Tradicionalmente, o direito administrativo utiliza mecanismos para promover a superioridade do interesse público e a manutenção da Administração Pública em posição privilegiada em relação aos seus cidadãos. Nesse sentido, os seus atos são caracterizados pela unilateralidade, coercibilidade e autoexecutoriedade, que materializam a visão de uma supremacia do poder público.

Recentemente, institutos com perfil mais dialógico foram incorporados ao direito administrativo, de modo a torná-lo mais alinhado com os parâmetros de governança participativa, com ênfase na melhor prestação de serviços públicos aos usuários. Por essa concepção mais moderna, que evidencia uma mudança de conjuntura, a maturidade de um Estado de Direito se concretiza com instrumentos que guarnecem o exercício da cidadania, fundamentado pelo artigo 1º, inciso II, da Constituição.

Nesse panorama, está inserido o tema da consensualidade no direito administrativo brasileiro. Esse assunto pode ser compreendido a partir de duas perspectivas: ada participação dos cidadãos nas tomadas de decisão públicas e a da redução e da prevenção dos litígios administrativos. É sobre a segunda ótica que nos deteremos neste texto.

A litigiosidade administrativa é uma questão tormentosa. O relatório “Justiça em Números do CNJ” permite realizar um primeiro recorte quantitativo sobre o tema. O poder público é o maior litigante brasileiro, e o ramo que representa o maior gargalo da justiça é o da execução fiscal.

Em um modelo de gestão de Estado no qual perdurou, por muitos anos, a imperatividade como norma quase absoluta, houve muita resistência em relação à discussão acerca da ampliação da margem de discricionariedade administrativa, um dos atributos necessários para a implementação de uma consensualidade mais efetiva na Administração Pública.

É nesse contexto espinhoso que o Tribunal de Contas da União (TCU), no exercício de sua atividade de controle externo, inaugurou, em junho de 2023, uma nova secretaria, voltada à solução consensual de controvérsias relevantes e à prevenção de conflitos afetos a órgãos e entidades da Administração Pública Federal, em matéria sujeita à competência do TCU (Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos — Secex Consenso).

A criação da secretaria, regida pela Instrução Normativa TCU n° 91/20224, concretizou a atuação do TCU como um mediador na solução de problemas complexos em matéria de sua competência. A partir da interlocução com agentes públicos e privados, o Tribunal exerce o seu papel pedagógico e orientador de modo mais eficiente, ao passo que contribui para o equacionamento de eventuais controvérsias na prestação de serviços de interesse público.

Cabe ressaltar que a construção de uma solução consensual não se sobrepõe ao princípio da legalidade, mas as alternativas mais eficientes para a sociedade serão buscadas com fundamento na ordem jurídica. O procedimento prevê, inclusive, que a minuta de solução consensual passará pelo crivo tanto do Ministério Público junto ao TCU quanto do próprio Plenário do Tribunal.

As controvérsias apresentadas para uma tentativa consensual no âmbito da Secex Consenso são altamente complexas. Isso demanda, na maioria das vezes, concessões de ambos os lados dentro do espaço permitido pela ordem jurídico-normativa. O caráter dialógico dos processos de solução consensual permite agregar iniciativas que dificilmente seriam contempladas nos processos usuais de controle externo.

Do ponto de vista acadêmico, à medida que cresce o número de casos submetido à Secex Consenso, aumenta a preocupação em permitir que a sociedade possa conhecer, acompanhar e sugerir as propostas de aperfeiçoamento do processo de solução consensual implantado no TCU. A análise dos casos permite verificar, concretamente, os ganhos reais da atuação dialógica no âmbito do Tribunal.

Secex Consenso

É nesse cenário que se insere o trabalho intitulado “Consensualidade no âmbito do TCU: estudo de casos da Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (Secex Consenso)”, da Fundação Getulio Vargas. A pesquisa foi realizada pela FGV Justiça com o objetivo de mapear e realizar um estudo de casos dos processos submetidos à Secex Consenso. Foi feita a análise de nove 9 casos que incluíram: Termoelétrica KPS, Termoelétrica BTG, Ferrovia Malha Paulista, Ferrovia Malha Sul, Termoelétrica Rovema, Aeroporto de Cuiabá e VLT Cuiabá.

O estudo levantou, de forma sistêmica, as situações de contorno que influenciaram na consecução de um termo de compromisso entre as partes: a existência de litígios submetidos ou passíveis de serem submetidos à arbitragem ou ao Poder Judiciário, a inadimplência do Estado ou da concessionária, os direitos disponíveis transigidos pela União e pela concessionária a partir de suas posições originais, os riscos assumidos pelas partes, além de destacar alguns aspectos dos termos de autocomposição.

A análise dos casos mostra que essas experiências podem servir como referências teórica e prática para que as instâncias administrativa e judiciária desenvolvam estratégias próprias de prevenção e solução de conflitos, com ênfase na celeridade e na busca por uma alternativa mais satisfatória tanto para as partes envolvidas quanto para o destinatário final dos serviços públicos — os cidadãos.

Dessa forma, o desenvolvimento de estratégias pelos entes da Administração Pública tende a possibilitar resultados mais eficientes para o setor no qual estão inseridos, o que viabiliza uma maior satisfação do interesse público, com segurança jurídica.

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Fonte: Conjur

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