A regularização de imóveis envolve a análise do caso em todos os seus detalhes e a busca da melhor ferramenta cabível (ou até mesmo a combinação delas), de acordo com o que a Lei autoriza, para se alcançar o objetivo desejado. É importante sempre considerar que, em se tratando de Usucapião como ferramenta para buscar a regularização, há dez anos o ordenamento jurídico autoriza que os interessados, assistidos por Advogado, possam se valer da VIA EXTRAJUDICIAL para reconhecer a aquisição através da Usucapião sem a necessidade de um longo e complexo processo judicial – que, ainda assim, continua sendo possível e indicado especialmente para casos mais complexos. A USUCAPIÃO FAMILIAR é uma das espécies de Usucapião autorizadas por Lei que se destaca por seu curtíssimo prazo de posse exigida: apenas DOIS ANOS. É sobre um dos seus requisitos especiais que falaremos nesse breve ensaio.

Como já dissemos em outras passagens, a USUCAPIÃO FAMILIAR, prevista no artigo 1.240-A do Código Civil, é uma modalidade especial de Usucapião que permite ao cônjuge ou companheiro que permaneceu no imóvel após o abandono do lar pelo outro adquirir a totalidade da propriedade. Essa forma de aquisição originária busca proteger o direito à moradia e promover a FUNÇÃO SOCIAL da propriedade. Como acontece em todas as demais modalidades de Usucapião, sua aplicação exige o cumprimento de requisitos específicos, sendo um deles especial a essa modalidade que é a COPROPRIEDADE registral do imóvel entre os ex-cônjuges ou ex-companheiros, o que pode limitar sua utilização em determinados casos.

Reza o caput art. 1.240-A do Código Civil:

Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

Toda usucapião exige do requerente o preenchimento de requisitos matriciais: COISA já que não é qualquer imóvel que pode ser usucapido (vide, por exemplo, imóveis públicos), POSSE já que não é qualquer posse que se presta para a usucapião (como por exemplo a posse exercida por locatários ou comodatários), devendo esta ser qualificada – com ânimo de dono, mansa, pacífica e ininterrupta além do TEMPO que está intimamente ligada à posse, pois o tempo de posse vai variar conforme a modalidade de Usucapião pretendida.

A USUCAPIÃO FAMILIAR exige o menor prazo legal: apenas DOIS ANOS, porém, essa mesma espécie exige diversos requisitos (quanto MENOR o tempo de posse exigido, maiores são os demais requisitos exigidos, ao passo que, quanto MAIOR o tempo de posse exigido, menores serão os requisitos reclamados por Lei).

Entre os requisitos da usucapião familiar, destacam-se: o imóvel deve ser urbano e ter área máxima de 250m²; a posse exclusiva deve ser exercida por 2 anos ininterruptos e sem oposição; o abandono do lar pelo outro cônjuge ou companheiro deve ser comprovado; e o requerente não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural. O que merece destaque é que a Lei exige nessa especial modalidade de Usucapião que haja copropriedade do imóvel entre ambos (cônjuges ou companheiros) – seja essa copropriedade decorrente do regime de bens, seja decorrente da forma e momento de aquisição, pois a usucapião familiar pressupõe a transferência da totalidade do bem para o cônjuge ou companheiro que permaneceu no imóvel. A bem da verdade, o ex-cônjuge ou ex-companheiro que pretende a Usucapião deve ser titular de alguma fração do imóvel e deve requerer a usucapião do restante que era de propriedade do ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar.

O mestre MARCO AURÉLIO BEZERRA DE MELO (Direito Civil – Coisas. 2019) ensina:

“Além dos requisitos da usucapião ‘pro moradia’, essa nova modalidade de prescrição aquisitiva estabelece como requisitos específicos que o ex-cônjuge ou ex-companheiro exerça posse com exclusividade durante DOIS ANOS sobre o IMÓVEL QUE TENHA EM CONDOMÍNIO com o ex-consorte que, abandonando o lar conjugal, acabará por possibilitar que o ‘abandonado’ adquira a propriedade na sua integralidade. (…) Em outras palavras, somente terá cabimento a Usucapião Familiar se os cônjuges forem condôminos”.

Vê-se, com clareza, que a mira do ex-cônjuge/ex-companheiro interessado, contra o seu ex-companheiro/ex-cônjuge, titular da outra fração do imóvel (que pode inclusive ser maior ou menor que 50%) será justamente a outra banda, de modo a ter o requerente, no êxito da demanda, a integralidade (ou seja, 100% do bem imóvel).

Nesse sentido também o Enunciado 500 da V Jornada de Direito Civil do CJF:

“A modalidade de usucapião prevista no art. 1.240-A do Código Civil pressupõe a PROPRIEDADE COMUM do casal e compreende todas as formas de família ou entidades familiares, inclusive homoafetivas”.

A exigência de copropriedade é um REQUISITO ESPECIAL da coisa usucapível que pode inviabilizar a aplicação da usucapião familiar em muitos casos, se não for demonstrada a propriedade registral comum a ambos (o que se verifica analisando a Certidão atualizada do RGI). Se o imóvel estiver registrado apenas em nome de um dos cônjuges ou companheiros (sem que haja meação decorrente de REGIME DE BENS ou configurada pela forma ou momento da aquisição), ou se o bem estiver registrado em nome de terceiros, essa modalidade não pode ser utilizada. Não se descarta, todavia, em prestígio ao princípio da FUNGIBILIDADE – que também tem plena aplicação no reconhecimento da Usucapião – que outras modalidades possam ser invocadas (como inclusive já explicamos em outro artigo). Dessa forma, nos casos em que a usucapião familiar não for aplicável pelo não preenchimento desse requisito especial (“res habilis specialis”), outras modalidades de usucapião podem ser cogitadas, como a usucapião extraordinária, ordinária ou especial urbana, dependendo das circunstâncias do caso concreto que com toda certeza deve ser avaliado pelo Advogado do caso.

Em conclusão, a usucapião familiar é uma ferramenta importante para garantir o direito à moradia, mas sua aplicação é limitada inclusive pela exigência de copropriedade registral entre os ex-cônjuges ou ex-companheiros. Quando esse requisito não for atendido, outras modalidades de usucapião podem ser verificadas, inclusive pela via extrajudicial se for o caso, que oferece uma solução com promessa de maior celeridade. A análise cuidadosa do caso concreto e o acompanhamento jurídico especializado são indispensáveis para garantir a segurança e eficácia do processo de regularização, evitando-se a improcedência dos pedidos, como decretada com acerto pelo TJSP e – mais anteriormente – pelo TJRJ em caso semelhante:

“TJSP. 1004427-09.2021.8 .26.0577. J. em: 12/07/2023. USUCAPIÃO FAMILIAR – Autora que ajuizou ação alegando que seu ex-marido abandonou o lar conjugal, tendo ela passado a ocupar a integralidade do imóvel – Pretensão à usucapião familiar – Sentença que julgou IMPROCEDENTE o pedido – Inconformismo da autora – Não acolhimento – Usucapião familiar que PRESSUPÕE A COPROPRIEDADE DOS CÔNJUGES sobre o imóvel, e que tem por finalidade permitir que o cônjuge que permaneceu no imóvel adquira a FRAÇÃO IDEAL daquele que o abandonou – Partes que, no entanto, NÃO ERAM PROPRIETÁRIAS, tendo sobre ele apenas direitos possessórios – Inviabilidade do reconhecimento da usucapião familiar – Recurso desprovido”.

“TJRJ. 00137366120208190202. J. em: 28/07/2021. APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO FAMILIAR DE BEM IMÓVEL. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. AUSÊNCIA DE REQUISITOS . ARTIGO 1.240-A DO CÓDIGO CIVIL. AS PARTES JAMAIS ADQUIRIRAM A PROPRIEDADE DO BEM. TÍTULO DE POSSE. ENUNCIADO Nº 500 DO CJF. SENTENÇA MANTIDA. Apesar de ter havido o julgamento antecipado da lide, eventual instrução processual não teria o condão de alterar as conclusões do julgado. O autor, ora apelante, pretende exercer direito à usucapião familiar, com fundamento no artigo 1 .240-A do Código Civil. Instituto que pressupões a PROPRIEDADE comum do casal. Enunciado nº 500 do Conselho da Justiça Federal. No caso, as partes possuem APENAS A POSSE sobre o imóvel, sendo impossível a aplicação do instituto. Sentença de improcedência mantida. Recurso conhecido e não provido”.

Fonte: Julio Martins

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