Mesmo após decisão do STF em sentido contrário, alguns Estados continuam a insistir na indevida cobrança de imposto causa mortis sobre PGBL/VGBL

Em dezembro de 2024, o STF julgou o Tema 1.214 e reafirmou um posicionamento majoritário no STJ e nos tribunais estaduais. Julgou-se inconstitucional a incidência do ITCMD – Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação sobre o repasse de valores advindos de planos VGBL e PGBL aos beneficiários eleitos no contrato, ocorrido em razão da morte de quem contratou o plano (titular ou tomador).

A decisão tem eficácia para todos os Estados da Federação, conforme estabelece o art. 927, inciso III, CPC1. No mês passado, a Corte negou a modulação temporal dos efeitos da decisão pretendida pelo Fisco. A decisão representa, assim, em tese, uma vitória para os contribuintes, que ficam livres da tributação ou podem solicitar a restituição dos valores pagos indevidamente, observados os prazos prescricionais.

Contudo, alguns Estados já apresentam resistência ao cumprimento espontâneo da tese firmada pela Corte Suprema, sob o fundamento da constitucionalidade da tributação, ao menos quando o ITCMD incidir sobre a valorização do investimento realizado pelo contratante inicialmente no plano (diferença entre valor aportado pelo tomador e valor recebido pelo beneficiário) e não sobre o repasse ao beneficiário2.

Entendemos que há boas razões para impugnar eventuais tentativas dos fiscos estaduais de contornar o entendimento fixado pelo STF. Vale uma digressão sobre a natureza e dinâmica jurídicas dos planos VGBL e PGBL.

O tomador contrata uma seguradora ou instituição financeira, adere ao plano e realiza os aportes. Os valores são administrados pela instituição contratada, que os investe ou capitaliza para formar o montante a ser resgatado pelo próprio tomador em vida ou, no caso de falecimento, pelo beneficiário indicado. Trata-se de estrutura muito próxima ao seguro de vida. Aliás, o julgamento do STF tratou sobrea caracterização securitária ou não dos planos PGBL e VGBL.

Seriam esses planos caracterizados como seguro de vida ou como investimento financeiro? Caso sejam considerados seguros de vida, aplica-se o regime previsto no art. 794 do Código Civil que estabelece que o capital segurado não integra a herança do segurado. Nessa hipótese, a transmissão ocorrida entre seguradora e beneficiário não configura sucessão, o que inviabiliza a incidência do ITCMD, sob pena de se ultrapassar a competência tributária prevista pelo art. 155, inciso I e § 1º da Constituição Federal (isto é, concessão de poder aos Estados para tributar ou a transmissão causa mortis).

Por outro lado, caso tratados como investimentos financeiros ordinários, os valores constituiriam herança e, quando da morte do titular do plano, seriam transmitidos do patrimônio do titular do plano ao beneficiário – mesmo estando sob custódia ou titularidade resolúvel da seguradora – tornando-os sujeitos à tributação.

O STF concluiu pela natureza securitária dos planos PGBL e VGBL e tornou inconstitucional a tributação causa mortis na hipótese debatida. O voto do ministro Relator3, Dias Toffoli, embora trace considerações específicas a respeito de cada um dos planos, parte de premissas e conclusões comuns.

Em suma, as conclusões do STF foram:

(i) a estrutura trilateral dos contratos de PGBL e VGBL aponta para a qualificação negocial de estipulação em favor de terceiro equiparável a dos seguros. Isto é, ambos os negócios envolvem a contratação pelo estipulante/contratante de um benefício a ser pago pela contratada, seguradora ou instituição financeira, em favor de terceiro beneficiário. Ademais, foi considerado que em ambas as figuras convivem duas coberturas securitárias diferentes: uma por sobrevivência, a ser percebida pelo segurado; e outra atrelada ao direito do beneficiário de resgate ou percepção em caso de morte;

(ii) a natureza securitária dos planos é incompatível com a cobrança de ITCMD. O direito ao resgate é direito próprio a ser exercido pelo beneficiário, livremente escolhido, ante a seguradora (instituição financeira). Por meio deste raciocínio, o voto explica a lógica do art. 794, CC e destaca a dispensa do inventário para recebimento dos benefícios e indenizações de seguro. Ademais é destacada a particularidade que envolve o cálculo do valor a receber, operado por meio de técnicas atuariais, tábuas biométricas e evolução estatística populacional, obedecendo política de investimento regulada4.

À luz de tais fundamentos, o STF decidiu o Tema 1.214 e fixou a seguinte tese:

É inconstitucional a incidência do imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD) sobre o repasse aos beneficiários de valores e direitos relativos ao plano vida gerador de benefício livre (VGBL) ou ao plano gerador de benefício livre (PGBL) na hipótese de morte do titular do plano.

Apresentada a síntese da decisão exarada pela Corte Suprema, permite-se, enfim, explicar como o julgado não deixa espaço para os Estados cobrarem imposto sobre o resultado do investimento no PGBL e VGBL. Embora a tese pareça deixar uma lacuna tributável, por apreciar somente o fato gerador da lei carioca, isto é, incidência do tributo sobre o valor recebido pelo beneficiário e não sobre o resultado do investimento, a ratio do julgado exclui qualquer possibilidade de incidência do ITCMD neste último caso.

Isto porque decidiu-se que esses contratos, tomados como operação econômica unitária, tais quais os de seguro, não têm entre seus efeitos jurídicos a sucessão ou transmissão do patrimônio do tomador/titular do plano ao beneficiário. Não adianta, assim, deixar de tributar o repasse entre beneficiário e seguradora/instituição de previdência, uma das “pernas” da estrutural contratual – e uma das consequências do negócio -, para tributar outra (a valorização do dinheiro gerada mediante capitalização ou investimento da seguradora na forma obrigatória prevista em norma emitida pelo regulador). A inconstitucionalidade continuaria a existir.

Ademais, a diferença entre o valor aportado e o montante retirado do plano compõe o montante que se repassa ao beneficiário. Caso se continue a tributar este valor, diretamente ou indiretamente, a tributação incidirá sobre o repasse ao beneficiário das quantias vinculadas ao PGBL e VGBL. Incide, portanto, a vedação da tese prevista para o Tema 1.214.

De outro lado, o fato gerador do tributo seria não a transmissão causa mortis ao beneficiário, mas sim a valorização do montante aportado pelo tomador acarretada pelos investimentos feitos pela seguradora. E os Estados não têm qualquer competência para tributar fatos geradores como esse, muito mais próximos ao conceito de renda – também não tributável, por tratar-se de indenização securitária (art., 6°, inciso VII, lei 7.713/88 e art. 35, inciso II, alínea l, decreto 9.850/18 – Regulamento do Imposto de Renda).

Por fim, cabe destacar que em paralelo ao julgamento do Tema 1.214 foi sancionado o Marco Legal dos Seguros (lei 15.040/24) que estabelece em seu art. 116 que “O capital segurado devido em razão de morte não é considerado herança para nenhum efeito. Parágrafo único. Para os fins deste artigo, equipara-se ao seguro de vida a garantia de risco de morte do participante nos planos de previdência complementar”.

Portanto, o caráter securitário do PGBL e VGBL se tornou escolha do legislador. E incluir no conceito de sucessão o que a lei exclui configuraria ampliação de conceito legal de direito privado, implicitamente utilizado pela Constituição para definir transmissão causa mortis, incidindo a vedação do art. 110, CTN.

Para o contribuinte, o PGBL e o VGBL se consolidam como interessante opção de planejamento sucessório. Justamente por se considerarem seguro de vida não tributado e passível de resgate sem inventário, abrem-se múltiplas possibilidades de contratação destes planos para gerar liquidez à família no momento da morte do autor da herança.

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1 “Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos”. O assunto foi discutido no julgamento do Tema 825 STF, diante da alegação fazendária de que a declaração de inconstitucionalidade de uma lei tributária estadual não causava reflexos nas leis de outros Estados. Após o recebimento de diversas ações de Estados específicos, o STF firmou o posicionamento de que no federalismo os critérios de inconstitucionalidade da tributação devem ser os mesmos para todas as unidades federativas (vide, STF, ADI 6823, ADI 6818, ADI 6820, ADI 6840 e ADI 6833, Rel, Min. Rosa Weber, julgado em 18.03.2022).

2 O entendimento foi noticiado em “A necessária distinção do PLP 108/2024 em relação ao tema 1214 STF” , Ricardo Luiz Oliveira de Souza, Revista COMSEFAZ, outubro/2024, 9ª edição.

3 STF, RE 1.363.013, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em: 16/12/2024, disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2024/08/voto-Toffoli-ITCMD-repasses-beneficiarios-VGBL-e-PGBL-morte-titular.pdf.

4 Sobre este último argumento, o voto se utiliza do entendimento doutrinário exposto em FERREIRA, Antonio Carlos; RODRIGUES JR., Otavio Luiz; ADAMEK, Carlos V. von. Natureza jurídica do VGBL no marco da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. In: RORIGUES JR, Otavio Luiz; SOUSA, Jadson Santana de (Coords.). Direito federal interpretado: estudos em homenagem ao Ministro Humberto Martins. Cotia: GZ Editora, 2024. p. 1043-1059.

Fonte: Migalhas

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