperação até que extintos, nos termos da legislação respectiva, quando seu resultado patrimonial, positivo ou negativo, será incorporado ao patrimônio geral da sociedade instituidora”.
Por isso que a penhora do patrimônio de afetação somente é possível quando o crédito decorre da consecução do próprio empreendimento imobiliário (AgInt no AREsp 2.163.954, rel. min. Humberto Martins).
Da mesma forma que as sociedades de propósito específico com patrimônio de afetação que atuam na atividade de incorporação imobiliária não podem se sujeitar à recuperação judicial, haja vista a incompatibilidade sistêmica entre os institutos, especialmente pelo fato de que o patrimônio de afetação não pode ser contaminado pelas outras relações jurídicas estabelecidas pela empresa incorporadora (AgInt no AREsp 2.141.952, rel. min. Moura Ribeiro).
Transparência
Além da proteção patrimonial, o patrimônio de afetação contribui para a transparência na gestão dos recursos destinados ao projeto, eis que as movimentações financeiras podem ser acompanhadas de maneira mais clara e específica pelos adquirentes de unidades imobiliárias, por haver uma contabilidade em separado, facilitando a prestação de contas aos adquirentes em geral.
É preciso apontar, ainda, que, nos contratos oriundos de incorporação imobiliária submetida ao regime de patrimônio de afetação, a retenção de valores pela desistência do adquirente pode chegar a até 50%, conforme estabelece a Lei 13.786/2018.
Por fim, a extinção do patrimônio de afetação pressupõe: (1) a averbação da construção no registro imobiliário; (2) o registro dos títulos de domínio de aquisição em nome dos respectivos adquirentes; e (3) quando houver financiamento da obra, a extinção das obrigações do incorporador perante a instituição financiadora do empreendimento imobiliário (REsp 1.862.274, rel. min. Antonio Carlos Ferreira).
Fonte: Conjur
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