A preclusão não deve ser aplicada ao recorrente de boa-fé diante de dúvida objetiva na recorribilidade das interlocutórias, garantindo segurança jurídica.
Tive um professor que dizia: “O prazo é o calvário do advogado.”
Expandindo a ideia, a preclusão (de praecludere, fechado, tapado) – temporal, lógica ou consumativa – é o calvário do advogado, especialmente quando se trata da recorribilidade das interlocutórias.
São agraváveis as interlocutórias previstas no art. 1.015 do CPC (v.g., a decisão que indefere o pedido de tutela provisória) – além de outras previstas no próprio CPC ou na legislação extravagante (v.g, a rejeição liminar da reconvenção, por força do parágrafo único do art. 354 do CPC) -, havendo preclusão, caso o agravo de instrumento não seja interposto no prazo de 15 dias.
Já as interlocutórias não agraváveis (v.g, o indeferimento da prova), são apeláveis, vale dizer, impugnáveis nas razões ou nas contrarrazões de apelação, pois, segundo o § 1º do art. 1.009 do CPC, “As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões.”
O dispositivo contém um equívoco: A preclusão ocorre se a interlocutória não for impugnada, nas razões ou nas contrarrazões de apelação – preclusão elástica, na feliz expressão de Zulmar Duarte.
Evidentemente não haverá preclusão consumativa para impugnar a interlocutória nas razões ou nas contrarrazões de apelação – ou em agravo de instrumento, se for o caso – se, antes, ocorrer a interposição de agravo retido, porque essa modalidade de recurso foi abolida pelo CPC de 2015. Sendo, portanto, um nada jurídico, o agravo retido não gera preclusão consumativa (nesse sentido: REsp 2141420).
Todavia, “Ocorre preclusão temporal à interposição, primeiramente, de agravo retido contra decisão que rejeitou a exceção de pré-executividade, e posterior agravo de instrumento contra o simples despacho de manutenção daquela rejeição, efetuado na oportunidade de juízo de retratação previsto no art. 523, § 2º do CPC.” (REsp 668775).
Acrescente-se ao modelo de recorribilidade das interlocutórias a tese repetitiva 988 do STJ, segundo a qual, “O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação” (v.g., a decisão que declara a incompetência).
Nesse caso, não interposto o agravo em 15 dias, ou, interposto e conhecido o agravo, ocorrerá a preclusão.
Ao julgar os especiais que deram origem à tese 988, disse o STJ que só haverá preclusão quando conhecido o agravo, ou seja, morrendo o agravo na admissibilidade, a decisão interlocutória ainda será impugnável nas razões ou nas contrarrazões de apelação: “Somente se cogitará de preclusão nas hipóteses em que o recurso eventualmente interposto pela parte tenha sido admitido pelo Tribunal” (REsp 1704520 e REsp 1696396).
Parece simples, mas não é.
Vamos a um exemplo: Turmas do STJ divergem a respeito da interpretação do inciso II do art. 1.015 do CPC. Algumas entendem que é agravável a decisão pela qual o juiz rejeita a alegação da prescrição (v.g., Terceira turma, REsp 1683177; Quarta turma, REsp 1778237), enquanto uma diz que não cabe o agravo de instrumento, devendo a questão ser discutida nas razões ou nas contrarrazões de apelação (Primeira turma, AgInt no REsp 1937502). Ocorrerá preclusão se a parte não agravar?
Penso que não, porque existe uma dúvida objetiva – nesse caso, divergência jurisprudencial a respeito do tema.
A Terceira turma do STJ entendeu de maneira diferente, embora tenha partido de um pressuposto equivocado: A existência de entendimento unânime (REsp 1972877).
Pouco importa se o rol do art. 1.015 do CPC é taxativo, exemplificativo ou taxativo mitigado: Regras genéricas nem sempre respondem situações particulares, acarretando, muitas vezes, dissídios interpretativas entre tribunais ou até mesmo dentro do tribunal. Havendo o dissenso, não se deve punir o recorrente de boa-fé com a preclusão.
Todavia, se houver precedente judicial vinculante ou mesmo súmula a respeito do cabimento ou do não cabimento do agravo de instrumento especificamente para aquela situação, deve a parte seguir o precedente ou a súmula, não podendo se valer da dúvida objetiva.
E se o agravo de instrumento for cabível, em razão da aplicação da tese 988, a parte terá o dever de invocá-la ou o tribunal poderá aplicá-la de ofício?
Embora seja prudente invocar expressamente a tese 988, penso que não se trata de uma obrigação, visto que o tribunal tem o dever de conhecê-la e de aplicá-la (inciso III do art. 927 do CPC).
Agora imagine que o agravante invocou a tese 988, mas o agravo de instrumento não foi conhecido por falta de pressuposto recursal distinto do cabimento (v.g., falta de regularidade formal), não se manifestando o tribunal acerca da tese. Haverá preclusão?
Ao contrário de Daniel Amorim Assumpção Neves – cujo livro sobre a apelação é precioso e a quem devo um agradecimento especial pela dedicatória -, penso que não haverá preclusão em se tratando de hipótese de não aplicação da tese 988 – ainda que o tribunal não tenha se pronunciado a respeito.
Mas e se realmente for uma hipótese de aplicação da tese 988 (v.g., indeferimento do pedido de segredo de Justiça)?
Nesse caso, faltará interesse recursal para impugnar a decisão nas razões ou nas contrarrazões de apelação.
Direito é, sobretudo, segurança jurídica, marcada pela legítima confiança e pela previsibilidade de condutas. Não é diferente com o Direito Processual. Portanto, existindo dúvida quanto à preclusão na recorribilidade da interlocutória, deve o tribunal prestigiar o recorrente de boa-fé e assegurar a ele essa segurança.
Fonte: Migalhas
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