Decisão da Corte deverá ser seguida pelos tribunais estaduais do país

 

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) começou a julgar hoje se deve ser aplicado o Código de Defesa do Consumidor (CDC) no caso de inadimplência que leva a resolução de contrato de compra e venda de imóvel com cláusula de alienação fiduciária em garantia – financiamento. Na prática, a depender da norma aplicada, o comprador consegue ou não reaver o valor pago antes de ficar sem o bem.

 

O tema é analisado pela 2ª Seção da Corte em recurso repetitivo. Isso significa que a decisão deverá ser seguida pelos tribunais estaduais do país. Por enquanto, votou apenas o relator, ministro Marco Buzzi, pela aplicação da Lei nº 9.514, de 1997, que impede a devolução de valores.

 

O recurso foi proposto pela Living Barbacena Empreendimentos Imobiliários para reverter decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) favorável a compradores de um imóvel que se tornaram inadimplentes. Uma “ação de restituição de quantia paga” foi proposta na justiça paulista pelos compradores.

 

O bem imóvel, objeto da compra e venda, é um apartamento localizado em São Bernardo do Campo (SP). Na aquisição foi celebrado contrato de compra e venda de bem imóvel com pacto de alienação fiduciária em garantia, conforme escritura pública.

 

Os compradores pagaram parte do valor financiado mas, por problemas financeiros, não conseguiram arcar com as demais parcelas. A Living tomou o apartamento e não restituiu o valor de R$ 128.573,16 que já havia sido pago.

 

A decisão do TJSP obriga a empresa a devolver 90% dos valores pagos, devidamente corrigidos. O artigo 53 do CDC determina que nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, como nas alienações fiduciárias em garantia, são nulas as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.

 

A empresa alega que o CDC não se aplica ao caso. Na sustentação oral no STJ, o advogado da Living Barbacena, Fernando Torreão, alegou que deve ser aplicada na resolução de contratos com garantia fiduciária a Lei 9.514 e não o CDC.

 

Contexto

 

Mais de 92% dos financiamentos imobiliários foram garantidos por alienação fiduciária em 2020, segundo informou na sustentação oral o advogado da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), o amicus curiae (parte interessada) Osmar Paixão Cortes.

 

O advogado Melhim Chalhub, representante da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), outra parte interessada, afirmou que os números indicam a expansão do crédito imobiliário e da garantia fiduciária a partir da regulamentação da alienação fiduciária de bens imóveis. No fim da década de 90, havia 70 mil empréstimos fiduciários e se chegou a 1,250 milhão recentemente. Além disso, de 2001 a 2021 a participação do setor no PIB passou de 1,9% para 9%, segundo o advogado.

 

Já o advogado dos adquirentes do imóvel, Eduardo Luiz Sampaio da Silva, afirmou que eles pagaram mais de 50% do valor do imóvel e o bem foi alienado e vendido depois de um ano. “A empresa recebeu 50% e vendeu depois de um ano pelo valor integral, isso nos incomoda”, afirma o advogado, citando enriquecimento ilícito e que o CDC prevalece sobre todas as normas com as quais colidir.

 

O advogado do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), também amicus curiae na ação, Walter Moura, reforçou que a empresa vendeu o imóvel e ganhou duas vezes. “A relação entre o vulnerável e a instituição financeira deve ser vista caso a caso para se apurar se houve abusividade ou não”, afirmou.

 

Voto

 

O ponto central no caso é examinar a prevalência do CDC na hipótese de resolução do contrato de compra e venda de bem imóvel com cláusula de alienação fiduciária, segundo o relator da ação no STJ, ministro Marco Buzzi. Não se questiona eventual ilegalidade do procedimento de execução extrajudicial — esse tema será analisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), segundo o ministro.

 

O relator ainda afirmou no voto que os autores só terão o direito de receber qualquer quantia se, efetivado leilão público de arrematação do imóvel, houver saldo a seu favor. O legislador buscou evitar o enriquecimento ilícito na alienação fiduciária, segundo o ministro. Não basta o não pagamento da prestação para haver inadimplência, mas também conduta do devedor que possa ser interpretada como princípio de inadimplência.

 

O relator sugeriu a seguinte tese: “Em contrato de compra e venda de imóvel com garantia de alienação fiduciária registrada em cartório, a resolução do pacto na hipótese de inadimplemento do devedor devidamente constituído em mora deverá observar a forma da Lei nº 9.514, de 2017, por se tratar de legislação específica afastando-se a aplicação do Código de Defesa do Consumidor”.

 

Ainda segundo o relator, no afastamento do CDC após a resolução do contrato há que se averiguar a presença de requisitos próprios da lei especial: registro do contrato no cartório de imóvel com cláusula de alienação fiduciária, inadimplemento do devedor e constituição em mora. Sem essas circunstâncias a tese não deverá ser aplicada. Se inexistente a falta de pagamento, a solução do contrato não seguirá a Lei 9.514, podendo seguir a lei civil ou o CDC.

 

Na sequência, o julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

 

Fonte: Valor Econômico

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