Apelação n° 1010180-39.2024.8.26.0577
Espécie: APELAÇÃO
Número: 1010180-39.2024.8.26.0577
Comarca: SÃO JOSÉ DOS CAMPOS
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação n° 1010180-39.2024.8.26.0577
Registro: 2025.0000059097
ACÓRDÃO -– Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1010180-39.2024.8.26.0577, da Comarca de São José dos Campos, em que é apelante VALDIR CHICHINELLI JUNIOR, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do título, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 23 de janeiro de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1010180-39.2024.8.26.0577
APELANTE: Valdir Chichinelli Junior
APELADO: 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São José dos Campos
VOTO Nº 43.669
Direito registral – Dúvida – Apelação – Registro de imóveis – Escritura pública de inventário e partilha – Quinhões supostamente desiguais – Base de cálculo do ITCMD – Afastamento do óbice.
I. Caso em Exame
Apelação interposta contra sentença que manteve recusa ao registro de escritura pública de inventário e partilha de imóvel sob o fundamento de excesso de herança, a caracterizar doação, pelo que se exigiu declaração e recolhimento complementar de tributo.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste em determinar se a exigência de recolhimento complementar de tributo pelo Oficial de Registro é válida, considerando a partilha de bens aos quais se atribuíram valores superiores aos venais.
III. Razões de Decidir
3. A fiscalização do recolhimento de tributos pelo Oficial de Registro limita-se à verificação da existência do recolhimento, não abrangendo a exatidão do valor, salvo em casos de flagrante irregularidade.
4. A base de cálculo do ITCMD deve considerar o valor de mercado, desde que não inferior ao valor venal, conforme legislação vigente. Nada impede as partes de atribuírem valores distintos dos valores venais para fins de partilha, em homenagem ao princípio da autonomia privada. A desigualdade de quinhões deve ser examinada à luz dos valores atribuídos pelas partes no negócio de partilha e não nos valores fiscais para fins de lançamento de tributos.
IV. Dispositivo e Tese
5. Recurso provido para se determinar o registro do título.
Tese de julgamento: “1. A fiscalização do Oficial de Registro limita-se à verificação da existência do recolhimento do tributo. 2. A base de cálculo do ITCMD deve considerar o valor de mercado, desde que não inferior ao valor venal, conforme legislação vigente”.
Legislação e Jurisprudência citadas:
Lei n. 6.015/73, art. 289; CTN, art. 134, VI; Lei n. 8.935/1994, art. 30, XI; Lei n. 10.705/00, arts. 9º, 11, 13; Portaria CAT n. 89/2020, art. 12, III. CSMSP, Apelação Cível 20522-0/9, Rel. Antônio Carlos Alves Braga, j. 19.04.1995; CSMSP, Apelação Cível 996-6/6, Rel. Ruy Camilo, j. 09.12.2008; CSMSP, Apelação Cível 0009480-97.2013.8.26.0114, Rel. Elliot Akel, j. 02.09.2014.
Trata-se de apelação interposta por Valdir Chichineli Junior contra a r. sentença de fls. 111/113, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de São José dos Campos, que manteve recusa ao registro de escritura pública de inventário e partilha tendo por objeto o imóvel matriculado sob o número 231.811 perante aquela serventia (prenotação n. 759.551 – fl. 09).
Tendo em vista que, quando considerados os valores venais dos bens relacionados, há excesso de herança em favor de um dos herdeiros, o que caracteriza doação, o Oficial exigiu declaração e recolhimento complementar de tributo (fls. 01/08; nota devolutiva de fls. 47/50).
A parte recorrente sustenta que não houve partilha desigual, tanto que o título teve ingresso perante o Registro de Imóveis de Piracicaba; que a partilha considerou o valor de mercado dos bens, o qual é superior ao valor venal, com recolhimento do imposto de transmissão após cálculo na forma determinada pela lei; que a partilha, a declaração e o recolhimento do imposto de transmissão seguem os parâmetros fixados pelo fisco, de modo que não se pode falar em ganho de capital, recolhimento a menor do imposto de transmissão, reflexos tributários no âmbito da Receita Federal decorrentes da Lei n. 8.981/95 ou crime de sonegação fiscal; que a exigência parte de transação que inexiste, impõe gasto excessivo e desnecessário ao registro e extrapola o âmbito de competência do Registrador (fls. 120/137).
A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 150/153).
É o relatório.
No mérito, a apelação comporta provimento. Vejamos os motivos.
Sabe-se que vigora, para os Registradores, ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (art. 289 da Lei n. 6.015/73; art. 134, VI, do CTN e art. 30, XI, da Lei n. 8.935/1994).
Por outro lado, o C. Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a fiscalização devida não vai além da aferição sobre a existência ou não do recolhimento do tributo (e não se houve correto recolhimento do valor, sendo tal atribuição exclusiva do ente fiscal, a não ser na hipótese de flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo):
“Ao oficial de registro incumbe a verificação de recolhimento de tributos relativos aos atos praticados, não a sua exatidão” (Apelação Cível 20522-0/9- CSMSP – J.19.04.1995 – Rel. Antônio Carlos Alves Braga).
“Todavia, este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor” (Apelação Cível 996-6/6 CSMSP, j. 09.12.2008 – Rel. Ruy Camilo).
“Este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor” (Apelação Cível 0009480- 97.2013.8.26.0114 Campinas – j. 02.09.2014 – Rel. des. Elliot Akel).
Não há determinação, na lei competente, para recolhimento do imposto de transmissão com base no valor venal. Na verdade, a expressão valor venal – de venda – equivale, na prática, ao valor fiscal lançado pela prefeitura para fins de incidência de IPTU.
De fato, a Lei n. 10.705/00, acompanhando o artigo 38 do Código Tributário Nacional, dispõe que a base de cálculo do ITCMD é o valor venal do bem indicado pelo valor de mercado, desde que não inferior àquele fixado para lançamento do IPTU:
“Artigo 9º – A base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido, expresso em moeda nacional ou em UFESPs (Unidades Fiscais do Estado de São Paulo).
§ 1º – Para os fins de que trata esta lei, considera-se valor venal o valor de mercado do bem ou direito na data da abertura da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação. (…)
Artigo 11 – Não concordando a Fazenda com valor declarado ou atribuído a bem ou direito do espólio, instaurar- se-á o respectivo procedimento administrativo de arbitramento da base de cálculo, para fins de lançamento e notificação do contribuinte, que poderá impugná-lo. (…)
Artigo 13 – No caso de imóvel, o valor da base de cálculo não será inferior:
I – em se tratando de imóvel urbano ou direito a ele relativo, ao fixado para o lançamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana IPTU”.
O artigo 12, inciso III, da Portaria CAT n. 89, de 26 de outubro de 2020, por sua vez, determina que, quando do registro de alterações na propriedade de imóvel, ocorridas em virtude de transmissão causa mortis realizada por meio de inventário extrajudicial, os Cartórios de Registro de Imóveis deverão exigir cópia da Declaração de ITCMD em que constem os imóveis objetos da transmissão, avaliados conforme o capítulo IV da Lei n. 10.705/2000.
É neste contexto normativo que se aplica o dever de fiscalização imposto aos Registradores, pois a correta declaração é providência essencial para que a Fazenda tenha conhecimento da transmissão e dos valores envolvidos para apurar corretamente a incidência do imposto e exercitar sua pretensão tributária.
No caso concreto, não há controvérsia de que os valores dos bens partilhados foram atribuídos em patamar superior ao valor venal e, também, aos valores lançados pelo falecido em seu imposto de renda, com a devida comunicação ao fisco e recolhimento do imposto de transmissão.
De fato, nos moldes da nota devolutiva de fls. 47/50, a escritura pública de inventário e partilha foi desqualificada em virtude da configuração de quinhões desiguais, mas isto apenas quando se consideram os valores venais dos bens relacionados.
Quando tal consideração é feita com base nos valores atribuídos no título, superiores aos venais, a partilha é equânime e não se constata irregularidade na declaração ou no recolhimento do imposto de transmissão (fls. 01/08 e 47/50).
Vê-se, portanto, que não há qualquer óbice à regularização da propriedade do imóvel pelo ingresso da escritura.
É preciso entender o seguinte: os valores venais lançados pela prefeitura para fins de recolhimento mínimo de IPTU nem sempre coincidem com os valores reais de mercado.
Nada impede que as partes, no negócio jurídico de partilha e em pleno exercício da autonomia privada, atribuam valores distintos aos bens.
Caso a Fazenda Pública observe, em momento oportuno, a irregularidade do lançamento, poderá, por meios próprios, buscar pagamento, sem que isto signifique obstáculo à regularização no registro da propriedade transmitida pela sucessão.
Isso não significa, porém, possa o registrador devolver o título partindo do falso pressuposto de o fato de os valores atribuídos aos bens na partilha não coincidirem com os valores fiscais (venais) implique fraude ou a incidência de nova tributação sobre torna ou doação
Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do título.
São Paulo, data registrada no sistema.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator (Acervo INR – DJe de 03.02.2025 – SP)
Fonte: DJE
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