Inventário na grande maioria das vezes sempre foi sinônimo de um procedimento complexo, demorado, burocrático e que se arrastava por anos na Justiça. Depois da Lei 11.441 no ano de 2007 esse cenário mudou com a possibilidade da realização do Inventário direto nos Cartórios Extrajudiciais, voltado para casos de menor complexidade, digamos assim, independentemente do tamanho do acervo (herança) a ser regularizado. O inventário extrajudicial ainda hoje é uma alternativa prática e célere ao tradicional inventário judicial, permitindo a partilha de bens por meio de uma ESCRITURA PÚBLICA que é feita em Cartório de Notas (atualmente pode ser feita inclusive de modo REMOTO, à distância, com uso de videoconferência e certificados digitais). Essa modalidade, regulamentada pela Resolução CNJ 35/2007 e suas atualizações, exige consenso entre os herdeiros e atualmente pode ser feita mesmo com TESTAMENTO ou interessados/herdeiros incapazes, exigindo sempre a presença de um ADVOGADO. A questão da filiação socioafetiva no contexto do Inventário Extrajudicial levanta debates jurídicos relevantes, especialmente no que tange ao reconhecimento dessa forma de parentesco e seus efeitos patrimoniais.

A filiação socioafetiva é aquela que decorre de vínculos afetivos e convivência familiar, independentemente de laços biológicos ou adotivos. Sem prejuízo do artigo 1.593 do Código Civil que admite que o parentesco pode ser natural ou civil, conforme a origem biológica ou a adoção, não se discute que a filiação socioafetiva também estabelece vínculos familiares e confere direitos (inclusive à HERANÇA). Esse entendimento foi cristalizado no Supremo Tribunal Federal (STF) por ocasião do julgamento do RE 898.060 – Tema 622, que sedimentou a possibilidade de multiparentalidade, permitindo que a filiação socioafetiva coexistisse com a biológica. A tese firmada então estabeleceu:

“A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.

Inventário e Partilha Extrajudicial com reconhecimento da filiação socioafetiva é uma POSSIBILIDADE mas pode encontrar OBSTÁCULOS especialmente quando há divergências entre os herdeiros ou quando há extrema insegurança em comprovar o vínculo socioafetivo.

Para que todo e qualquer inventário extrajudicial seja viável é necessário que haja consensualidade entre todos os interessados. No Inventário Extrajudicial feito cumulado com reconhecimento de filiação socioafetiva há ainda a óbvia necessidade de que todos os herdeiros estejam de acordo especialmente sobre a inclusão de herdeiros socioafetivos. Ao mínimo sinal de discordância o caso deverá ser judicializado, permitindo que o magistrado analise e decida sobre a questão, observado o devido processo legal.

É importante recordar que o RECONHECIMENTO DA PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA pode se dar judicial ou extrajudicialmente. Na via extrajudicial o reconhecimento será feito observadas as regras do artigo 505 e seguintes do Código de Normas Extrajudiciais do CNJ (Provimento CNJ 149/2023) que repete restrições nesse procedimento introduzidas anteriormente pelo Provimento CNJ 83/2019 ao revogado Provimento CNJ 63/2017.

Não restam dúvidas que a prévia formalização da filiação socioafetiva antes do falecimento do autor da herança facilitará o inventário extrajudicial. Essa formalização pode ocorrer por meio de ESCRITURA PÚBLICA de reconhecimento de paternidade ou maternidade socioafetiva inclusive (vide regras do §8º do art. 507 do Provimento CNJ 149/2023), e ainda, por decisão judicial. Com o vínculo devidamente registrado, os herdeiros socioafetivos passam a ter os mesmos direitos patrimoniais que os herdeiros biológicos ou adotivos, incluindo o direito à herança/legítima, conforme previsto no artigo 1.845 do Código Civil.

Doutro turno, a ausência de formalização prévia pode gerar insegurança jurídica e conflitos entre os herdeiros, especialmente se houver resistência ao reconhecimento da filiação socioafetiva. Ademais, uma vez inseguro o Tabelião para a lavratura deste tipo especialíssimo de Inventário Extrajudicial poderá recusar o ato, nos termos do §2º do art. 32 da Resolução CNJ 35/2007. Nesses casos, o inventário judicial se torna necessário para que o vínculo seja analisado e reconhecido, garantindo que os direitos dos herdeiros socioafetivos sejam respeitados. O procedimento judicial tem maior envergadura pra enfrentar e dirimir questões mais complexas, permitindo a ampla produção de provas e a análise detalhada das circunstâncias que caracterizam a socioafetividade, como convivência, cuidado e afeto.

Por fim, é necessário destacar que se tem notícia de Inventário Extrajudicial realizado com reconhecimento de paternidade socioafetiva (link https://ibdfam.org.br/noticias/11505/Primeira+escritura+de+invent%C3%A1rio+extrajudicial+com+reconhecimento+de+paternidade+post+mortem+%C3%A9+lavrada+com+base+em+Enunciado+do+IBDFAM) onde inclusive o Enunciado 44 do IBDFAM serviu de base. Reza o referido verbete, com inegável acerto:

“Existindo consenso sobre a filiação socioafetiva, esta poderá ser reconhecida no inventário judicial ou extrajudicial”.

Fonte: Julio Martins

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