Aborda se a penhora de bens do executado que falece no curso da execução fiscal pode ser efetivado no curso do executivo ou por penhora no rosto dos autos do processo de Inventário
Venho abordar neste artigo tema que considerava até pouco tempo bastante nebuloso – hoje a Jurisprudência é robusta e quase uníssona – acerca da hipótese em que ajuizada execução fiscal, havendo o falecimento do devedor antes de satisfeita a obrigação e extinta a execução, como ocorreria a satisfação da dívida exequenda; se, por penhora no rosto dos autos do processo de Inventário ou na própria execução fiscal com a penhora direta sobre os bens do acervo hereditário.
Antes de adentrar a questão posta sob estudo, entretanto, interessante abordar alguns institutos jurídicos necessários à sua melhor elucidação.
Com a morte, considera-se aberta a sucessão, surge o direito hereditário e se opera a substituição do morto por seus sucessores a título universal nas relações jurídicas em que figurava.
No momento do falecimento, há a transferência imediata dos bens do de cujus para os herdeiros e/ou/sucessores (art.1784, do CC) [1]. Contudo, a herança responde por eventual obrigação deixada pelo falecido e é do espólio a legitimidade passiva para integrar a lide.
Assim, após a morte do devedor no curso da ação executiva fiscal, haverá o redirecionamento para o espólio do executado, o qual substituirá o de cujus no polo passivo da demanda.
A despeito disso, onde serão excutidos os bens para a satisfação da dívida tributária em cobro? – na própria execução fiscal ou no rosto do processo de Inventário?
A dúvida acerca do tema advém da força atrativa do Juízo Universal do Inventário que chama para si as questões de fato e de direito referentes à herança – e aí está a resposta da questão.
A referida força atrativa restringe-se às ações e incidentes diretamente ligados à herança, ou seja, quando há conexão da causa com o deslinde do processo sucessório.
No exemplo posto no presente artigo, contudo, tratando-se de cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública não há sujeição a concurso de credores, habilitação em falência, concordata, liquidação, inventário ou arrolamento. É o que diz o art.29, da Lei 6.830/80 [2].
Colho a respeito Ementa da Lavra do Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES, AI 5007212-37.2020.4.04.000/SC, segundo a qual “É cabível a penhora de bem específico do espólio em execução fiscal, tendo em vista que, nos termos do art. 29, da Lei n. 6.830/80, a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, liquidação, inventário ou arrolamento.” [3]
A despeito de instaurado o Inventário dos bens do espólio, a execução fiscal continua seu curso com penhora sobre bem específico do próprio espólio, sem a necessidade de a Fazenda Pública habilitar seu crédito no Juízo do Inventário.
O art. 30, da Lei de Execução Fiscal – Lei 6.830/80 não deixa dúvidas a respeito da possibilidade de penhora de bens específicos do espólio nos próprios autos do executivo fiscal. Vejamos:
Art.30.“Sem prejuízo dos privilégios especiais sobre determinados bens, que sejam previstos em lei, responde pelo pagamento da Divida Ativa da Fazenda Pública a totalidade dos bens e das rendas, de qualquer origem ou natureza, do sujeito passivo, seu espólio ou sua massa, inclusive os gravados por ônus real ou cláusula de inalienabilidade ou impenhorabilidade, seja qual for a data da constituição do ônus ou da cláusula, excetuados unicamente os bens e rendas que a lei declara absolutamente impenhoráveis.” (grifo nosso)
O art. 1.997, do CC, da mesma forma, explicita que como a herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido, cabe a penhora direta dos bens do espólio. [4]
Quando a dívida, por outro lado, é contraída pelo espólio, a penhora deve ser realizada no rosto dos autos, na forma do art. 860 do CPC, suspendendo-se os atos de execução até que realizada a partilha dos bens. [5]
Interessante observar que o espólio é legítimo para figurar no polo passivo de ação de cobrança e/ou execução ainda que o Inventário não esteja aberto. Isto porque, enquanto não há individualização da quota pertencente a cada herdeiro, com a consecução da partilha, é a herança que responde pelas obrigações contraídas pelo morto.
Nessa perspectiva, o espólio que também pode ser conceituado como a universalidade de bens deixada pelo falecido, assume, por expressa determinação legal, o viés jurídico-formal, que lhe confere legitimidade ad causam para demandar e ser demandado em todas aquelas ações em que o de cujus integraria o pólo ativo ou passivo da demanda, se vivo fosse. De modo que enquanto não partilhados os bens, é a herança que responde por eventual obrigação deixada pelo morto e é o espólio, como parte formal, que detém legitimidade passiva ad causam para integrar a lide. O espólio será parte e o inventariante, o representante processual do espólio.
Mas como não foi aberto o Inventário também inexiste inventariante, e agora?
O art.1797, do CC, assim, estatui:
Art. 1.797. Até o compromisso do inventariante, a administração da herança caberá, sucessivamente:
I – ao cônjuge ou companheiro, se com o outro convivia ao tempo da abertura da sucessão;
II – ao herdeiro que estiver na posse e administração dos bens, e, se houver mais de um nessas condições, ao mais velho;
III – ao testamenteiro;
IV – a pessoa de confiança do juiz, na falta ou escusa das indicadas nos incisos antecedentes, ou quando tiverem de ser afastadas por motivo grave levado ao conhecimento do juiz.
Assim, o executado faleceu no decorrer da execução fiscal, entretanto, não foi instaurado o Inventário. Já se sabe que o espólio substituirá o de cujus. Mas, quem representará o espólio processualmente no feito?
Consoante visto acima, o espólio será representado pelo cônjuge ou companheiro, se estivessem convivendo ao tempo da abertura da sucessão, ou seja, na data do óbito.
Não havendo ninguém da classe acima, a representação caberá ao herdeiro que estiver na posse e administração dos bens. Havendo mais de um, o mais velho será o representante.
Não havendo as pessoas indicadas nas classes acima, o testamenteiro representará processualmente o espólio.
E, por último, na ausência das classes acima, havendo sua escusa, ou se foram elas afastadas por motivo grave de conhecimento do juiz, este deverá indicar pessoa da sua confiança.
Acompanhando o dispositivo legal acima, trago Ementa do STJ que bem decidiu a questão: [6]
EMENTA
RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE COBRANÇA PROMOVIDA EM FACE DO ESPÓLIO DO DE CUJUS – EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO, PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS, EM FACE DA ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM – REFORMA – NECESSIDADE – ESPÓLIO – LEGITIMIDADE AD CAUSAM PARA DEMANDAR E SER DEMANDADO EM TODAS AQUELAS AÇÕES EM QUE O DE CUJUS INTEGRARIA O PÓLO ATIVO OU PASSIVO DA DEMANDA, SE VIVO FOSSE (SALVO, EXPRESSA DISPOSIÇÃO LEGAL EM CONTRÁRIO – PRECEDENTE) – RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
(…)
III – Pode-se concluir que o fato de inexistir, até o momento da prolação do acórdão recorrido, inventário aberto (e, portanto, inventariante nomeado), não faz dos herdeiros, individualmente considerados, partes legítimas para responder pela obrigação, objeto da ação de cobrança, pois, como assinalado, enquanto não há partilha, é a herança que responde por eventual obrigação deixada pelo de cujus e é o espólio, como parte formal, que detém legitimidade passiva ad causam para integrar a lide;
IV -Na espécie, por tudo o que se expôs, revela-se absolutamente correta a promoção da ação de cobrança em face do espólio, representado pelo cônjuge supérstite, que, nessa qualidade, detém, preferencialmente, a administração, de fato, dos bens do de cujus, conforme dispõe o artigo 1797 do Código Civil;
(…) (grifo nosso)
CONCLUSÃO
Resolvendo a questão, pode-se concluir que falecendo o executado no curso de execução fiscal – ou execução comum, o processo será suspenso para que o exequente regularize o polo passivo da demanda [7], com a substituição do executado pelo seu espólio (art.110, do CPC) [8], o qual será representado processualmente pelo Inventariante – aberto o inventário – ou pelo seu cônjuge superstite /herdeiros, caso inexista processo de Inventário. Com a regularização da relação processual, o espólio deverá ser citado na pessoa do seu representante legal. A partir daí, a execução seguirá seu curso normal para a satisfação do crédito exequendo sem necessidade de penhora no rosto dos autos do Inventário, uma vez que os bens do espólio podem ser constritos nos autos da própria ação executiva.
Referências
[1] Art. 1.784. CC. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.
[2] Art. 29. Lei 6.830/80 – A cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, liquidação, inventário ou arrolamento.
[3] Ementa da Lavra do Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES, AI 5007212-37.2020.4.04.000/SC
[4] Art. 1.997. Código Civil: A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube.
[5] Art. 860. CPC Quando o direito estiver sendo pleiteado em juízo, a penhora que recair sobre ele será averbada, com destaque, nos autos pertinentes ao direito e na ação correspondente à penhora, a fim de que esta seja efetivada nos bens que forem adjudicados ou que vierem a caber ao executado.
[6] RECURSO ESPECIAL Nº 1.125.510 – RS (2009/0131588-0) RELATOR : MINISTRO MASSAMI UYEDA
[7] Art.313. §2º, I. CPC. – falecido o réu, ordenará a intimação do autor para que promova a citação do respectivo espólio, de quem for o sucessor ou, se for o caso, dos herdeiros, no prazo que designar, de no mínimo 2 (dois) e no máximo 6 (seis) meses;
[8] Art. 110. CPC. Ocorrendo a morte de qualquer das partes, dar-se-á a sucessão pelo seu espólio ou pelos seus sucessores, observado o disposto no art. 313, §§ 1º e 2º .
Fonte: DireitoNet
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