As obrigações contraídas por força de contrato de compra e venda de bem imóvel devem ser solvidas, pois, como vislumbrado, todos os termos do pacto deverão ser efetivados. Do contrário, aquele que ultrajar o negócio jurídico sofrerá, decerto, as consequências legais

 

Uma expressão profusamente conhecida no Direito, derivada do latim, concerne à “pacta sunt servanda”. Em tradução livre, quer-se dizer: “os pactos devem ser respeitados” ou “os acordos devem ser cumpridos”.

 

À vista disto, o brocardo jurídico sobredito assenta que as vontades das partes, articuladas e expostas por intermédio de um contrato formal, serão respeitadas de forma recíproca e, precipuamente, concretizadas sem empecilhos.

 

Analisando a temática pela visão doutrinária, pode-se elucidar que contrato é um “negócio jurídico bilateral ou plurilateral gerador de obrigações para uma ou todas as partes as quais correspondem direitos titulados por elas ou por terceiros”.1

 

Mello, por sua vez, dispõe, de maneira similar, que contrato é “uma espécie de negócio jurídico, sendo um ato humano em que tem papel preponderante a vontade dirigida a um determinado fim”.2

 

No ponto, é sabido que, como aspecto fulcral, a relação contratual firmada entre os interessados é norteada pela boa-fé.

 

O acordo, sendo compreendido como a oficialização documental dos intuitos e desejos das partes, é elaborado exatamente para ter o seu objeto satisfeito, isto é, liquidado; transmitindo a cada um aquilo que lhe é devido. Inexistindo, assim, razões lógicas para haver má-fé.

 

Neste exato tocante, colhe-se o magistério da douta Giselda Hironaka, in verbis:

 

“Em todas as fases contratuais deve estar presente o princípio vigilante do aperfeiçoamento do contrato, não apenas em seu patamar de existência, senão também em seus planos de validade e de eficácia. Quer dizer: a boa-fé deve se consagrar nas negociações que antecedem a conclusão do negócio, na sua execução, na produção continuada de seus efeitos, na sua conclusão e na sua interpretação. Deve prolongar-se até mesmo para depois de concluído o negócio contratual, se necessário.”3

 

Inclusive, tamanha presunção de honestidade e confiabilidade contém um vasto contexto histórico. Porquanto, consoante desnudam os ensinamentos de Bouzon4, desde a Mesopotâmia são registradas as primeiras espécies de contratos, por assim dizer.

 

Um contundente indicativo dos acontecimentos acima ventilados tem relação com o denominado “Código de Esnuna”, o qual foi elaborado em meados do ano 1.900 (a.C.), posto que versava, além de outros assuntos, sobre compra e venda, empréstimos e demais transações.

 

Hodiernamente, a essência do contrato está incólume.

 

Por esta perspectiva, aborda-se, aqui, o contrato de compra e venda, cujo o propósito está bem delimitado pelo Código Civil (artigo 481): “Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro.”

 

Com efeito, vale parafrasear Stolze e Pamplona que definem, com exatidão, a matéria: “O contrato de compra e venda é o contrato principal pelo qual uma das partes (vendedora) se obriga a transferir a propriedade de uma coisa móvel ou imóvel à outra (compradora), mediante o pagamento de uma quantia em dinheiro (preço).”5

 

Todavia, não raramente, o Poder Judiciário recebe demandas atinentes ao descumprimento dos contratos de compra e venda de bem imóvel e as suas repercussões.

 

Sob tal ângulo, uma das principias controvérsias é relativa à cláusula que disciplina o modo de pagamento e a consequente im(possibilidade) de outorga da escritura pública.

 

Isto porque, muitos indivíduos têm o seguinte questionamento: Sendo ajustado, em contrato, o parcelamento do valor total ou parcial do imóvel (de forma particular, ou seja, diretamente com o proprietário) a escritura pública poderá ser outorgada antes de ser quitado integralmente o pagamento?

 

Iluminando o conteúdo, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, recentemente, repisou que “para o deferimento do pedido de outorga de escritura de imóvel, em decorrência da celebração de contrato de compra e venda, necessária se faz a comprovação da quitação integral do preço ajustado entre as partes.”6

 

Ademais, da Corte aludida sobrevêm outros julgados no mesmo sentido. Veja-se:

 

“APELAÇÃO CÍVEL. ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA. IMÓVEL. QUITAÇÃO DO PREÇO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. A adjudicação compulsória é ação de caráter pessoal, colocada à disposição do promissário comprador no caso de inadimplemento do promitente vendedor na transferência do domínio do imóvel. Compete ao autor a produção de prova do fato constitutivo de seu direito. Não comprovada a quitação integral do preço, indefere-se o pedido de outorga de escritura do bem.”7

 

“APELAÇÃO CÍVEL – ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA – PROMESSA DE VENDA DE IMÓVEL – AUSÊNCIA DE PROVA DE CONTRATAÇÃO E DE QUITAÇÃO DO PREÇO – RECURSO ADESIVO DESERÇÃO. – A adjudicação compulsória é o procedimento jurídico colocado à disposição de quem, munido de contrato de promessa de compra e venda, após a quitação integral do preço, não encontra êxito em obter o título definitivo de propriedade do imóvel, pela recusa dos promitentes vendedores em efetivá-la. – A ausência de prova da celebração de contrato e de quitação integral do preço, torna inviável a adjudicação compulsória. – Se a parte, no momento de interposição do recurso, deixa de efetuar o pagamento do preparo, deve ser negado seguimento ao recurso, por deserção, nos termos dos arts. 511 do CPC.”8

 

O entendimento jurisprudencial supracitado decorre, sem desvios, das diretrizes normativas e teóricas ora perscrutadas, dado que, está em sintonia com o princípio “pacta sunt servanda” e com o Código Civil.

 

Afinal, uma vez presente o compromisso de quitação do valor global do imóvel para ser outorgada a respectiva escritura pública, não poderia, em nenhuma circunstância, o magistrado decidir de jeito adverso ao posicionamento predito.

 

De mais a mais, é imperioso aduzir os demais Tribunais reforçam a mesma compreensão. A propósito: “Para o acolhimento da pretensão de outorga de escritura definitiva é imprescindível a demonstração da existência do contrato escrito, de caráter irrevogável, irretratável e sem direito a arrependimento, prova irrefutável da quitação do preço ajustado e recusa injustificada do vendedor em outorgar o domínio sobre o objeto da contratação.”9

 

Por oportuno, convém informar que cada cenário deve ser averiguado à luz de sua peculiaridade. Além disto, pondera-se que a situação narrada no corpo deste artigo retrata, exclusivamente, as ocorrências que desaguaram no campo conflituoso.

 

Isto posto, vê-se que as obrigações contraídas por força de contrato de compra e venda de bem imóvel devem ser solvidas, pois, como vislumbrado, todos os termos do pacto deverão ser efetivados. Do contrário, aquele que ultrajar o negócio jurídico sofrerá, decerto, as consequências legais.

 

Fonte: Migalhas

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