A lei de concessões, em seus arts. 3º e 29, inciso I, atribui expressamente à administração pública concedente, titular do serviço público, a prerrogativa de fiscalizar o serviço concedido, para que possa garantir a sua adequada prestação.
Ainda, nos termos do art. 23, VII, da lei 8.987, de 1995, a forma de fiscalização das instalações, dos equipamentos, dos métodos e práticas de execução do serviço, bem como a indicação dos órgãos competentes para exercê-la, deve ser definida no próprio contrato. Isso constitui medida essencial para definir, de maneira clara, os deveres e obrigações de ambas as partes do contrato relacionadas à fiscalização, garantindo maior eficiência na atuação administrativa.
Note-se que a prerrogativa de fiscalização não se equipara ao exercício do poder de polícia. Mas é por meio dela que a administração pública assegura a adequada prestação do serviço público e verifica se é ou não o caso de se valer das demais prerrogativas concedidas pelo legislador, como a aplicação de sanções ou a modificação unilateral do contrato.
A prerrogativa de fiscalizar a execução do contrato é competência privativa e irrenunciável do poder público concedente. Mas, note-se, isso não significa que se trata de um “ato de império”. Não existe vedação para que seja definida no próprio contrato a forma de fiscalização. Ao contrário, como já afirmado, essa disciplina é exigida pelo art. 23, VII da lei 8.987, de 1995.
Em outras palavras, a administração pública não pode renunciar, em abstrato, ao exercício dessa competência, atribuída por lei com a finalidade de assegurar a prestação do serviço público adequado. Mas deverá estabelecer em contrato as regras para o exercício dessa fiscalização e, assim o fazendo, atua para o atendimento do interesse público no caso concreto, conferindo maior estabilidade e segurança à relação contratual.
Nessa linha, considerando o quanto disposto no art. 151 da lei 14.133, de 2021, que declara serem patrimoniais disponíveis e, portanto, arbitráveis, controvérsias relacionadas ao inadimplemento de obrigações contratuais por quaisquer das partes, estará dentro da jurisdição dos árbitros a verificação do adimplemento, seja pela administração pública, seja pelo concessionário, das obrigações contratuais assumidas, referentes ao exercício da fiscalização.
Ressalte-se que não se está aqui afirmando que poderão os árbitros proferir uma ordem impedindo a administração pública, por exemplo, de instaurar ou dar prosseguimento a procedimentos administrativos internos destinados a apurar eventuais descumprimentos contratuais. Como já afirmado, a prerrogativa de fiscalizar a execução do contrato constitui uma competência privativa e irrenunciável do concedente.
O que se está afirmando é tão somente que, em havendo determinadas regras contratuais voltadas ao exercício da fiscalização, essas regras deverão ser obedecidas por ambas as partes. E que, dessa forma, controvérsias acerca de seu eventual inadimplemento poderão ser dirimidas pelo tribunal arbitral. Em outras palavras, são arbitráveis eventuais litígios decorrentes de alegados inadimplementos de obrigações contratuais assumidas para o exercício da prerrogativa de fiscalização.
Assim, considerando a competência dos árbitros para dirimir conflitos relacionados ao adimplemento ou inadimplemento contratual, nos termos do parágrafo único do artigo 151 da lei 14.133, de 2021, e considerando que a fiscalização tem como objetivo e resultado apontar a existência desses adimplementos e inadimplementos, os árbitros poderão, após o regular processo de fiscalização pela administração pública, referendar ou rechaçar a conclusão do concedente no sentido de que houve inadimplemento contratual.
Ainda, como o exercício da fiscalização pode ensejar o exercício de outras prerrogativas da administração concedente, a decisão dos árbitros a respeito do acerto ou não das conclusões a que a administração pública chegou por meio da fiscalização, pode vir a ter um efeito cascata relacionado a outras possíveis discussões colocadas no processo arbitral, por exemplo, a aplicação de uma penalidade em decorrência de um inadimplemento declarado pela administração pública mas contestado pelo concessionário.
Conclui-se, assim, que a lei atribui expressamente à administração pública a prerrogativa de fiscalizar o serviço concedido, para que possa garantir a sua adequada prestação. Muito embora a administração pública não possa renunciar, em abstrato, ao exercício da competência estabelecida com a finalidade de assegurar a prestação do serviço público adequado, deverá, conforme determinado pelo legislador, estabelecer em contrato as regras para o exercício dessa fiscalização. Assim, atua para o atendimento do interesse público no caso concreto, conferindo maior estabilidade e segurança à relação contratual.
Nessa linha, estará dentro da jurisdição dos árbitros a verificação do adimplemento, seja pela administração pública, seja pelo concessionário, das obrigações contratuais assumidas, referentes ao exercício da fiscalização. Ainda, os árbitros poderão, após o exercício da fiscalização pela administração pública, referendar ou rechaçar a conclusão do concedente no sentido de que houve inadimplemento contratual. Isso porque os árbitros possuem competência para analisar a legalidade do ato administrativo praticado em decorrência de um eventual inadimplemento contratual, ainda que esse ato administrativo consista numa prerrogativa da administração pública prevista em lei.
Fonte: Migalhas
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