Muitas pessoas possuem terrenos irregulares assim considerados pelo fato de não possuírem Escritura e Registro, havendo em dado momento a necessidade de regularizá-los, porém podem ser surpreendidos com a suposta necessidade de se comprovar, no procedimento de Usucapião, de que MORAM no imóvel. Será mesmo que é preciso demonstrar a MORADIA para que o reconhecimento da Usucapião seja vitorioso?

É preciso sempre rememorar que a Usucapião, tal como concebida no ordenamento jurídico brasileiro, é uma forma originária de aquisição da propriedade de bens imóveis que se configura desde que demonstrado o exercício da posse qualificada (com ânimo de “dono”) de forma prolongada, contínua e incontestada, sobre a coisa hábil (suscetível aos efeitos da prescrição aquisitiva) nos termos do Código Civil, conforme a modalidade de Usucapião pretendida (e existem várias modalidades, como já falamos).

Para que a usucapião seja reconhecida no caso concreto analisado, é imprescindível que o requerente/possuidor exerça a posse com o chamado “ânimo de dono”, ou seja, com a intenção inequívoca de ser titular do direito real sobre o imóvel, inclusive assim já se reconhecendo, exteriorizando seu poder sobre o imóvel perante a sociedade, assim agindo. O requerente não apenas quer ser o titular mas já age assim, como se fosse.

Importa esclarecer que a posse para fins de usucapião não exige, necessariamente, a existência de construção ou a residência do possuidor no imóvel (e isso é muito aplicável aos casos de USUCAPIÃO DE TERRENOS sem casas destinadas à moradia, ou mesmo terrenos com ou sem qualquer outro tipo de edificação/benfeitoria/acessão). O “animus domini” pode ser demonstrado por outros atos inequívocos que evidenciem o exercício pleno do direito de proprietário, como a realização de benfeitorias, o pagamento de tributos incidentes sobre o imóvel, a manutenção e conservação do terreno, bem como a defesa da posse contra terceiros, o cultivo de plantas frutíferas ou não, animais no terreno etc. Dessa forma, a ausência de edificação ou moradia não impede, em princípio, a propositura da ação de usucapião, desde que o possuidor demonstre a posse mansa, pacífica e ininterrupta pelo prazo legal.

Cuidar do imóvel não implica necessariamente morar nele – e a toda evidência a demonstração do “agir como se dono fosse” deve ser apurada no conjunto e não isoladamente no mero aspecto moradia, até mesmo porque não são todas as espécies de usucapião que exigem moradia, como acontece com a USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA do art. 1.238 do CCB, que exige o prazo de 15 anos de posse qualificada. Nesse sentido, importante decisão do TJSP:

“TJSP. 0159081-34.2013.8.26 .0000. J. em: 10/09/2013. AGRAVO DE INSTRUMENTO. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. DESNECESSIDADE DE PROVA DO USO DO IMÓVEL COMO MORADIA. DOCUMENTOS MENCIONADOS PELO MAGISTRADO QUE NÃO SÃO REQUISITOS PARA A INSTRUÇÃO DA EXORDIAL. (…). 1. Decisão que determinou a juntada de documentos comprobatórios do uso do imóvel como MORADIA por vários anos. Desnecessidade. Pedido embasado na modalidade de usucapião extraordinária. (…) 4. Recurso parcialmente provido, apenas para afastar a determinação de juntada de documentos que comprovem o uso do imóvel como MORADIA (…)”

No que concerne às benfeitorias e acessões, esses conceitos são fundamentais também para a caracterização do “animus domini”. Benfeitorias devem ser compreendidas como as intervenções feitas no imóvel para sua conservação, melhoria ou embelezamento, podendo ser classificadas em voluptuárias, úteis e necessárias. Já as acessões são acréscimos materiais ao imóvel, como construções ou plantações que se incorporam ao terreno. Ambas demonstram o interesse do possuidor em exercer os poderes inerentes à propriedade, reforçando a alegação de posse com intenção de dono.

Outro aspecto relevante, sempre destacado aqui, diz respeito a regularização desse tipo de imóvel através da VIA EXTRAJUDICIAL, nos termos do art. 216-A da LRP que autoriza o reconhecimento da Usucapião em CARTÓRIO, mediante procedimento extrajudicial, conforme regulamentação hoje ditada pelo PROVIMENTO CNJ 149/2023. Essa modalidade visa simplificar e agilizar a regularização fundiária, reduzindo a sobrecarga do Poder Judiciário. Como já esclarecemos em muitas outras passagens, a Usucapião Extrajudicial passa pela exigência da ATA NOTARIAL a ser lavrada no Cartório de Notas, seguindo com a tramitação no Cartório do RGI, com assistência obrigatória de Advogado. A propósito, é muito importante consultar um Advogado especializado em Direito Imobiliário para análise detalhada do caso concreto, visando a detida análise das peculiaridades da posse, a modalidade de usucapião aplicável e a forma mais adequada para a regularização do imóvel. O profissional com toda certeza poderá orientar sobre a documentação necessária, a viabilidade da via extrajudicial ou judicial, bem como sobre as estratégias para comprovar o “animus domini” e a posse prolongada sempre de acordo com as peculiaridades do caso concreto, garantindo a segurança jurídica do procedimento e, naturalmente, evitando o desfecho inexitoso ao requerente, como aponta com acerto outra decisão do mesmo TJSP:

“TJSP. 1014336-17 .2019.8.26.0037. J. em: 29/02/2024. APELAÇÃO – AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – INCONFORMISMO DO AUTOR – REJEIÇÃO – Terreno vazio e sem ocupação – Ausência de demonstração de posse – Requisitos para a prescrição aquisitiva descumpridos – Art. 1.238 do Código Civil – Sentença mantida – NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO”.

Fonte: Julio Martins

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