A cobrança do valor acumula pela multa por descumprimento de decisão judicial liminar (astreinte) pode ser transmitida aos herdeiros do autor da ação, na hipótese de ela ser extinta devido ao falecimento do mesmo.
Com esse entendimento, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça deu provimento a embargos de divergência para permitir que os filhos do autor de uma ação, já falecido, possam se habilitar para executar o pagamento da multa diária pelo descumprimento de uma liminar.
O autor da ação recorreu ao Judiciário porque, vítima de um acidente, precisava de transferência e internação em um centro de terapia intensiva (CTI) destinado a pacientes com queimaduras, em um hospital da rede pública.
O juízo de primeiro grau concedeu liminar para obrigar a União, o estado do Rio de Janeiro e o município de Duque de Caxias a transferi-lo de hospital imediatamente, sob pena de multa diária de R$ 10 mil em caso de descumprimento.
A transferência só foi feita 15 dias depois da ordem judicial, e o paciente morreu oito dias depois disso. Assim, o juízo extinguiu a ação sem resolução do mérito. Os herdeiros dele, então, pediram a execução dos valores da multa.
Por maioria de votos, a Corte Especial entendeu que essa é uma possibilidade. Venceu o voto divergente do ministro Og Fernandes, acompanhado pelos ministros Nancy Andrighi, Herman Benjamin, Mauro Campbell, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino e João Otávio de Noronha.
Caráter coercitivo
Em voto-vista proferido na sessão de quarta-feira, o ministro Og Fernandes apontou que o STJ tem precedentes que admitem a transferência da execução provisória da pena de multa aos herdeiros do autor da ação. E isso é possível por duas razões.
Primeiro porque o pedido de uma ação é algo personalíssimo, que cabe apenas ao autor, mas não a execução das astreintes. A pena de multa configura obrigação de pagar quantia certa que integra patrimônio dos sucessores do autor da ação, no caso de falecimento.
Segundo porque afastar essa transmissibilidade retiraria o caráter coercitivo da multa diária. Sua função é coagir o devedor a cumprir a ordem judicial. Em casos envolvendo saúde, por exemplo, bastaria à parte ré aguardar a morte do autor da ação para se livrar da multa por descumprimento.
O efeito intimidador da multa estaria esvaziado. A protelação e aguardo do falecimento seriam um bom negócio para devedor recalcitrante, na certeza que não teria que arcar com custos da desobediência”, disse o ministro Og Fernandes.
“Pior: em casos em que morte for decorrência dessa postura, seria criado um cenário em que réu se beneficiaria da própria torpeza, sendo recompensado com extinção dos valores da multa”, acrescentou.
Multa não é indenização
Quando analisou o caso, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região negou o pedido dos herdeiros e aplicou precedente do STJ em recursos repetitivos segundo o qual a multa diária fixada em antecipação de tutela só pode ser objeto de execução provisória após a sua confirmação por sentença de mérito.
Relatora dos embargos de divergência, a ministra Laurita Vaz votou por manter a posição do TRF-2 porque a astreinte não pode ser transformada em verba indenizatória. Assim os danos gerados pelo não cumprimento da decisão liminar podem ser apurados em ação própria.
Isso porque podem existir inúmeras razões para o não cumprimento de uma decisão judicial. A explicação só pode ser conhecida mediante o devido contraditório.
“Admitir cobrança de astreintes em caráter liminar, em caso extinto por ser tratar de obrigação personalíssima esvaziada com o falecimento do autor, é assumir presunção de veracidade do direito sem garantir à parte supostamente devedora o direito de produzir prova e se defender”, afirmou.
A ministra Laurita Vaz ficou vencida de forma isolada. A ministra Isabel Gallotti acompanhou a conclusão da relatora, mas entendeu que os embargos de divergência não ultrapassariam a barreira do conhecimento na Corte Especial.
EREsp 1.795.527
Fonte: Conjur
Deixe um comentário