A Usucapião permite que a aquisição de imóveis seja legalmente concretizada pela conversão da posse em propriedade e, uma vez obtido o reconhecimento – que pode ser feito tanto na via judicial quanto na via extrajudicial – a propriedade reconhecida em favor do posseiro tem o mesmo valor legal que aquela propriedade assegurada ao comprador que registra sua Escritura de Compra e Venda no Cartório do RGI; porém, um ponto de dúvida pode ainda pairar na cabeça de quem pretende regularizar seu imóvel de posse: através do processo de Usucapião (seja ele judicial ou extrajudicial), no final, com a procedência dos seus pedidos, o interessado receberá uma “Escritura” e um “Registro” em seu nome?

A aquisição de bens imóveis no Brasil é regulada por normas específicas do Código Civil, que estabelecem os requisitos para a transferência de propriedade entre vivos (que muito se diferem da aquisição “causa mortis”, como já tratamos em outros textos). O artigo 1.245 do Código Civil dispõe que a propriedade de um imóvel somente se transfere com o REGISTRO do TÍTULO translativo no Cartório de Registro de Imóveis (e não por outra razão sempre destacamos a IMPORTÂNCIA DO REGISTRO no Cartório do RGI). O referido dispositivo legal determina:

“Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
§1º. Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel”.

Assim, para que a aquisição entre vivos seja válida (ostentando publicidade, oponibilidade e validade contra terceiros), é necessário o cumprimento de dois elementos essenciais: o TÍTULO, que pode ser uma Escritura Pública de Compra e Venda, e o MODO, que é o registro desse título no Cartório de Registro de Imóveis. Sem o registro, o adquirente/comprador não se torna proprietário, ainda que tenha firmado o contrato de compra e venda. Essa regra reforça a importância da publicidade e da segurança jurídica oriundos dos REGISTROS PÚBLICOS na aquisição de bens imóveis.

É preciso recordar também que a legislação brasileira também admite a aquisição de bens imóveis por meio da USUCAPIÃO, conforme previsto no artigo 1.238 do Código Civil. Como sempre anotamos aqui, a usucapião é uma forma ORIGINÁRIA de aquisição de propriedade (e não derivada, já que inexiste transmissão voluntária por parte do proprietário anterior), e ocorre pela constatação dos requisitos exigidos por lei para seu reconhecimento, como o exercício da posse qualificada prolongada e contínua do imóvel, pelo prazo legal, a ausência de oposição e o cumprimento da função social da propriedade. Diferentemente da aquisição por título e modo, na usucapião não há necessidade de um contrato ou Escritura Pública como título (sendo importante recordar inclusive que há espécies – como a Usucapião Extraordinária que DISPENSAM a necessidade de justo título e boa-fé). A posse consolidada ao longo do tempo, acompanhada dos requisitos legais, é suficiente para que o possuidor possa adquirir a propriedade.

A aquisição amparada na Usucapião possui o mesmo valor jurídico da aquisição feita por Escritura Pública seguida de registro, sendo uma forma igualmente legítima de aquisição de bens imóveis. No caso da Usucapião Judicial, a SENTENÇA proferida pelo juiz serve como TÍTULO para o registro no Cartório de Registro de Imóveis, conferindo ao possuidor a propriedade plena do bem. A parte final do citado art. 1.238 esclarece:

“(…) podendo requerer ao juiz que assim o declare por SENTENÇA, a qual servirá de TÍTULO para o REGISTRO no Cartório de Registro de Imóveis”.
No caso da moderna Usucapião Extrajudicial, regulamentada pelo artigo 216-A da Lei de Registros Públicos e pelo Provimento CNJ 149/2023, o reconhecimento da usucapião é realizado diretamente pelo Cartório de Registro de Imóveis, com assistência de ADVOGADO e sem necessidade de processo judicial. Nesse caso, depois da tramitação exitosa, o ato de reconhecimento pelo Cartório do RGI conferirá publicidade e todos os efeitos jurídicos decorrentes do registro, nos termos do art. 419 do Provimento do CNJ:

“Art. 419. Estando em ordem a documentação e não havendo impugnação, o oficial de registro de imóveis emitirá nota fundamentada de deferimento e efetuará o registro da usucapião”.

O registro é sobre o pedido/requerimento feito pelo Advogado, nos termos do art. 401 do mesmo provimento. É importante destacar que, na usucapião extrajudicial, a ATA NOTARIAL lavrada pelo Cartório de Notas desempenha um papel relevante, mas NÃO É O TÍTULO que será registrado no Cartório de Registro de Imóveis (e muita gente ainda confunde isso). A Ata Notarial é um documento que comprova a posse e os requisitos legais para a usucapião, sendo utilizada como parte do procedimento administrativo. Muitos operadores do direito ainda confundem a Ata Notarial com o título propriamente dito, mas o reconhecimento da usucapião pelo Cartório de Registro de Imóveis é o ato que efetivamente confere a propriedade ao possuidor.

Assim, temos que tanto a aquisição derivada por título e modo (como acontece na Compra e Venda de imóveis) como a aquisição originária exemplificada pela Usucapião são formas plenamente válidas de aquisição de imóveis que ostentarão garantia e segurança jurídica a partir do momento em que são devidamente registradas no Cartório do REGISTRO DE IMÓVEIS competente, sendo certo que especificamente no caso da Usucapião o adquirente/novo proprietário não terá uma “Escritura” mas sim a sentença judicial (no caso de Usucapião Judicial) que deverá ser registrada no Cartório do RGI para completar a regular aquisição, nos termos da Lei. Se a via extrajudicial for adotada, não haverá sentença mas sim registro do reconhecimento que terá mesmo valor jurídico confirmando a propriedade adquirida de forma plenamente válida e legal.

Fonte: Julio Martins

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