Especialistas debateram nesta terça-feira (7/11) desafios e caminhos possíveis para que o Brasil possa unir forças no combate ao financiamento de organizações criminosas e até do terrorismo internacional. Por meio de convite da Corregedoria Nacional de Justiça, conselheiros, notários, promotores, registradores, juízes e membros do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) estiveram reunidos em torno de possíveis sugestões para o aprimoramento do Provimento n. 88/2019, que dispõe sobre a política, os procedimentos e os controles a serem adotados pelos cartórios visando à prevenção dos crimes de lavagem de dinheiro e do financiamento do terrorismo.

 

A capacitação da mão de obra do setor foi apontada como fundamental pelos participantes do “Seminário Atuação dos Cartórios no Combate à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo”, que ocorreu no auditório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em Brasília.

 

O conselheiro do CNJ João Paulo Schoucair, promotor de Justiça na Bahia, reforçou a importância do trabalho conjunto entre cartórios e Sistema de Justiça para que, com o asfixiamento das organizações criminosas, seja possível quebrar a cadeia criminosa das organizações. “Ainda temos muito a caminhar, mas é nítido que esse trabalho possui muita relevância. Quase 70% das operações suspeitas comunicadas ao Coaf advém dos cartórios, que começaram a aperfeiçoar seus sistemas em plena pandemia. Conseguir aperfeiçoar o Provimento 88 é muito bom; em média temos 5 milhões de comunicação por ano. É muita coisa, muito dinheiro criminoso circulando no Brasil”, disse.

 

Na Bahia, em pouco mais de um ano, o Grupo Especial de Combate às Organizações Criminosas e Investigações Criminais (Gaeco) fez 54 operações, com 154 pessoas denunciadas, 390 prisões e mais de 2.500 armas apreendidas. “O resultado disso foi uma redução de 11,4% nos crimes violentos, tiramos armas da rua e desmobilizamos lideranças criminosas. Esse é um trabalho que precisa ser aprimorado. E, para isso, é preciso melhorar o diálogo, unir informações.”

 

Coordenador de Inteligência Financeira do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Henrique de Oliveira questionou o motivo de apenas 1% das informações passadas pelos cartórios serem aproveitadas pelo Conselho. “O Coaf tem sede em Brasília, o que dificulta saber se uma transação que ocorre no interior do país tem ou não alguma irregularidade. Um registro de imóvel, por exemplo, que tem um valor incompatível com a realidade local, pode ser alertado pelos bancos e pelos notários. Essa capilaridade dos cartórios é extremamente importante nesses casos e é por isso que precisamos melhorar o treinamento daqueles que trabalham nesses setores”, afirmou.

 

Para Henrique de Oliveira, é preciso detalhar a suspeita identificada; informar sobre todas as pessoas relacionadas ao imóvel ou documento registrado e as características gerais da operação comunicada. “Ter informações básicas como quem recebeu e quem pagou. Qual o valor? Recebemos 50 mil comunicações por dia e temos apenas 20 analistas para averiguar todo esse montante. Os dados precisam chegar mais detalhados e claros. E só vamos avançar nisso se houver treinamento em todas as pontas”, defendeu.

 

O juiz do Tribunal de Justiça do estado do Amazonas (TJAM) Jorsenildo Dourado do Nascimento ressaltou a importância do Provimento 88/2019 ao inserir definitivamente notários e registradores na política nacional de prevenção à lavagem de dinheiro. Ele explicou que o provimento foi incorporado no Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça e representa um marco significativo em toda a política de combate a esse tipo de crime.

 

“Pela primeira vez, uma norma de prevenção à lavagem de dinheiro foi construída a várias mãos – por notários e registradores, assim como pela Justiça – órgão regulador e órgão regulados”, afirmou. O magistrado afirmou que a ausência ou deficiência na política de compliance (que disciplina o cumprimento das normas e regulamentos) pelos cartórios é diretamente proporcional ao aumento do serviço extrajudicial por organizações criminosas, e prática de lavagem de dinheiro no Brasil. “Quanto mais fiscalizados e rigorosos, mais os cartórios conseguirão identificar os indícios de crimes”.

 

Diálogo

 

O magistrado citou que entre fevereiro de 2020 a 30 de setembro de 2023, mais de 3 milhões 756 mil comunicações foram enviadas ao Coaf, tornando a atividade extrajudicial brasileira a principal atividade não-financeira colaboradora do Conselho. “Essas informações não chegavam antes ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, à Polícia, ao Coaf, para subsidiar todos esses órgãos com mais precisão”, disse. Jorsenildo ponderou, no entanto, que ainda há uma baixa qualidade das informações, ligada à ausência de detalhamento de operações, na falha da identificação dos envolvidos, e nas normas regulamentadoras.

 

Ele afirmou que a saída para isso é treinamento e fiscalização na política de compliance. “Investir na capacitação dos trabalhadores dos cartórios para evitar que as informações cheguem com poucos detalhamentos. Treinar e capacitar os registradores e notários e seus empregados dos cartórios, para chegarmos à excelência de munir de informações relevantes e específicas o Coaf. Limpar a informação, aperfeiçoá-la”, afirmou.

 

No Brasil, mais de 6 mil cartórios oferecem serviços à população. O órgão censor central é a Corregedoria Nacional de Justiça que, além de fiscalizar, uniformiza a execução do serviço em todo território nacional. As 26 corregedorias de Justiça dos estados e do Distrito Federal fiscalizam diariamente os cartórios.

 

O diretor de Supervisão do Coaf, Rafael Bezerra Ximenes de Vasconcelos, também reforçou a ideia da necessidade de fortalecer o treinamento dos especialistas. “Por mais que tenhamos a sorte de não vivermos a face mais cruenta dessas chagas que são o terrorismo e proliferação de armas de destruição de massa no nosso país, isso não quer dizer que rotas de financiamento não passem por aqui. Para isso, a qualificação precisa ser contínua, permanente. Isso que estou escrevendo é algo que o Coaf, Ministério Público, Judiciário, não teriam como saber? Então isso é valioso”, concluiu Ximenes.

 

Texto: Regina Bandeira

Edição: Thaís Cieglinski

 

Fonte: Agência CNJ de Notícias

Deixe um comentário