A sucessão extrajudicial é uma ferramenta que permite aos herdeiros processar o inventário e a partilha de bens por meio de escritura pública, sem necessidade de ingressar com uma ação judicial. Esse recurso, introduzido pela Lei nº 11.441 de 2007, oferece uma alternativa mais ágil e menos onerosa para transferir bens entre herdeiros, exigindo que todos sejam capazes, concordem com a partilha, e estejam assistidos por um advogado.

Segundo o titular do Cartório do 2º Ofício de Notas, Registro Civil, Títulos e Documentos, Protesto de Títulos e Pessoas Jurídicas do DF e presidente do Colégio Notarial do Brasil – Seção DF, Geraldo Felipe de Souto Silva, a união estável tem conquistado cada vez mais reconhecimento como entidade familiar legítima e protegida pela Constituição Federal, e as mudanças no direito civil têm seguido essa evolução. “A união estável é uma instituição jurídica sólida, reconhecida pelo ordenamento jurídico brasileiro como uma forma de constituição familiar. No entanto, a informalidade natural da união estável acaba gerando entraves em processos de sucessão extrajudicial quando não há documentação formal que comprove essa relação,” comenta o tabelião.

A sucessão extrajudicial entre conviventes, explica Souto Silva, é possível, mas a regulamentação estabelecia até pouco tempo que, quando o convivente fosse o único herdeiro, é seria necessária uma ação judicial se não houver reconhecimento consensual da união estável entre todos os herdeiros. “A legislação ainda impõe uma diferenciação entre o casamento, que exige formalidades como habilitação e registro, e a união estável, que pode ser constituída informalmente. Esse caráter menos formal da união estável traz a exigência de que outros herdeiros reconheçam a existência da união ou que o relacionamento seja formalizado previamente por escritura pública ou decisão judicial,” afirma.

O art. 610 do Código de Processo Civil permite o processamento extrajudicial de inventários quando todos os herdeiros são capazes e concordam com a divisão dos bens, e também não há testamento a ser cumprido. No entanto, a Resolução nº 35 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) impunha a necessidade de consenso por parte dos demais interessados sobre a união estável para que a partilha fosse feita no cartório, sem judicialização. “O objetivo dessa regulamentação é evitar disputas que poderiam surgir em situações onde a união estável não é consensual entre os herdeiros,” observa Souto Silva.

Ele ressalta que a legislação visava proteger direitos e assegurar que a partilha ocorra de forma pacífica, mas pondera que isso gerava atrasos e custos adicionais para conviventes que construíram patrimônio em conjunto e que não possuíam descendentes ou ascendentes diretos do falecido. “É uma questão de segurança jurídica, mas que às vezes pode onerar o convivente remanescente em situações onde a união estável era clara e estável,” acrescenta.

O presidente do Colégio Notarial do Brasil – Seção DF destacou ainda que “a recente atualização da Resolução 35 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) trouxe mudanças significativas nos procedimentos de inventário e partilha para conviventes em união estável, agora reconhecendo oficialmente o convivente sobrevivente como legítimo interessado no processamento dos inventários extrajudiciais mesmo que não haja outros herdeiros”. Segundo ele, “com essas alterações (v. art. 18), o convivente herdeiro pode participar da partilha de bens de forma mais ágil, desde que a união estável esteja previamente documentada, seja por escritura pública, sentença judicial ou termo de reconhecimento, o que facilita o processo extrajudicial de inventário para herdeiros que desejem evitar o trâmite judicial. Ademais, se exige o registro dos títulos formais nos termos dos arts. 537 e 538 do Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça. Em relação às uniões estáveis informais, ou seja, não documentadas, a decisão judicial de seu reconhecimento ainda se faz necessária para que os direitos sucessórios do convivente único herdeiro possam ser reconhecidos”.

Para conviventes que desejam evitar essas complicações, Souto Silva recomenda a formalização da união estável através de escritura pública, um procedimento simples realizado nos tabelionatos de notas. A escritura de união estável serve como documento oficial que atesta a relação, e possui eficácia plena para todos os efeitos legais. “A escritura pública confere segurança jurídica à união estável e facilita o processo de sucessão extrajudicial, dispensando a necessidade de anuência dos colaterais e permitindo que o inventário seja processado no cartório, desde que respeitados os demais requisitos,” destaca o tabelião.

A construção jurídica se deu em razão de o STF, em decisão de 2017, haver eliminado a distinção entre o regime sucessório do casamento e da união estável, garantindo ao convivente sobrevivente direitos semelhantes aos de um cônjuge. “A decisão do STF foi um avanço importante, pois firmou o entendimento de que não pode haver hierarquia entre as entidades familiares. Assim, o regime sucessório do casamento também se aplica à união estável, e isso deve refletir no inventário extrajudicial,” explica Souto Silva.

Ele também lembra que, mesmo antes da alteração da Resolução 35 do CNJ, tabelionatos em diferentes estados possuíam regulamentações específicas que facilitavam o inventário extrajudicial em casos de união estável, como no Rio de Janeiro e em Santa Catarina, onde é já era possível realizar inventários extrajudiciais em uniões estáveis formalizadas por contrato particular com reconhecimento de firma. No entanto, ele reforça que em razão da nova disciplina normativa o ideal é que o casal formalize a união através de escritura pública para garantir uma transição tranquila de bens.

No cenário ideal, uma união estável formalizada é um documento de fácil registro e reconhecimento, que não requer anuência de outros herdeiros para o inventário. Contudo, em uniões estáveis informais, o convivente pode enfrentar desafios, pois a comprovação da união dependerá de provas documentais e do reconhecimento dos herdeiros colaterais, como irmãos ou sobrinhos, para que o processo seja realizado no cartório.

Souto Silva considera essa diferenciação necessária em alguns casos para garantir que direitos de todos os herdeiros sejam respeitados e acredita que a atualização da legislação por ser mais clara evitará conflitos. “Enquanto não houver uma regulamentação nacional mais homogênea para o inventário extrajudicial entre conviventes, essa formalização ainda será o melhor caminho para garantir segurança e evitar disputas futuras. O ideal seria que o CNJ aprimorasse as normas sobre o reconhecimento da união estável no inventário extrajudicial, dando mais segurança aos conviventes,” comenta.

Com o aumento de uniões estáveis no Brasil, os tabelionatos têm desempenhado um papel crucial em fornecer essa segurança jurídica para casais que optam por essa forma de relacionamento. Souto Silva explica que a presença dos tabelionatos em todo o país torna o processo de formalização acessível e rápido. “Os cartórios de notas estão à disposição para formalizar uniões estáveis, e isso é algo que traz benefícios para o casal em vida e após o falecimento de um dos conviventes,” explica o tabelião.

A atividade notarial, por meio da emissão de escrituras e outros documentos públicos, não só contribui para a segurança jurídica, mas também para a garantia de direitos sucessórios de maneira simplificada e ágil. “Assim como no casamento, a formalização da união estável traz clareza e evita questionamentos em momentos delicados, como a perda de um ente querido. É um investimento preventivo que evita futuras burocracias e, mais importante, preserva o patrimônio e os direitos do companheiro sobrevivente,” conclui.

Fonte: Anoreg

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