Quando o valor da pessoa em sua exata dimensão de dignidade demanda direitos e a família congrega as pessoas em suas unidades de valor, busca-se consolidar as novas tendências do Direito das Famílias. Efetivá-las, com a maior extensão de suas realidades jurídicas, é o desafio atual.

 

Dentro do seu amplo espectro, as perspectivas presentes exigem que a família seja regulada na ordem jurídica da melhor maneira possível. Designadamente, em face da reprodução assistida, dos institutos da socioafetividade e da multiparentalidade, e das diversas entidades familiares, em vieses jurídicos que coloquem, sempre, a pessoa como a prioridade maior. Como afirmam Rodrigo Cunha e Berenice Dias, a família “passou a ser muito mais um espaço para o desenvolvimento do companheirismo, do amor, e, acima de tudo, o núcleo formador da pessoa e elemento fundante do próprio sujeito” (1).

 

Em ser assim, desburocratizam-se os conflitos, expurgam-se os achismos de ideias retrógradas que representam apenas teorias fundadas em opiniões ou intenções meramente pessoais; afastam-se entendimentos desprovidos de sustentação jurídica e que assumem papéis ultraconservadores.

 

Enfim, privilegia-se o direito à busca da felicidade, com eficácia imediata e em respeito à autonomia da vontade e à liberdade dos sujeitos. Exemplos mais significantes desse direito são os:

 

(a) do divórcio potestativo, que a Emenda Constitucional nº 66/2010 trouxe ao nosso ordenamento jurídico, sem mais necessidade de motivação (requisitos causais) ou de prazo (requisitos temporais) para a sua concessão. Suficiente para a dissolução do casamento, a simples manifestação de vontade de um membro do casal;

 

(b) da recente Lei nº 14.340/2022, de 18 de maio, que efetivou importantes modificações na Lei da Alienação Parental (Lei nº 12.318/2012), dinamizando a atuação judicial e os mecanismos de proteção à melhor convivência familiar;

 

(c) da recente Lei nº 14.382/2022, de 27 de junho, a permitir mudanças significativas no prenome e sobrenome das pessoas, com pedido apresentado diretamente a qualquer um dos 7.800 cartórios de registro civil do país, sem limite de prazo ao requerimento e sem a judicialização das alterações pretendidas; de forma simples, mais rápida e menos onerosa (2). Com a nova lei que libera a mudança de nome em cartório e sem ação judicial, cerca de cinco mil pessoas já obtiveram, nestes últimos seis meses, a alteração dos seus prenomes.

 

Mas não é só. Dentre outras inovações, foi introduzido na Lei dos Registros Públicos (Lei 6.015/1973) o artigo 94-A, autorizando a formalização de termos declaratórios de união estável perante o Registro Civil das Pessoas Naturais (RCPN), em contributo saudável à desburocratização e aos menores custos do procedimento.

 

A família coloca-se, assim, pronta ao seu futuro, diante dos recentes incrementos da doutrina e da legislação civil. A evolução do direito das famílias depende, sobretudo, do rumo das variadas soluções construtivas nas relações familiares e de uma visão operativa de novos paradigmas. É o que se espera para 2023. Vejamos:

 

Reprodução assistida. A regulação jurídica das técnicas de reprodução medicamente assistida (RMA) apresenta-se como questão fulcral da legislação civil de família. Esse tema será debatido durante o Curso de Extensão “Análise jurídico-jurisprudencial do Direito das Famílias no sistema Luso-Brasileiro”, a realizar-se na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, entre 16 e 20 do corrente mês. Os juristas Rafael Vale dos Reis (PT) e Fernanda Leão Barretto (BA-BR) tratarão de importantes aspectos como os da cessão de útero e suas normativas existentes e os dos embriões excedentários, sua utilização e seus efeitos, inclusive sucessórios. No Brasil, a Resolução nº 2.320, de 20 de setembro de 2022, do Conselho Federal de Medicina (CFM), entre tantas anteriores, é o único instrumento normativo que disciplina a matéria, tratando sobre normas éticas para a utilização das técnicas de RMA (3).

 

O PLS n. 90/1999, que tratou da reprodução assistida e aprovado no Senado em 2003, pendente desde então, não teve a devida análise na Câmara sob o n. 1.184/2003. O texto tem merecido severas críticas quando o projeto proíbe a gestação por substituição, remove o anonimato dos doadores de gametas, limita a fertilização de apenas dois óvulos e obsta a biópsia embrionária (4).

 

Mais recentemente, tramita o Projeto de Lei nº 1.851/2022, de 2 de julho.

 

Ele altera o artigo 1.597 do Código Civil, com a inserção de dois parágrafos, para dispor sobre o consentimento presumido de implantação, pelo cônjuge ou companheiro sobrevivente, de embriões do casal que se submeteu conjuntamente à técnica de reprodução assistida e, ainda, define a responsabilidade das clínicas médicas, centros ou serviços responsáveis pela reprodução assistida. “A grande lacuna legislativa no nosso ordenamento jurídico sobre a reprodução assistida não encontra explicação lógica e razoável em debate algum sobre o tema“, denunciou a senadora Mara Gabrilli na justificação do seu projeto. Uma vez aprovado, será um importante avanço legislativo (5).

 

Lado outro, projeto originário da Câmara dos Deputados, o de nº 115/2015, apensado ao PL 4.892/2012, pretende instituir o “Estatuto da Reprodução Assistida”, para regular a aplicação e utilização das técnicas e seus efeitos no âmbito das relações civis sociais (6). Interessante estudo foi desenvolvido durante o 19º Congresso Nacional de Iniciação Cientifica (Conic), tratando da análise jurídico-normativa de todos os dezessete projetos legislativos ora em curso sobre a RMA (7).

 

Como se observa, urge um esforço legislativo para dotar o ordenamento jurídico nacional de um estatuto sobre reprodução assistida, colocando nosso país em linha de frente com a regulação necessária e de conformidade ao desenvolvimento do biodireito.

 

No ponto, essa é uma das importantes perspectivas para 2023, sufragando os anseios das comunidades médica e jurídica. Mais ainda, quando se discute a questão dos embriões excedentários ou a legitimidade sucessória dos filhos havidos de reprodução assistida post mortem, com releitura do artigo 1.798 do Código Civil, no que tange à figura do embrião enquanto concepto ainda não gestado.

 

Multiparentalidade. Interessante projeto, na Câmara de Deputados, disciplina a herança em caso de multiparentalidade, para incluir padrastos e madastras como herdeiros de alguém sem filhos que morra deixando cônjuge.

 

O PL nº 5.774/2019 altera o artigo 1.837 do Código Civil para o caso de uma pessoa sem filhos morrer deixando cônjuge; mãe e/ou madrasta; e pai e/ou padrasto, a herança ser dividida em partes iguais entre cada um deles (8). O projeto atende as novas configurações familiares, certo que atualmente “cabe ao cônjuge 1/3 da herança, caso os dois pais do falecido sejam vivos. O cônjuge vivo recebe metade se “concorrer” apenas com o pai ou a mãe do falecido“; não considerando a multiparentalidade socioafetiva eventualmente existente.

 

A propósito do direito sucessório, estudos do IBDFam deram origem a importante anteprojeto de reforma do Direito das Sucessões, alterando o Código Civil, que resultou na iniciativa do PLS nº 3.799/2019. A respeito dos efeitos do direito sucessório, nos casos de multiparentalidade, importante estudo de Catarina Oliveira Costa foi publicado em 3/6/2021 (9).

 

Noutro giro, importa assinalar que a Academia Brasileira de Direito Civil (ABDC), em sua IX Olimpíada de Conhecimento Jurídico 2022, destinada a universitários de Direito em instituições de ensino do país, incentivou em modalidade da prova de “Redação de Projeto de Lei”, textos relativos ao “Estatuto do Padrastio”. O texto premiado, de estudantes da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Lavras-MG (UFLA) servirá de proposição legislativa.

 

Regime de bens. A norma do artigo 1.611, inciso I, do Código Civil, que estabelece a imposição do regime da separação obrigatória de bens para a pessoa maior de setenta anos, extensiva à união estável (STJ — Súmula 655), seguramente sob a eiva da inconstitucionalidade, exigirá, afinal, em 2023 o definitivo posicionamento do Supremo Tribunal Federal. Neste sentido, o tema, objeto de recurso extraordinário, teve repercussão geral reconhecida. afetado nos autos do Agravo no Recurso Extraordinário 1.309.642/SP, com a relatoria do ministro Luís Roberto Barroso (Tema 1.236).

 

Processo Civil. Na questão processual, desponta diversas necessidades, “de lege ferenda“, para eficiência de uma melhor jurisdição. Bastante situar:

 

(a) o tempo dos processos de família deve ser aplicado, sob o filtro de relevância da dramaticidade dos problemas que neles subjazem, devendo o juiz enquanto gestor do litígio ser o verdadeiro curador da família em desajuste, na adoção de medidas de controle, de pacificação e de tutelas imediatas. Cada litígio pendente serve, aliás, de periclitação de direitos, sobretudo em prejuízo patrimonial da parte mais vulnerável.

 

(b) A inexistência de regra explicita para a concessão liminar do divórcio, deve ser superada a permitir em razão de direito potestativo a decretação liminar. Com precisão, todavia, deve o CPC melhor cuidar da hipótese, afinal tendo-se em conta de se constituir pedido incontroverso, ante a potestatividade da pretensão deduzida em juízo.

 

(c) Urge a revogação do artigo 734 do CPC, que exige para a alteração do regime de bens requerimento motivado por ambos os cônjuges, expostas as razões que justifiquem a alteração, ressalvados os direitos de terceiros. Em bom rigor, repete o artigo 1.639, § 2º do Código Civil. Ambos os dispositivos devem ser revogados em prestigio da plena autonomia da vontade dos cônjuges, a ser manifestada perante o próprio registro civil, sem prejuízo de futuras discussões judiciais de eventuais vícios do consentimento de um deles.

 

(d) a prova pessoal no “delicado tema da psicologia do depoimento” deve ter sua produção e valoração com o destaque da era tecnológica, a dispensar precatórias, sobretudo prestigiando as narrativas em meios telepresenciais, com a sua colheita remota. Para além disso, a atuação da parte autora no litígio de decisivo interesse deve alcançar o seu depoimento pessoal, a requerimento próprio e não apenas da parte contrária, ampliando-se a regra do artigo 385 do CPC. De lege ferenda, propõe-se parágrafo único ao citado dispositivo:

 

“Art. 385, § único. É facultada à parte autora a prova pessoal do seu depoimento, devido à incidência narrativa dos fatos articulados no pedido“.

 

Divórcio potestativo. A inclusão de nova modalidade de divórcio extrajudicial, sob a denominação de “divórcio impositivo” ou “divórcio unilateral“, a ser efetivado em cartório de registro civil pela declaração de vontade de um dos cônjuges em se divorciar, tem a sua tramitação no Senado através do Projeto de Lei nº 3.457/2019 (10) já aprovado na Comissão de Constituição e Justiça, em 10/3/2020 Acrescenta ao Código de Processo Civil o artigo 733-A, permitindo que um dos cônjuges requeira a averbação do divórcio no cartório de registro civil ainda que o outro cônjuge não concorde, diante do manifesto direito potestativo daquele, invencível e inevitável.

 

Inspirou-se em Provimento nº 06/2019, de 29 de abril, da Corregedoria Geral da Justiça de Pernambuco, de nossa autoria (11), que autorizava a dissolução do vínculo conjugal, de forma unilateral, em averbação à margem do assento de casamento, por declaração do cônjuge interessado na dissolução do vínculo.

 

Ampla doutrina a respeito do novo instituto, subscrita por respeitáveis juristas, sustenta que tal divórcio confere ao interessado um importante papel no pleno exercício de sua liberdade e autodeterminação ao protegê-lo para de forma ágil e eficaz dissolver o casamento onde nele não mais deseja permanecer. Em suma, não deve ser privado, à conta de interesses outros, do seu legitimo direito de se divorciar, sem estorvos ou embaraços. Em efetiva liberdade de escolher os ditames de sua própria vida e que somente a ele(a) pertence.

 

Bem de ver: O casamento não deve servir de óbice à plenitude de vida da parte (TJ-PR, 12ª. CC, Ap. 0041414-50.2020-8.16. relatora Rosana Girardi Fachin, j. em 24/9/2020).

 

De efeito, expressa a melhor doutrina:

 

“reconhecer a validade do ingresso do divórcio impositivo no ordenamento jurídico brasileiro é uma forma de tutelar, em essência, o direito à liberdade afetiva e a autodeterminação de cada indivíduo, tutelando, assim, seus direitos da personalidade, inclusive no que se refere aos aspectos psíquicos da pessoa, haja vista que processos demasiadamente longos e burocráticos. Especialmente quando se versa sobre divórcios litigiosos em que o cônjuge não requerente discorda com a decisão de rompimento do vínculo matrimonial do cônjuge requerente, normalmente produz-se efeitos trágicos no psicológico do cônjuge que só pretende colocar fim a um casamento que não mais deseja manter” (12).

 

Conclusões. A maior segurança jurídica para as famílias em seus direitos fundamentais e um melhor direito das famílias devem partir da família ressignificada em uma cláusula geral de proteção da dignidade dos que a constituem, individual e institucionalmente. Fora dela, as famílias padecerão de infelicidades forçadas e não vencidas, arrostadas por desconstruções dialéticas.

 

O XIV Congresso Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões, do Ibdfam, que acontece de 25 a 27 de outubro de 2023, em BH, sobre o tema “Efetividade dos direitos fundamentais” servirá de aviso e de resposta aos novos desafios.

 

2023 começa com um novo caminho de esperança aberto para todas as famílias, que resultarão mais visíveis e protegidas. Prontas ao seu melhor futuro.

 

Fonte: Conjur

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