Sociedade de propósito específico (SPE) com patrimônio de afetação, próprio para um determinado empreendimento, não se sujeita à recuperação judicial, pois tal tipo de patrimônio é independente daquele do incorporador. Portanto, não responde por dívidas estranhas às da empresa.

 

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, manteve decisão que impediu o prosseguimento da recuperação judicial da incorporadora João Fortes Engenharia em relação às SPEs com patrimônio de afetação.

 

Em maio de 2020, a 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro aceitou o pedido de recuperação judicial da João Fortes Engenharia. O grupo, composto por 63 empresas e conhecido por sua atuação no setor imobiliário há quase 70 anos, acumula dívida estimada em R$ 1,3 bilhão.

 

O Banco Bradesco interpôs agravo de instrumento contra a decisão. A instituição financeira argumentou que as sociedades de propósito específico do grupo não deveriam integrar a recuperação judicial. Isso porque elas têm patrimônio de afetação. E o Enunciado 628 da VIII Jornada de Direito Civil estabeleceu que os patrimônios de afetação não se submetem à recuperação judicial da controladora. O Bradesco também pediu a divulgação dos bens dos administradores e controladores das SPE.

 

A 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro excluiu, em outubro de 2020, as SPE com patrimônio de afetação da recuperação judicial da João Fortes Engenharia. Porém, a incorporadora recorreu ao STJ, e Cueva concedeu liminar para suspender a decisão do TJ-RJ porque a Corte não tinha entendimento consolidado sobre a questão.

 

O cenário mudou em maio, quando a 3ª Turma do STJ negou recurso especial ajuizado pelo grupo Esser contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que indeferiu o seu pedido de recuperação judicial. Os ministros concluíram que as sociedades de propósito específico que atuam na atividade de incorporação imobiliária e administram patrimônio de afetação estão submetidas a um regime criado pela Lei de Incorporações (Lei 4.591/1964) que as torna incompatíveis com a recuperação judicial.

 

Com base nessa decisão, o Bradesco, representado pelo escritório ASBZ Advogados, pediu a revogação da liminar. Em junho, o relator do caso, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, revogou os efeitos de decisão anterior para impedir o prosseguimento da recuperação judicial da João Fortes Engenharia em relação às SPEs com patrimônio de afetação. O magistrado também proibiu a homologação dos planos de recuperação apresentados até o julgamento definitivo do recurso especial.

 

No mérito, o ministro apontou que as SPEs que atuam na atividade de incorporação imobiliária e administram patrimônio de afetação estão submetidas a regime de incomunicabilidade, em que os créditos oriundos dos contratos de alienação das unidades imobiliárias, assim como as obrigações vinculadas à atividade de construção e entrega dos referidos imóveis, são insuscetíveis de novação. Portanto, tal regime é incompatível com a recuperação judicial, avaliou.

 

De acordo com Cueva, o papel das SPEs com patrimônio de afetação na recuperação judicial do grupo econômico a que pertencem está restrito ao repasse de eventuais sobras após a extinção do patrimônio afetado. Tais valores voltarão a integrar o patrimônio geral da incorporadora, e, somente a partir desse momento, poderão ser utilizados para o pagamento de outros credores, ressaltou.

 

“Pensar de modo diverso conduziria ao indesejável enfraquecimento dos efeitos esperados e efetivamente concretizados desde a edição da Lei 10.931/2004, inserida no ordenamento jurídico com vistas a conferir maior segurança, estabilidade e desenvolvimento ao ramo da incorporação imobiliária, com inegáveis benefícios para todos os envolvidos”, destacou o relator.

 

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REsp 1.958.062

 

Fonte: Conjur

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