A respeito do assunto de usucapião, vimos que é uma forma de regulamentar o imóvel, de estabelecer uma função social para a propriedade
Você sabe o que é a usucapião?
Com certeza já ouviu falar que determinada propriedade foi usucapida ou que está em processo de usucapião, que alguém se tornou dono de um terreno que não era seu originalmente, mas afinal, o que significa essa expressão?
A usucapião é um modo de adquirir a propriedade da coisa através da posse continuada, durante certo lapso temporal, desde que preenchidos os requisitos estabelecidos pela lei.
É isso mesmo, usucapir é permitido e regulamentado por lei, mas lembre-se de ficar atento quanto aos requisitos!
Art. 1.241 CC – Poderá o possuidor requerer ao juiz seja declarada adquirida, mediante usucapião, a propriedade imóvel.
Parágrafo único. A declaração obtida na forma deste artigo constituirá título hábil para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
E quem tem direito a usucapião?
Para entendermos sobre os requisitos e tipos, é importante salientar que a usucapião é uma forma de estabelecer uma função social (como moradia, subsistência, atividade econômica etc.) para alguém que toma posse, cuida e preza pela manutenção de um bem que, na mão de seu dono, não esteja em consonância com suas obrigações com a sociedade.
A usucapião é baseada na Constituição Federal em seu art. 5º, inciso 23, que diz:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;
Logo, terá direito a solicitar a usucapião aquele indivíduo que realizar a posse de maneira ininterrupta sobre um bem, atendendo os requisitos elencados abaixo e que, ao obter de forma não violenta ou clandestina o bem, o destine para uma função social.
Quais são os requisitos genéricos e como reconhecê-los?
Como existem diferentes tipos de usucapião, de forma simples e objetiva, os requisitos genéricos se enquadram de forma cumulativa, ou seja, é necessário preencher todos, em:
- A) Posse ininterrupta e sem oposição, ou seja, é aquela posse que se prolonga no tempo sem que haja intervalo, bem como sem oposição do proprietário em retomar a propriedade.
Atenção: não necessariamente a posse precisa ser exercida pela mesma pessoa, o importante é que não haja intervalo nem oposição.
Por exemplo: Um pai exercia a posse de uma propriedade e vem a falecer, desse modo, sua filha continua na posse da propriedade. O lapso temporal que o pai exerceu será contado junto com o da filha para eventual ação de usucapião, pois não houve intervalo na posse.
- B) Intenção de ser dono, que nada mais é que exercer a posse da propriedade com o intuito de que ela seja sua, sua finalidade ao iniciar a posse era a de ser o dono.
- C) Prazo legal determinado, ou seja, justamente o lapso temporal mencionado acima, que vem descrito na lei.
- D) Coisa que possa ser usucapida, pois nem tudo é passível de usucapião, logo o exercício da posse deve ser feito sobre algo permitido.
Exemplo de coisas que podem ser usucapidas: bens imóveis como terrenos, casas, galpões; bens móveis como carros, equipamentos etc.
Exemplo de coisas que NÃO podem ser usucapidas: os bens públicos não estão sujeitos a usucapião, expressamente vedado pela Constituição.
Será que a usucapião que você exerce se enquadra em algum tipo previsto em lei? Vamos acompanhar!
Quais são os tipos de usucapião?
Observação: Antes de iniciarmos, é preciso acrescentar a explicação de um termo que veremos logo abaixo, o justo título, que é entendido como todo e qualquer ato jurídico hábil, em tese, a transferir a propriedade, independente de registro.
Além disso, a usucapião pode ser realizada tanto sobre bens imóveis, quanto sobre bens móveis.
Exemplos de bens móveis: carros, moto, equipamentos
Exemplo de bens imóveis: casa, terreno, galpão
Veremos a seguir os tipos de usucapião, no entanto, quando se trata de bens móveis, possuímos apenas dois tipos: extraordinária e ordinária, que conheceremos a seguir.
Usucapião Extraordinária – ART. 1.238 CC (bem imóvel) e ART. 1.261 CC (bem móvel)
– Bens imóveis
Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
Aqui temos como requisitos o tempo e a posse.
É necessário que a posse seja exercida por 15 anos sem interrupção ou oposição, e esse lapso temporal maior decorre justamente da inexigibilidade do justo título.
Existe a possibilidade desse tempo ser reduzido?
A resposta é sim!
O prazo estabelecido em lei poderá ser reduzido para 10 anos se o possuidor tiver estabelecido moradia na propriedade ou tiver realizado obras significativas.
– Bens móveis
Art. 1.261. Se a posse da coisa móvel se prolongar por cinco anos, produzirá usucapião, independentemente de título ou boa-fé.
Mantemos os requisitos acima citados, no entanto, o ponto chave, a diferença, está justamente no lapso temporal, sendo necessário nesse caso que a posse sem interrupção seja exercida por 05 anos.
Usucapião ordinária – ART. 1.242 CC (bens imóveis) e ART. 1.260 CC (bens móveis)
– Bens imóveis
Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.
Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.
Já nesta modalidade, a posse deve ser exercida pelo prazo de 10 anos ininterruptos, seguidos da necessidade de justo título e boa-fé.
Como explicado no início dessa apresentação, o justo título é entendido como todo e qualquer ato jurídico hábil, em tese, a transferir a propriedade, independente de registro.
Mas e a boa-fé?
A necessidade da boa-fé subjetiva é entendida como um “desconhecimento” da realidade, que faz com que o sujeito entenda que ele está sim exercendo a propriedade sobre determinado bem e não em situação diversa.
Ainda sim esse tempo pode ser reduzido?
Sim!
O prazo poderá ser reduzido para 05 anos caso o local seja a moradia do possuidor ou se algum investimento econômico ou social tenha sido feito do local.
– Bens móveis
Art. 1.260. Aquele que possuir coisa móvel como sua, contínua e incontestadamente durante três anos, com justo título e boa-fé, adquirir-lhe-á a propriedade.
Novamente mantemos os requisitos acima citados, com a diferença presente no lapso temporal, ou seja, junto do justo título e da boa-fé, a posse deve ser exercida pelo prazo de 03 anos sem interrupção.
Usucapião especial urbana – ART. 183 CF e ART. 1.240 CC
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
- 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
- 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
- 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
Com previsão na Constituição Federal, visando salvaguardar o princípio da função social da propriedade, essa modalidade é permitida desde que a posse ininterrupta seja exercida pelo prazo de 05 anos sobre uma área urbana de até 250m², que a moradia seja da família e desde que o possuidor não seja proprietário de nenhum outro imóvel.
Observação: apesar da moradia ser “da família”, a concessão será feita independente do estado civil dos requerentes, ou seja, não necessita de casamento ou união estável.
Usucapião especial urbana coletiva – ART. 10 da lei 10.257/01 Estatuto da Cidade
Art. 10. Os núcleos urbanos informais existentes sem oposição há mais de cinco anos e cuja área total dividida pelo número de possuidores seja inferior a duzentos e cinquenta metros quadrados por possuidor são suscetíveis de serem usucapidos coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
Voltada para a população de baixa renda, estabelece esta modalidade que a posse ininterrupta deve ser exercida pelo prazo de 05 anos, em espaços superiores a 250m², sendo o imóvel voltado ainda para moradia e de modo que não seja possível identificar os terrenos ocupados por cada um dos possuidores, lembrando que estes não podem ser proprietários de nenhum outro imóvel.
Usucapião especial rural – ART. 191 CF
Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.
Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
Ainda na mesma linha de raciocínio das modalidades anteriormente apresentadas, tratando agora de ambientes rurais, é necessário que a posse ininterrupta seja exercida também pelo prazo de 05 anos, desde que o espaço possua no máximo 50 hectares, e que tal bem seja transformado na moradia do possuidor, bem como em um local produtivo.
Lembrando a exigência de não ser proprietário de nenhum outro imóvel, rural ou urbano.
Usucapião especial familiar – ART. 1.240-A CC
Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade dívida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
Essa modalidade é específica para possuidores que vivem em um imóvel de até 250m², que até então era dividido com ex-cônjuge ou ex-companheiro que tenha abandonado o lar.
O prazo necessário é que exerça a posse ininterrupta e sem oposição por 02 anos.
Observação: é necessário que seja caracterizado o abandono do lar!
Agora que você conhece um pouco mais sobre essa forma de adquirir uma propriedade, observe como realizar a solicitação.
Como devo solicitar a usucapião?
Conforme dito anteriormente, a usucapião é uma “ferramenta” para regularizar imóveis, guarde isso.
É possível realizar a solicitação pela via extrajudicial, ou seja, diretamente no cartório, no entanto, não é o suficiente para a resolução dos problemas relacionados à prática, pois é preciso que não haja nenhum litígio ou disputa, ter todos os documentos, no geral, apesar de parecer um procedimento “fácil”, não é, sendo imprescindível a presença de um advogado especialista para te auxiliar.
Desse modo, a via judicial torna-se a mais viável e que melhor se adequa para que haja a regularização do bem.
Assim, para dar entrada na ação de usucapião são necessários alguns documentos, tais como:
- Certidão de IPTU do imóvel, retirada no Registro de imóveis;
- Documentos pessoais;
- Documentos que comprovem quanto tempo você exerce a posse do imóvel, como por exemplo: contas de luz, água, correspondências;
- Com o auxílio de um advogado, para comprovar que a posse é mansa e pacífica, emitir certidões de que você nunca foi processado por estar na propriedade.
Entre outros que se adequarão ao caso concreto.
Conclusão
Em suma, para concluir a respeito do assunto de usucapião, vimos que é uma forma de regulamentar o imóvel, de estabelecer uma função social para a propriedade.
Devendo se atentar a posse sem interrupção e sem oposição, por um tempo determinado, com o devido preenchimento dos requisitos previstos na lei para cada modalidade.
Vale lembrar também que alguns prazos são passíveis de redução!
Fonte: Migalhas
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