A quitação integral do preço dá ao adquirente de boa-fé o direito à imediata transmissão da propriedade, sem qualquer gravame hipotecário
De acordo com o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante o adquirente de boa-fé.
Ao adquirir um imóvel na planta, é comum encontrar na matrícula do bem a existência de garantia hipotecária constituída em favor de determinada instituição financeira.
Essa modalidade de garantia é muito comum no ramo imobiliário e serve como forma de viabilizar execução do empreendimento imobiliário, pois, na imensa maioria das vezes, as construtoras e/ou incorporadoras não dispõem de recursos próprios para desenvolver o empreendimento, razão pela qual são obrigadas a buscarem recursos com agentes financeiros para viabilizar a construção.
Desse modo, as construtoras e/ou incorporadoras oferecem ao agente financeiro o próprio empreendimento imobiliário e as suas respectivas unidades autônomas como forma de garantia do crédito bancário que lhes é concedido.
Por esse motivo, não são raras as vezes em que o adquirente de boa-fé, após a quitação total da avença com a construtora e/ou incorporadora, fica impossibilitado de realizar a transferência da propriedade do bem imóvel para o seu nome.
Isso acontece porque, em muitas ocasiões, as construtoras e/ou incorporadoras deixam de adimplir as prestações estabelecidas no contrato de financiamento bancário, ficando em dívida com a instituição financeira, ou ainda, quando há prestações vincendas em aberto.
Em outras palavras, apesar da quitação do preço do imóvel pelo adquirente de boa-fé, em caso de inadimplemento do contrato de financiamento pela construtora e/ou incorporadora, ou, mesmo que não haja inadimplemento, mas ainda exista saldo em aberto em favor do credor hipotecário, as instituições financeiras se recusam a baixar a garantia hipotecária constituída na matrícula do bem, impossibilitando e embaraçando a transferência da propriedade.
De tanto se repetirem casos desse gênero, o Colendo Superior Tribunal de Justiça converteu em Súmula o entendimento de que:
“A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel.” (Súmula 308 do STJ).
Ou seja, após a quitação do preço nos moldes contratados, tem o adquirente de boa-fé o direito de receber a outorga da escritura definitiva do imóvel sem qualquer gravame hipotecário, independentemente da dívida existente entre a construtora e/ou incorporadora e a instituição financeira credora.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, bem como dos Tribunais Estaduais e Federais são uníssonas no sentido de que o adquirente, em inegável boa-fé, ao fim do pagamento do preço estipulado, tem o direito de receber a outorga da escritura definitiva do imóvel adquirido e sem qualquer gravame, in verbis:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. CANCELAMENTO DE HIPOTECA. GARANTIA REAL CONSTITUÍDA PELA INCORPORADORA FALIDA SOBRE IMÓVEL PARA, EM ADITAMENTO, RESGUARDAR CONTRATO DE DAÇÃO EM PAGAMENTO. EXECUÇÃO. IMÓVEL PENHORADO PARA GARANTIA DO JUÍZO. MESMO IMÓVEL OBJETO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA COM TERCEIRO. QUITAÇÃO. BOA-FÉ. AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA JULGADA PROCEDENTE. TRÂNSITO EM JULGADO. APLICAÇÃO DA SÚMULA 308/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. Decidida integralmente a lide posta em juízo, com expressa e coerente indicação dos fundamentos em que se firmou a formação do livre convencimento motivado, não se cogita violação do art. 535 do CPC/73, ainda que rejeitados os embargos de declaração opostos. 2. “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel” (Súmula 308/STJ). 3. O referido enunciado sumular pode ser aplicado ao agente financiador de construção de empreendimentos imobiliários ainda que não seja instituição financeira e não se trate daqueles contratos regidos pelo Sistema Financeiro da Habitação. 4. O terceiro que adquire o imóvel de boa-fé e cumpre o contrato de compra e venda, quitando o preço avençado, não pode ser prejudicado por outra relação jurídica estabelecida entre o financiador, credor hipotecário, e o construtor inadimplente. No caso, deve o financiador tomar todas as cautelas necessárias antes da celebração do contrato ou, em caso de não cumprimento da avença, buscar outros meios judiciais cabíveis para alcançar o adimplemento do negócio jurídico garantido pela hipoteca. 5. Agravo interno a que se nega provimento (AIRESP – AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL – 1432693 2013.01.65651-1, MARCO AURÉLIO BELLIZZE, STJ – TERCEIRA TURMA)
PROCESSO CIVIL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO. DIREITO AO TERMO DE QUITAÇÃO E EXTINÇÃO DA GARANTIA HIPOTECÁRIA. APELAÇÃO DA CEF DESPROVIDA. 1. Da análise dos registros 14 e 15 da matrícula nº 137.178 referente ao imóvel, verifica-se que a empresa Nassar Construções e Empreendimentos transmitiu ao agravado a fração ideal de 1,8417% do terreno que corresponde ao apartamento nº 34 e, o autor, por sua vez, deu em primeira e única hipoteca à CEF a unidade para garantia da dívida do financiamento. 2. O autor, por meio do pactuado, obrigou-se somente ao pagamento integral da dívida e a partir do momento em que cumpriu a obrigação tem direito ao termo de quitação e a extinção da garantia hipotecária. 3. O Egrégio Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento segundo o qual, em contratos de financiamento para construção de imóveis pelo Sistema Financeiro da Habitação, a garantia hipotecária do contrato concedido pela incorporadora ao banco não atinge o adquirente da unidade (Resp 514993, Relator Asfor Rocha, DJ 14/06/2004) 4. A liquidação do saldo devedor pelo autor lhe garante o direito ao levantamento da hipoteca, não podendo ser prejudicado pelo descumprimento de obrigações assumidas pela Construtora. 5. Apelação da CEF desprovida. (ApCiv 0018300-82.2004.4.03.6100, DESEMBARGADOR FEDERAL MAURICIO KATO, TRF3 – QUINTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/03/2018.)
Outorga de Escritura – Hipoteca instituído pela construtora em favor do agente financeiro, para garantia do adimplemento do mútuo convolado, para a construção do empreendimento – Compradores que pagaram integralmente o preço e não podem ser prejudicados, ainda que o gravame conste de cláusula contratual – Inteligência da Súmula 308 do Colendo Superior tribunal de Justiça e precedentes desta corte – Prazo assinado para a outorga da escritura que se mostra razoável – Valor das astreintes que não comporta redução – Atraso na entrega das unidades – Lucros cessantes devidos – Percentual arbitrado que está em conformidade com a jurisprudência desta E. Corte – Sentença mantida – Recurso desprovido. (TJSP – 1035041-38.2015.8.26.0114 – Rel. A.C.Mathias Coltro – 5ª Câmara de Direito Privado)
Sobre o tema, oportuno mencionar a sentença proferida pela 1ª Vara Federal de Barueri/SP – TRF3, nos autos do processo nº 5002594-74.2020.4.03.61441, que julgou procedente uma ação de obrigação de fazer para determinar o imediato cancelamento com a respectiva baixa, da hipoteca que recaia sobre o imóvel do adquirente de boa-fé.
No caso acima mencionado, o adquirente de boa-fé comprovou a titularidade dos direitos e obrigações oriundos do compromisso de compra e venda, bem como, a quitação integral do preço ajustado para a compra e venda do imóvel objeto do referido feito, sendo aplicada pelo Juízo ao caso prático, a Súmula 308 do STJ, de forma correta.
Diante disso, conclui-se que, a quitação integral do preço dá ao adquirente de boa-fé o direito à imediata transmissão da propriedade, sem qualquer gravame hipotecário, a qual não pode ser condicionada ao adimplemento da obrigação do promissário vendedor (construtora e/ou incorporado) junto ao credor hipotecário (instituição financeira), estipulada no contrato de financiamento bancário.
No entanto, no caso de impedimento de transferência da titularidade do imóvel ao compromissário comprador que adimpliu com as suas obrigações, por óbice de garantia hipotecária, será necessária a intervenção do Poder Judiciário para que o adquirente de boa-fé possa fazer valer os seus direitos.
Fonte: Migalhas
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