Minha última coluna abordou uma modalidade de usucapião ainda pouco conhecida por aqueles que não estão inseridos no universo jurídico: a usucapião familiar. Naquela coluna abordei os requisitos (o abandono do lar por parte de um dos cônjuges ou companheiros + a parte que está requerendo a usucapião deve exercer, por dois anos ininterruptos e sem oposição, a posse direta e exclusiva do imóvel + o cônjuge ou companheiro que permaneceu no imóvel e que está requerendo a usucapião não pode ser proprietário de outro imóvel + o imóvel em questão deve ter até 250 m²) e a finalidade (a proteção da família e do direito de moradia do cônjuge ou companheiro que permaneceu no imóvel após o outro ter abandonado o lar). Agora, nesta coluna, quero me dedicar a desfazer um mal-entendido e rebater uma crítica que pode ser direcionada contra a usucapião familiar.

 

Primeiro, o mal-entendido. Muitos podem, em um primeiro contato com a usucapião familiar, achar que essa modalidade visa a proteger a mulher que foi abandonada. Essa percepção se baseia na premissa de que o homem abandona mais o lar do que a mulher. Não tenho dados para confirmar essa percepção (acredito que ninguém os tenha), e é claro que existem casos que demonstram o contrário, mas a minha experiência profissional me permite afirmar a veracidade dessa percepção. Marco Aurélio Bezerra de Melo, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, compartilha da mesma impressão. Em texto publicado, escreveu que “é a mulher que resiste com maior estoicismo às dificuldades da vida, não abandonando a sua prole”.

 

Mas, independentemente da veracidade dessa premissa, afirmar que a usucapião familiar é um instituto jurídico cujo objetivo é proteger a mulher é um mal-entendido que deve ser rechaçado. A usucapião familiar é um direito que pode ser pleiteado por aquele que permaneceu no imóvel, independente do gênero. Tanto é que o art. 1.240-A utiliza uma linguagem de gênero neutro. E ainda temos o fato de que o casamento ou a união estável em questão pode ser entre pessoas do mesmo sexo. Nesse sentido o enunciado 500 da V Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal/STJ, que dispõe: “a modalidade de usucapião prevista no art. 1.240-A do Código Civil pressupõe a propriedade comum do casal e compreende todas as formas de família ou entidades familiares, inclusive homoafetivas”.

 

Segundo, a crítica. O curto espaço de tempo para a possibilidade de exigir tal usucapião (2 anos) pode ser vista como uma tentativa do legislador em evitar dissoluções de casamentos ou uniões estáveis. Daí a crítica, pois ninguém pode ser obrigado a permanecer em uma relação. De fato, ninguém pode ser obrigado a isso. Mas essa crítica carece de fundamento, pois o que o legislador quer evitar não é a proibição de tais dissoluções, mas sim o desamparo de famílias que se veem abandonadas e sem qualquer auxílio do dia para a noite. É por isso que o requisito do “abandono do lar” deve ser entendido com sendo o abandono voluntário e injustificado da posse do imóvel somado à ausência da tutela da família.

 

Em conclusão: a usucapião familiar não visa a proteger exclusivamente a mulher ou evitar dissoluções de casamentos ou uniões estáveis. Ela visa a proteger as famílias!

 

Fonte: Tribuna de Minas

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