A prática informal de compra e venda de imóveis financiados pode gerar sérios riscos jurídicos e financeiros. Descubra como funciona e o que fazer para se proteger
Nas transações imobiliárias, especialmente aquelas que envolvem imóveis financiados, há sempre um equilíbrio delicado entre os interesses das partes. Quem compra quer pagar menos, enquanto quem vende espera receber o máximo possível pelo bem. Mas o que acontece quando essa negociação não passa pelos canais formais, como o registro em cartório e o aval da instituição financeira? É aí que surge o chamado contrato de gaveta.
O contrato de gaveta é amplamente utilizado para a compra e venda de imóveis financiados, sendo um acordo firmado entre as partes, sem a participação do banco financiador ou o devido registro da transação. Embora pareça uma alternativa prática e econômica, essa modalidade apresenta riscos consideráveis para ambas as partes.
Por que o contrato de gaveta é usado?
A popularidade do contrato de gaveta não é um fenômeno recente. Nas décadas de 1980 e 1990, restrições e altos custos de financiamento levaram muitas pessoas a buscar alternativas menos burocráticas para negociar imóveis. A lógica por trás disso é simples: evitar custos com cartório, tributos elevados e análise de crédito pelo banco.
A questão é que essa “economia” pode trazer consequências sérias, principalmente devido à ausência de publicidade do contrato. Sem o registro no Cartório de Registro de Imóveis, a transação fica invisível para terceiros, e o imóvel continua formalmente pertencendo ao vendedor perante a instituição financeira.
Como funciona o contrato de gaveta?
Imagine a seguinte situação: João, proprietário de um imóvel financiado, decide vendê-lo a Maria por meio de um contrato de gaveta. Maria assume informalmente as parcelas do financiamento, mas João permanece como responsável oficial pelo pagamento junto ao banco.
Embora os termos do contrato sejam válidos entre João e Maria, eles não têm efeito jurídico perante terceiros, como o banco ou credores de João. Isso significa que, em caso de inadimplência ou disputa, a proteção legal de ambas as partes é limitada.
Principais riscos do contrato de gaveta
Para o comprador
- Insegurança da propriedade: O imóvel continua registrado no nome do vendedor, permitindo que ele o venda novamente ou que herdeiros reivindiquem o bem em caso de falecimento.
- Penhora: Dívidas do vendedor podem resultar na penhora do imóvel, prejudicando o comprador.
- Má-fé: Não há garantias de que o vendedor cumprirá os termos do contrato, podendo causar prejuízos ao comprador.
Para o vendedor
Responsabilidade por dívidas: Caso o comprador deixe de pagar as parcelas do financiamento ou taxas como IPTU e condomínio, o vendedor será responsabilizado.
Risco de execução: O banco pode executar a dívida contra o vendedor, já que ele continua sendo o devedor oficial.
Há legalidade no contrato de gaveta?
Embora o contrato de gaveta não seja registrado formalmente, ele é considerado válido entre as partes, desde que cumpra os requisitos do art. 104 do CC: capacidade das partes, objeto lícito e forma permitida por lei.
Porém, a lei 8.004/90 exige que a transferência de imóveis financiados pelo SFH – Sistema Financeiro de Habitação seja formalizada junto ao banco. Assim, o contrato de gaveta é visto como irregular do ponto de vista do banco, mas pode ser reconhecido judicialmente para proteger os direitos das partes.
O STJ já decidiu que, após a quitação do financiamento, é possível formalizar a transferência do imóvel com base em contratos de gaveta, desde que não haja prejuízo ao sistema financeiro.
Como reduzir os riscos?
Embora o contrato de gaveta seja uma prática arriscada, algumas medidas podem minimizar os problemas:
- Reconhecimento de firma: Reconheça as assinaturas no cartório, preferencialmente por autenticidade.
- Documentação completa: Guarde comprovantes de pagamentos e registros de comunicação entre as partes.
- Apoio jurídico: Um advogado especializado pode elaborar cláusulas que protejam ambas as partes.
- Regularização posterior: Sempre que possível, quite o financiamento e registre o imóvel formalmente no cartório.
Considerações finais
O contrato de gaveta pode parecer uma alternativa prática para evitar custos e burocracias, mas ele esconde riscos significativos para compradores e vendedores. A ausência de formalização legal expõe ambas as partes a situações de insegurança, como perda do imóvel, responsabilidade por dívidas ou disputas judiciais complexas.
Portanto, é essencial avaliar os riscos antes de optar por essa modalidade. O ideal é buscar meios formais para a negociação, mesmo que isso envolva custos adicionais. Assim, você garante a segurança jurídica e evita problemas futuros.
Segurança jurídica é o melhor caminho para proteger seu patrimônio e seus direitos.
Fonte: Migalhas
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