A Usucapião Extrajudicial, introduzida na Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73) pela Lei nº 13.105/2015 (Novo Código de Processo Civil), representa um inegável avanço na desjudicialização de procedimentos e na regularização de imóveis, permitindo que a aquisição de propriedade por meio da posse prolongada seja realizada diretamente no Cartório, com assistência de Advogado mas sem a necessidade de um longo e exaustivo Processo Judicial. Contudo, para que o procedimento transcorra da melhor forma possível – e principalmente de forma célere, que é a principal vantagem da via extrajudicial – é importantíssimo que todos os requisitos sejam cumpridos e, dentre eles, a apresentação de certidões negativas que comprovem a inexistência de litígios sobre os direitos dos quais se busca o reconhecimento extrajudicial. Será mesmo que, como dita o regramento, na via extrajudicial as certidões devem ser mesmo sempre NEGATIVAS?
Segundo a melhor doutrina, a exigência de certidões negativas na Usucapião Extrajudicial tem como objetivo evidenciar a PACIFICIDADE, MANSIDÃO e ININTERRUPÇÃO/CONTINUIDADE da posse exercida sobre o imóvel pretendido. Quando se comprova que NADA CONSTA contra o requerente/usucapiente, se demonstra que não existe litígio e disputa sobre o bem, preenchendo assim a mansidão que a Lei exige para a Usucapião (posse mansa e pacífica). Todas as posses que Lei admite para usucapião, em quaisquer de suas espécies (ordinária, extraordinária, especial urbana, especial rural etc) devem ser mansas, ininterruptas e pacíficas. A doutrina firmada pelo ilustre Registrador Imobiliário, FRANCISCO NOBRE (Manual da Usucapião Extrajudicial. 2018) ensina:
“O propósito dessas certidões é precisamente averiguar se existe ação judicial proposta em face do requerente, ou de seu cônjuge, que possa descaracterizar a condição de posse pacífica. Mais precisamente, o que se busca com tais certidões de distribuição é perquirir a respeito da existência de ações possessórias ou petitórias, ou de protestos ou notificações judiciais intentados para exigir a cessação da posse. Por essa razão, embora o texto legal mencione ‘certidões negativas’, EM NADA EMBARAÇAM a usucapião ações que NÃO TENHAM relação com o fato possessório. Caso as certidões de distribuição indiquem a existência de ações que possam caracterizar reivindicação do imóvel, não será possível a usucapião extrajudicial. Outras ações não impedem a usucapião”.
O referido doutrinador conclui em sua lição que NÃO SÃO todas as ações judiciais que terão o condão de obstaculizar o trânsito e tramitação da Usucapião pela via extrajudicial, portanto, é preciso sempre analisar cuidadosamente de que se trata cada ação lançada nas Certidões, sendo necessário algumas vezes acessar seu conteúdo (com as facilidades dos processos eletrônicos ou ainda, se utilizando das Certidões de Objeto e Pé para os casos de processos físicos). Essas certidões, como se viu, servem para demonstrar que não há ações judiciais que possam comprometer a posse ou a propriedade do imóvel em questão, sendo sempre importante recordar que na via extrajudicial a ausência de litígios é um requisito essencial.
O igualmente ilustre Registrador Imobiliário MARCELO COUTO (Usucapião Extrajudicial – Doutrina e Jurisprudência. 2021) com seu costumeiro acerto esclarece, por sua vez, que o Registrador [e/ou seus prepostos] devem buscar [por ocasião do exame das certidões] é a existência atual ou pretérita de ação que possa:
“a) ter produzido efeito de impedir a contagem do prazo prescricional, em razão das situações descritas nos arts. 197 a 200 do Código Civil;
b) que tenha interrompido o prazo já iniciado, nas hipóteses dos arts. 202 a 204 do Código Civil; ou
c) que tenha tornado a posse litigiosa”.
As referidas certidões indicadas no atual inciso IV do art. 401 do Provimento CNJ 149/2023 devem ser aquelas expedidas pelos Distribuidores da Justiça Estadual e da Justiça Federal do local da situação do imóvel usucapiendo, expedidas nos últimos 30 dias, demonstrando a inexistência de ações que caracterizem oposição à posse do imóvel, em nome do requerente e respectivo cônjuge ou companheiro, se houver; do proprietário do imóvel usucapiendo e respectivo cônjuge ou companheiro, se houver, assim como de todos os demais possuidores e respectivos cônjuges ou companheiros, se houver, em caso de sucessão de posse, que é somada a do requerente para completar o período aquisitivo da usucapião. Vê-se, com isso, que são diversas certidões.
A boa notícia é que a imensa maioria pode ser requerida e obtida diretamente pelos sites dos Tribunais e SEM CUSTOS.
Quando efetivamente os feitos ajuizados comprometerem e afastarem os requisitos que se buscam para o reconhecimento extrajudicial da Usucapião outro caminho não restará senão a adoção da via judicial, onde as partes terão a oportunidade de apresentar suas alegações e provas perante o juiz. Por tudo isso, resta mais ainda reforçada nossa orientação para antes de iniciar o procedimento de Usucapião Extrajudicial buscar orientação de um Advogado Especialista para realização da análise prévia de viabilidade do procedimento, onde não só as certidões mas os demais itens deverão ser examinados. Com toda certeza o interessado ganhará tempo e evitará dissabores como o ocorrido em caso recente julgado pelo CONSELHO DA MAGISTRATURA do TJRJ, senão vejamos:
“TJRJ. 0914187-77.2023.8.19.0001. J. em: 28/04/2025. REMESSA NECESSÁRIA. DÚVIDA SUSCITADA PELO CARTÓRIO DO 4º REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL. REQUERIMENTO DE REGISTRO RECONHECIMENTO DE USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL. OFICIAL OBSTOU O REGISTRO EM RAZÃO DE CONSTAR NA CERTIDÃO DO 2º DISTRIBUIDOR, AÇÃO EM TRÂMITE NO 2º JUIZADO CÍVEL DA COMARCA DA CAPITAL, ONDE CONSTAM COMO PARTES A ANTIGA POSSUIDORA DO IMÓVEL, E A PROPRIETÁRIA TABULAR DO BEM OBJETO DESTE PROCEDIMENTO. SENTENÇA JULGOU A DÚVIDA PROCEDENTE. PARECER DA PROCURADORIA DE JUSTIÇA PELA CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA. OBSERVÂNCIA DO DISPOSTO PELO ARTIGO 401, IV, DO PROVIMENTO CNJ Nº 149/2023, EM VIGOR. PRECEDENTES DESTE E. CONSELHO DA MAGISTRATURA. DÚVIDA PROCEDENTE. SENTENÇA QUE SE CONFIRMA, EM REEXAME NECESSÁRIO.
Fonte: Julio Martins
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