O STF (Supremo Tribunal Federal) validou as diretrizes previstas na Lei nº 9.514/97, que autorizam os bancos ou instituições financeiras a retomarem um imóvel financiado nos casos de não pagamento das parcelas, sem que seja necessário acionar a Justiça.

 

Muitas foram as notícias sensacionalistas no sentido de que o Supremo teria “autorizado” que os bancos tomassem imóveis dos devedores sem aval do judiciário, fazendo parecer ao consumidor que se tratava de uma situação inédita.

 

Em verdade, a medida já é possível desde a vigência da mencionada lei, ou seja, há mais de 25 anos, sendo, inclusive, muito utilizada pelas instituições financeiras, justamente com o escopo de simplificar o procedimento de retomada do imóvel e evitar o processo judicial.

 

Sobre o procedimento, dispõe a legislação:

 

“Artigo 26. Vencida e não paga a dívida, no todo ou em parte, e constituídos em mora o devedor e, se for o caso, o terceiro fiduciante, será consolidada, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.

 

  • 1º Para fins do disposto neste artigo, o devedor e, se for o caso, o terceiro fiduciante serão intimados, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do registro de imóveis competente, a satisfazer, no prazo de 15 (quinze) dias, a prestação vencida e aquelas que vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive os tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel e as despesas de cobrança e de intimação.”

 

Logo, na prática, não há mudanças procedimentais, sendo que o pronunciamento do STF põe fim apenas à discussão dos consumidores acerca da legalidade/viabilidade do procedimento de forma extrajudicial, não impedindo, contudo, que se discutam as cláusulas contratuais ou eventuais inobservâncias ao procedimento previsto em lei.

 

Forçoso citar que, apesar de se tratar de um procedimento simplificado, a alienação fiduciária possui etapas e prazos a serem seguidos, especialmente quanto à notificação do devedor para pagamento do débito e acerca da realização de eventual leilão.

 

Além disso, aos contratos bancários são aplicáveis as disposições do Código de Defesa do Consumidor.

 

Assim, em que pese reconhecida a legalidade da normativa, não se pode partir da premissa de que todas as disposições contratuais são estritamente válidas, haja vista que a alienação fiduciária envolve outras questões além do procedimento, tais como: taxas de juros, encargos moratórios, seguros, venda casada de serviços (obrigar o consumidor a adquirir um serviço para contratar o empréstimo, por exemplo), entre outras tarifas bancárias.

 

Desse modo, há de se considerar que o contrato pode ser revisado pelo ponto de vista bancário.

 

Ainda, a inobservância do procedimento legal pode ocasionar a nulidade da consolidação da propriedade (retomada do imóvel) pelo credor e, inclusive, de eventual alienação à terceiro.

 

Nessa direção, importante mencionar que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) possui entendimento de que a ausência de notificação do devedor para pagamento do débito, ocasiona a anulação do procedimento de retomada do imóvel. Veja-se decisão recente:

 

“AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. IMÓVEL ADQUIRIDO MEDIANTE CONTRATO DE MÚTUO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. LEI Nº 9.514/97. IRREGULARIDADE NA NOTIFICAÇÃO DO DEVEDOR. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE. NÃO OCORRÊNCIA. PRECEDENTES. ARREMATAÇÃO POSTERIOR. NULIDADE. VALOR DA CAUSA. PRETENSÃO ECONÔMICA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

 

  1. Este Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que, no caso de execução extrajudicial da Lei nº 9.514/97, diante do vício da notificação para purgação da mora impõe-se a anulação da consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário.

 

02 . Anulada a consolidação da propriedade, é nula também a arrematação posterior, na qual é adquirido bem irregularmente alienado pelo credor fiduciário, ante a existência de manifesto prejuízo.

 

(…)”. (AgInt nos EDcl no AREsp nº 1.998.722/TO, relatora ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 13/3/2023, DJe de 16/3/2023).

 

Dessa forma, não há motivos para que o consumidor se desespere com a decisão proferida pelo STF, haja vista que seus direitos permanecem preservados, assim como, na prática, o procedimento validado pela Corte já é utilizado há longos anos.

 

Caso se depare com situação semelhante, é de extrema importância que o devedor avalie suas possibilidades e procure auxílio de um profissional capacitado e que possa lhe orientar acerca da legalidade ou não do procedimento adotado.

 

Marcos Roberto Hasse é proprietário da Hasse Advocacia e Consultoria, pós-graduado em Direito Tributário e Processual Tributário pela Universidade da Região de Joinville (Univille), ex-professor na Universidade Regional de Jaraguá do Sul (Unerj), professor na Católica de Santa Catarina e conselheiro OAB-SC.

 

Fonte: Conjur

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