A lei 14.112/20 fortaleceu a mediação pré-insolvência, promovendo solução ágil e consensual entre empresas em crise e credores, evitando a judicialização
Com a promulgação da lei 14.112/20, importantes avanços foram incorporados ao sistema jurídico brasileiro no âmbito da recuperação judicial e extrajudicial. Entre essas inovações, destacam-se as disposições dos arts. 20-A e seguintes da lei 11.101/05, que introduziram previsões sobre o procedimento antecipatório de mediação
Esse procedimento objetiva a oferta de soluções mais ágeis e eficazes não só às empresas, como também aos produtores rurais em dificuldades econômicas, promovendo um ambiente favorável de negociação entre a devedora e seus credores antes mesmo da formalização de um pedido de recuperação judicial ou extrajudicial.
O que é o procedimento de mediação?
O procedimento de mediação é um método de resolução de conflitos que incentiva o diálogo entre as partes envolvidas, visando alcançar uma solução consensual e mutuamente benéfica.
Regulamentada no Brasil pela lei 13.140/15 (lei de mediação) e fomentada pelo CPC/15, mais especificamente nos arts. 165 a 175. Assim, a mediação apresenta-se como uma alternativa ao modelo tradicional de resolução de conflitos judiciais, oferecendo maior celeridade, economia e autonomia às partes.
No contexto de pré-insolvência, este método permite que a devedora solicite, mediante petição com apontamentos específicos sobre os fatos que deram origem ao litígio, a suspensão das ações de execução e demais medidas constritivas em seu desfavor por até 60 dias. Esse prazo possibilita um período de estabilidade necessário para que as partes negociem.
Outrossim, essa solução contribui para evitar a escalada de litígios e o agravamento da crise financeira do produtor rural ou empresa, permitindo que credores e devedora alinhem interesses e cheguem a um acordo mutuamente vantajoso.
Além disso, por se tratar de uma medida preventiva, pontua-se a redução dos custos e desgastes associados ao processo judicial tradicional, bem como a promoção de uma abordagem cooperativa, em consonância com os princípios do Direito Empresarial moderno, os quais valorizam soluções consensuais em detrimento de disputas litigiosas prolongadas.
Quais os requisitos para a concessão da cautelar?
A compatibilidade entre a mediação e o processo de recuperação judicial já era amplamente aceita pela doutrina e jurisprudência antes das alterações introduzidas pela lei 14.112/20. Contudo, a formalização de métodos compositivos extrajudiciais, especialmente em um cenário antecedente, ou seja, pré-processual, objetivou facilitar a resolução consensual de crises específicas, permitindo à empresa superar dificuldades sem ingressar com um pedido formal de recuperação judicial.1
Nesse sentido, é o enunciado 12 do Fonaref, o qual reforça a concordância do procedimento de mediação com o processo de recuperação judicial, incentivando sua aplicação em situações de pré-insolvência.2
Dito isto, para que seja concedida a suspensão das medidas constritivas, o produtor rural ou a empresa devedora deve comprovar o cumprimento dos requisitos previstos no art. 48 da lei 11.101/05, como:
- Exercício regular de atividade econômica por mais de 2 anos;
- Ausência de condenação por crimes falimentares;
- Inexistência de concessão de recuperação judicial nos últimos 5 anos ou de recuperação judicial especial nos últimos 8 anos.
Adicionalmente, deve-se atender ao requisito elencado no enunciado 2 do Fonaref – Fórum Nacional de Recuperação Empresarial e Falências, promovido pelo CNJ e pelo STJ, que exige:
- Instauração de procedimento de mediação ou conciliação no CEJUSC do tribunal competente ou em câmara especializada, com a comprovação do requerimento de expedição de convite para participação no referido procedimento.
Explica-se que os CEJUSCs – Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania foram criados pelo Poder Judiciário para proporcionar um ambiente acessível e eficiente à solução de conflitos, priorizando métodos autocompositivos como mediação e conciliação. Seu propósito é incentivar a resolução amigável de disputas, diminuindo a litigiosidade e desafogando o sistema judicial.
Dessa forma, tais condições asseguram que o benefício seja concedido somente a produtores rurais e empresas com reais condições de recuperação econômica, contribuindo para a manutenção de empregos, tributos e o desenvolvimento econômico.
Qual a importância de um setor jurídico especializado em negociação?
Nestes casos, a atuação de um setor jurídico especializado em negociação é essencial para garantir a efetividade do procedimento cautelar.
Isso porque, antes de iniciar a mediação, é fundamental que seja realizada a identificação e classificação das dívidas da devedora, a fim de se priorizar aquelas que impactam diretamente a continuidade de suas atividades. De igual forma, é imprescindível a correta reunião e organização de toda a documentação necessária para demonstrar o cumprimento dos requisitos legais, incluindo o art. 48 da lei 11.101/05 e o enunciado 2 do Fonaref.
Registra-se ainda que durante o procedimento, o setor jurídico desempenha um papel crucial como facilitador do diálogo, propondo soluções viáveis que atendam aos interesses da devedora e aos direitos dos credores, sempre com base em uma análise sólida da reestruturação financeira do produtor rural ou empresa.
Deste modo, a transparência e a condução das negociações de boa-fé são fundamentais para construir confiança entre as partes, fator indispensável ao sucesso da mediação.
Benefícios do procedimento cautelar pré-insolvência
À vista de todo o exposto, a principal vantagem desse instrumento é a criação de um ambiente favorável à preservação da atividade rural ou empresarial. Tendo em vista que a suspensão das ações de execução e demais medidas constritivas durante o período de negociação permite que a empresa ou produtor rural mantenha suas atividades, preserve ativos e continue relevante no mercado.
Sobre este benefício, fundamenta o doutrinador Fábio Ulhoa Coelho:3
“A inexigibilidade temporária das execuções contra o devedor em dificuldade é, como todos sabem, uma condição imprescindível à criação de um ambiente propício à negociação racional. A disciplina dessa questão pela Reforma de 2020 pode ser lida como uma nova fase no processo judicial, contribuindo para a superação da crise das empresas.”
Infere-se, por conseguinte, que esta benesse se estende aos credores, oferecendo uma solução mais rápida e vantajosa do que os processos de execução ou falência, haja vista que o procedimento cautelar antecipatório promove o equilíbrio entre as necessidades da parte devedora e os interesses dos credores.
Conclusão
A cautelar antecedente ao processo de recuperação judicial representa um importante avanço na legislação brasileira, ao proporcionar a produtores rurais e empresas em dificuldade a oportunidade de negociar com credores antes de recorrer às medidas tradicionais. Essa medida previne desgastes, otimiza recursos e promove a continuidade das atividades rurais e empresariais, beneficiando as partes envolvidas e a economia em geral.
Portanto, a reforma introduzida pela lei 14.112/20 reforça o caráter preventivo e conciliador do Direito Empresarial, contribuindo para um ambiente de negócios mais estável e eficiente.
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1 Aspectos legais e práticos do sistema de pré-insolvência: comentários aos enunciados do FONAREF (Fórum Nacional de Recuperação Empresarial e Falências) / coordenação de José Paulo Dorneles Japur, Daniel Carnio Costa – Curitiba: Juruá, 2024.
2 1º Caderno de Enunciados FONAREF, Disponível em
3 Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas / Fábio Ulhoa Coelho. — 4. ed. — São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021
Fonte: Migalhas
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