Para usucapir um imóvel é preciso preencher e comprovar de forma inequívoca os requisitos que a Lei exige na espécie de Usucapião escolhida, uma vez que a legislação brasileira admite diversas espécies e todas elas variam entre si exatamente nos requisitos exigidos. Tudo deve ser meticulosamente analisado de forma a identificar se o interessado já está no momento adequado para propor sua demanda. Um importante requisitos, que já falamos em outras passagens, diz respeito à utilização do imóvel que é dada pelo interessado no imóvel, uma vez que algumas espécies de usucapião exigem o requisito da MORADIA para seu reconhecimento. Será possível usucapir um imóvel se a destinação dada ao mesmo pelo interessado é COMERCIAL (ou pelo menos, não residencial)?
Como já sabemos, a usucapião é uma importante solução jurídica que permite a legítima aquisição da propriedade de um imóvel por meio do exercício da posse prolongada, contínua, pacífica e com a intenção de dono. Trata-se de um meio de regularização fundiária que visa reconhecer o direito daquele que efetivamente exerce a POSSE qualificada sobre o BEM IMÓVEL que está sujeito aos efeitos da usucapião (já que nem todos estão), pelo TEMPO necessário, requerido pela Lei – mesmo sem a titularidade formal registrada (inclusive a USUCAPIÃO se reconhecida formará “título” que permitirá o “registro” em nome do interessado vitorioso no processo/procedimento). Importa destacar que a Usucapião não se limita a imóveis com utilização residencial, podendo ser usado também para regularizar e transformar a POSSE em PROPRIEDADE sobre imóveis que estejam sendo utilizados para fins comerciais ou outras finalidades não residenciais pelo seu possuidor.
É preciso compreender, no entanto, que algumas modalidades de usucapião exigem que o imóvel seja utilizado para MORADIA, o que as torna inaplicáveis quando a destinação do imóvel é exclusivamente comercial (ou “não residencial” já que pode ser o caso do imóvel ter uso não residencial e não ter nem mesmo um Comércio sendo exercido nele, como acontece, por exemplo, com IGREJAS ou entidades filantrópicas, Associações etc). A Usucapião Especial Urbana (artigo 1.240 do Código Civil) e a Usucapião Especial Rural (artigo 1.239), por exemplo, são espécies de Usucapião que reclamam a utilização do imóvel para MORADIA do possuidor e sua família, além de posse contínua e sem oposição pelo prazo de cinco anos. Nessas hipóteses, a finalidade residencial é requisito essencial e, portanto, não se aplicam a imóveis destinados a atividades comerciais. Confira-se o art. 1.240:
“Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, UTILIZANDO-A PARA SUA MORADIA ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”.
Para imóveis utilizados para fins comerciais, as modalidades mais adequadas são a Usucapião Ordinária (art. 1.242) e a Usucapião Extraordinária (art. 1.238). A usucapião ordinária exige posse por 10 anos com justo título e boa-fé, enquanto a extraordinária DISPENSA o justo título e a boa-fé, exigindo posse ininterrupta e sem oposição pelo prazo de 15 anos – com a considerável possibilidade de redução desse prazo para 10 anos caso o possuidor tenha estabelecido no imóvel a sua MORADIA habitual (e aqui se exige atenção), ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Nessas modalidades, o uso residencial não é requisito (mas pode reduzir o prazo necessário do tempo de posse qualificada), permitindo a aquisição da propriedade mesmo para imóveis de caráter comercial. Rezam os artigos 1.238 e 1.242, respectivamente:
“Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo”.
“Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.
Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico”.
Um inegável avanço dos últimos anos diz respeito à possibilidade de se obter o reconhecimento da USUCAPIÃO diretamente em Cartórios Extrajudiciais, sem a necessidade de um exaustivo processo judicial. Para tanto, é preciso além de demonstrar o preenchimento dos requisitos da espécie de Usucapião pretendida, a observação dos requisitos exigidos pelo art. 216-A da Lei de Registros Públicos – como a assistência obrigatória por ADVOGADO – assim como da regulamentação do procedimento (hoje a cargo do Provimento CNJ 149/2023). A usucapião extrajudicial – ainda que não indicada para casos muito complexos e sofisticados – é sem dúvida uma solução mais célere e desburocratizada que o processo judicial, permitindo mais rapidamente a regularização da propriedade imobiliária – inclusive imóveis comerciais.
POR FIM, decisão recente do TJMT que ratifica com acerto a possibilidade do manejo da Usucapião Extraordinária para regularização de imóveis comerciais:
“TJMT. 00029702520168110003. J. em: 19/04/2023. APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA – PROPRIEDADE DE OUTROS IMÓVEIS – POSSIBILIDADE – CARÁTER COMERCIAL – NÃO IMPEDITIVO – REQUISITOS DA AÇÃO PREENCHIDOS PELA PARTE AUTORA – ART. 1.238, DO C. CIVIL – PROVAS SUFICIENTES PARA DEMONSTRAR OS REQUISITOS DA USUCAPIÃO – RECURSO PROVIDO. 1. De conformidade com o art. 1.238 do Código Civil de 2002, que trata da usucapião extraordinária, aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé. O parágrafo único do art. 1.238 do CC admite a REDUÇÃO do prazo prescricional quando demonstrado o exercício qualificado da posse pela moradia ou pela realização de investimentos ou EXECUÇÃO DE SERVIÇOS de caráter produtivo sobre o bem. 2. Ou seja, na usucapião extraordinária pode o interessado já ser proprietário de outros imóveis, desde que satisfaça os requisitos da Lei no caso concreto. 3. Da mesma maneira, a usucapião extraordinária permite que o imóvel seja destinado para USO COMERCIAL, atribuindo caráter produtivo no local. 4. Aliás, o parágrafo único do artigo 1.238 do Código Civil, reduz o prazo para aquisição do imóvel por usucapião, quando nele o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. 5. Assim, restando preenchidos os requisitos necessários para a decretação da prescrição aquisitiva, a reforma da sentença é medida que se impõe, para julgar PROCEDENTE o pedido inicial”.
Fonte: Julio Martins
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