Semana passada foi dado um passo gigante em prol da moralidade pública pelo TCU (Tribunal de Contas da União). Trata-se do acórdão 3.502/23, relatado pelo Ministro Benjamin Zymler, no âmbito da 1ª Câmara daquela Corte, que considerou irregular o recebimento de pensão na condição de filha solteira maior de 21 anos, quando a pensionista houver constituído união estável, o que pode ser comprovado pela existência de filhos e residência em comum com o companheiro, hipótese em que ocorre a extinção da pensão.

 

Pela leitura da Ata de Julgamento, constata-se que a pensionista mantinha união estável com um companheiro, com o qual teve filhos, porém não comunicou à repartição competente que havia perdido o requisito de ser filha solteira, o que amparava seu direito à pensão, na forma do parágrafo único do artigo 5º, da vetusta Lei 3.373/58. Esse silêncio a fez permanecer recebendo a pensão indevidamente, em detrimento do Tesouro Nacional.

 

Consta da Ata que o mais recente valor recebido pela irregular pensionista foi de R$ 5.316,36 em julho de 2020, em valor histórico. O montante acumulado e atualizado desde abril de 2016 até março de 2023 importa em cerca de R$ 270.000,00.

 

Em sua defesa a pensionista alegou que nunca manteve vínculos de união estável com quem quer que seja, e sim relacionamentos de natureza casual, que lhe renderam três filhos. Tais relacionamentos casuais não configuram convivência pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituição de família.

 

Ocorre que a sindicância realizada constatou endereço comum entre os companheiros, declarado em múltiplos documentos, bem como linha telefônica registrada em nome do companheiro, no mesmo endereço, desde 2001. Além disso, constam filhos comuns ao casal. Esses fatos ocasionaram a perda de seu direito de usufruir da pensão, mesmo que a relação conjugal não tenha perdurado.

 

Pela leitura do texto, constata-se que foi realizada sindicância para oportunizar as garantias processuais da ampla defesa e do contraditório, e cada argumento apresentado foi rebatido com provas lícitas e públicas, obtidas regularmente.

 

Em síntese, o TCU decidiu, à unanimidade da 1ª Câmara, que a pensão recebida estava irregular, e o montante recebido deve ser devolvido.

 

Penso que o Tribunal acertou no caso. Trata-se de uma válvula de escape muito utilizada pelas pessoas que se recebem esse tipo de pensão, que é temporária, atribuída por uma Lei de 1958 às filhas solteiras, como uma forma de sua proteção. O problema é que esta norma vem sendo interpretada de modo formal, em busca de uma certidão de casamento, o que deve ser extremamente raro de ocorrer. Suponho que seja mais comum a constituição de alguma espécie de família sem papel passado em cartório, como no caso de uniões estáveis – hipótese dos autos. É necessário reduzir o formalismo jurídico nestes casos, em busca de maior justiça, pois o escopo da norma tem sido desvirtuado ao longo do tempo.

 

Embora tenha lido apenas a Ata do Julgamento, fiquei com uma dúvida. Se já existiam indícios de convivência desde 2001, o que se constata pela menção à linha telefônica instalada no endereço comum, porque os valores só estão sendo cobrados desde abril de 2016? Nem estou considerando a idade dos filhos, o que não foi mencionado na Ata. A resposta consta da Ata, no sentido de que foi aplicado o prazo prescricional de cinco anos, tendo sido considerado como data inicial aquela em que cessaram os pagamentos, isto é, julho de 2020. Matematicamente está correto, mas tenho dúvidas de sua aplicação jurídica, pois, no caso, o réu está se beneficiando de sua própria torpeza, para usar um provérbio jurídico que cabe perfeitamente na análise, sem adentrar nos pormenores da aplicação da norma ao caso concreto.

 

Por outro lado, vale uma dica ao Tribunal em prol do Tesouro Nacional: pesquisem as redes sociais de todas as filhas solteiras que são beneficiárias dessa espécie de pensão temporária. Estou seguro de que serão encontrados muitos indícios de irregularidades a serem investigados nessa solteirice.

 

Fonte: Conjur

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