Apelação Cível nº 1000136-80.2024.8.26.0311
Espécie: APELAÇÃO
Número: 1000136-80.2024.8.26.0311
Comarca: JUNQUEIRÓPOLIS
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação Cível nº 1000136-80.2024.8.26.0311
Registro: 2024.0001125668
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000136-80.2024.8.26.0311, da Comarca de Junqueirópolis, em que é apelante ELEN PATRÍCIA SILVÉRIO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE JUNQUEIRÓPOLIS.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v. u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 13 de novembro de 2024.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1000136-80.2024.8.26.0311
APELANTE: Elen Patrícia Silvério
APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Junqueirópolis
VOTO Nº 43.634
Registro de imóveis – Dúvida – Óbito do titular do domínio – Companheira que se qualifica na escritura pública de inventário e adjudicação como única herdeira – Necessidade de observância dos itens 113 e 114 do Cap. XVI do Tomo II das NSCGJ ou de averbação de sentença de reconhecimento judicial da união estável (artigo 18 da Resolução nº 35/2007 do CNJ) – Apelação desprovida.
Trata-se de apelação interposta por ELEN PATRICIA SILVERIO contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Junqueirópolis/SP, que julgou procedente a dúvida e manteve o óbice ao registro da Escritura Pública de Inventário e Adjudicação referente aos bens deixados por sucessão causa mortis de Celso Pereira de Andrade, em que Francisca Henrique de Jesus figurou como herdeira, identificada como companheira do falecido, sendo a mãe da recorrente (fls. 59/63).
A recusa refere-se ao registro da citada escritura na matrícula de imóvel rural, sob nº 7.781, de propriedade do de cujus.
Em suas razões de recurso, alega, em suma, que faz jus ao registro da referida escritura porque: (i) o registro do instrumento particular de união estável celebrado entre a herdeira e o de cujus é facultativo, como disse o próprio Oficial; (ii) que não há que se falar em produção de efeitos perante terceiros, eis que a ex-companheira é a única herdeira do falecido; (iii) que a exigência de anuência de colateral descrito no inciso IV do artigo 1.829 do Código Civil viola o princípio da disponibilidade; (iv) que o instrumento particular de reconhecimento de união estável é título hábil e legal e prescinde de registro, assim como do reconhecimento judicial, tendo em vista que as firmas nele apostas foram objeto de reconhecimento e, por fim, (v) que as normas contidas na Resolução nº 35/2007 do CNJ (que disciplinou a Lei nº 11.441/07) não estão atualizadas à luz do entendimento dos Tribunais Superiores nem da doutrina de equiparação entre cônjuge e companheiro.
A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recuso (fls. 89/91).
É o relatório.
O registro da Escritura Pública de Inventário e Adjudicação lavrada perante o Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos de Panorama/SP (fls.15/21) foi negado pelo Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Junqueirópolis/SP, que expediu a nota de devolução nº 5565 (fls. 13/14), contendo as seguintes exigências:
“Não se faz possível, por ora, o registro do título apresentado.
Foi apresentada Escritura Pública de Inventário e Adjudicação em virtude do falecimento de CELSO PEREIRA DE ANDRADE, na qual comparece a Sra. FRANCISCA HENRIQUE DE JESUS na qualidade de companheira herdeira e adjudicante do imóvel objeto da matrícula nº 7.781, desta serventia.
O título não está apto a registro. A Escritura Pública foi lavrada com lastro em declaração e apresentação de contrato particular de União Estável, datado de 05/04/2021, onde consta que ambos conviviam desde 29/03/2021, sob o regime da SEPARAÇÃO TOTAL DE BENS.
As normas de serviço extrajudicial não permitem a lavratura de inventário unicamente pela companheira, conforme se verifica nos itens 113 e 114, do Cap. XVI, das NSCGJSP:
113. O companheiro que tenha direito à sucessão é parte, observada a necessidade de ação judicial se o autor da herança não deixar outro sucessor ou não houver consenso de todos os herdeiros, inclusive quanto ao reconhecimento da união estável.
114. A meação de companheiro pode ser reconhecida na escritura pública, desde que todos os herdeiros e interessados na herança absolutamente capazes, estejam de acordo.
Tendo em vista que o autor da herança não possui herdeiros descendentes nem ascendentes conforme constou na Escritura (Item 1.6 Dos Herdeiros), faz-se necessário que o inventário seja judicial, que é a instância adequada a comprovar a existência da situação de fato; ou a prévia averbação da sentença judicial de reconhecimento de união estável entre a companheira e o de cujus para que, posteriormente, seja realizado o registro do inventário extrajudicial.
Ademais, a averbação da União Estável na matrícula do imóvel requer, ainda:
a) a apresentação da certidão do registro da União Estável no “Livro E” do RCPN da cidade de residência dos conviventes, nos termos do item 537, par. 1 do Provimento CNJ 149/23;
b) a apresentação da certidão do registro do instrumento que regula o regime de bens na União Estável no Livro Auxiliar do Registro de Imóveis da Comarca de residência dos conviventes, conforme determina o item 83 do Cap. XX das Normas de Serviço Extrajudiciais do TJSP.”
Inconformada, a apelante recorre da sentença, insistindo nas razões suscitadas quando da elaboração de seu requerimento de suscitação de dúvida.
Mas nenhum reparo merece a r. sentença recorrida.
Inicialmente, a legitimidade da recorrente demandaria esclarecimento, considerando que é filha da herdeira descrita na escritura, e não há informação a respeito de estar, referida herdeira, viva ou não.
De todo modo, a dúvida, no mérito, é improcedente.
O título apresentado a registro é a Escritura Pública de Inventário e Adjudicação dos bens deixados em sucessão causa mortis de Celso Pereira de Andrade, lavrada pelo Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos de Panorama (fls. 15/21), em que Francisca Henrique de Jesus figura como única herdeira, na qualidade de companheira do falecido.
Apresentado o título a registro ao Cartório de Imóveis da Comarca de Junqueirópolis, a Nota Devolutiva (fls. 13/14) especificou as razões da recusa que, em primeiro lugar, se traduzem na imposição de ação judicial para o inventário e partilha em casos de união estável em que o companheiro sobrevivente seja o único herdeiro ou, tendo direito à sucessão, não houver consenso dos demais herdeiros, inclusive quanto ao reconhecimento da união estável, nos termos do previsto no item 113 do Cap. XVI do Tomo II das NSCGJ.
Confira-se:
“113. O companheiro que tenha direito à sucessão é parte, observada a necessidade de ação judicial se o autor da herança não deixar outro sucessor ou não houver consenso de todos os herdeiros, inclusive quanto ao reconhecimento da união estável.”
E a situação dos autos é exatamente a descrita no item transcrito porque a Sra. Francisca Henrique de Jesus, mãe da apelante, declarou ter convivido em união estável com Celso Pereira de Andrade, e apresentou instrumento particular de união estável datado de 05/04/2021 ao Tabelião por ocasião da lavratura da escritura, que, todavia, não veio aos autos.
O falecido não deixou descendentes nem ascendentes, como aduziu o Oficial na Nota Devolutiva, e a companheira sobrevivente se qualificou como sua única herdeira e sucessora.
Configurada, portanto, a hipótese descrita no item em pauta – já que a companheira sobrevivente declara ser a única herdeira – a exigência para a realização de inventário judicial está correta e, portanto, a recusa de ingresso da escritura pública de inventário e adjudicação se mantém.
Em segundo lugar, o Oficial informou que o registro do inventário extrajudicial seria cabível se houvesse prévia averbação de sentença judicial de reconhecimento de união estável entre os então companheiros, o que igualmente tem pertinência.
Houvesse o reconhecimento da união estável por sentença judicial, a escritura pública de inventário extrajudicial poderia ingressar no fólio real.
Nesse sentido, é o previsto no artigo 18 da Resolução nº 35/2007 do CNJ, considerada a recente revisão efetuada pela Resolução nº 571 de 26/08/2024.
“Art. 18. No inventário extrajudicial, o convivente sobrevivente é herdeiro quando reconhecida a união estável pelos demais sucessores, ou quando for o único sucessor e a união estável estiver previamente reconhecida por sentença judicial, escritura pública ou termo declaratório, desde que devidamente registrados, nos termos dos arts. 537 e 538 do CNN/CN/CNJ-Extra (Provimento CNJ nº 149/2023).” (g.n.)
Muito embora a facultatividade do registro da união estável no Registro Civil de Pessoas Naturais, somente a partir de sua efetivação é que se confere efeitos jurídicos perante terceiros, como, aliás, expressamente consta do artigo 537, §1º, do Provimento 149 do CNJ:
“Art. 537. É facultativo o registro da união estável prevista no art. 1.723 a 1.727 do Código Civil, mantida entre o homem e a mulher, ou entre duas pessoas do mesmo sexo.
§1º. O registro de que trata o caput confere efeitos jurídicos à união estável perante terceiros.
(…)”
Não se ignora a equiparação do companheiro ao cônjuge sobrevivente que, a partir do Código Civil em vigor, passou à condição de herdeiro necessário, em concorrência com eventuais descendentes e ascendentes. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, firmando a seguinte tese a respeito do Tema 809 de Repercussão Geral:
“No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”.
A união estável, como fato da vida, se constitui e se dissolve sem que se exija procedimento específico ou formalidade, mas certos atos ou negócios jurídicos só produzem efeitos que deles se esperam se observadas formas específicas. É o que se passa com os atos e negócios jurídicos envolvendo a constituição de direitos reais sobre imóveis, em que se exige o registro para conferir a publicidade e, assim, deflagrar seu efeito “erga omnes”.
Na espécie, como há pretensão à adjudicação de imóvel à companheira sobrevivente, tornando público o direito de propriedade por ela adquirido em razão da sucessão hereditária, e, assim, conferindo oponibilidade a terceiros, é inadmissível mera declaração da existência da união por ocasião da lavratura da escritura pública de inventário, como se deu.
Recentemente, esse Conselho Superior da Magistratura assim se pronunciou em caso semelhante, valendo destacar o seguinte trecho do Acórdão:
“O que se pretende, in casu, é por meio do registro de escritura de inventário e adjudicação tornar público o direito de propriedade que foi adquirido pelo companheiro por meio de sucessão hereditária e, então, conferir ao referido direito oponibilidade contra terceiros.
Ora, é sabido que a escritura de inventário e adjudicação não permite o reconhecimento da união estável por declaração unilateral do sobrevivente, nos termos do art. 18 da Resolução nº 35 do CNJ e do item 112 do Capítulo XIV, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, vigente à época:
“112. O companheiro que tenha direito à sucessão é parte, observada a necessidade de ação judicial se o autor da herança não deixar outro sucessor ou não houver consenso de todos os herdeiros, inclusive quanto ao reconhecimento da união estável.”
Logo, imprescindível a participação dos outros possíveis herdeiros para o reconhecimento da união estável em escritura de inventário, o que justifica o óbice apresentado pela registradora.
E nem mesmo a escritura de renúncia de direitos hereditários lavrada pela irmã da falecida basta para afastar o direito de eventuais outros herdeiros, certo que a colateral fez renúncia pura e simples, ou seja, abdicativa, o que deixa a critério da lei a destinação do direito do renunciado.
Considerando, pois, que a renunciante possui descendentes, a participação destes no ato lavrado é de rigor.
Daí porque, sem a anuência dos demais interessados na herança, isto é, de todos possíveis herdeiros da falecida, não há como se afastar o óbice ao registro da escritura de inventário e adjudicação qualificada negativamente pela registradora. (…)” (TJSP; Apelação Cível 1006929-86.2019.8.26.0577; Relator (a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de São José dos Campos – 8ª Vara Cível; Data do Julgamento: 13/08/2020; Data de Registro: 26/08/2020)
Desta forma, de rigor a manutenção da r. sentença proferida.
Ante o exposto, pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO à apelação.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 26.11.2024 – SP)
Fonte: DJE
Deixe um comentário