O trabalho define o papel do indivíduo no meio social, ele tem potencial para gerar resultados significativos, econômica e emocionalmente e assim moldar a vida de um ser humano.

 

Em regra, na atualidade, as formas de trabalho no sistema de livre mercado são penosas, cansativas e causadoras de sofrimento e angústia.

 

Por outro lado, coexistem neste sistema liberal formas de levar a vida na qual os frutos e resultados do trabalho podem inebriar, satifazer o ego, impulsos e instintos primitivos e, em uma contradição aparente – rara e difícil de acontecer – o trabalho também tem potencial para viciar.

 

Exemplifico as afirmações com a apresentação de duas diferentes maneiras de considerar o trabalho, implícitas em Peça Publicitária e Tira de Quadrinhos a seguir reproduzidas:

 

https://www.brasil247.com/midia/secom-de-bolsonaro-usa-frase-simbolo-do-campo-de-concentracao-de-auschwitz-em-propaganda-do-governo

 

https://acervo.folha.uol.com.br/digital/leitor.do?numero=50221&maxTouch=0&anchor=6474542&pd=2112b00cbfc43b6a9aee567efa008ad6

 

O objeto deste texto limita-se a comentar acerca do quadrinho acima reproduzido e publicado pela Folha de São Paulo, com abstenção da análise e comentário sobre a triste realidade vivenciada nos campos de trabalho forçado que existiram na Europa em meados do Século XX.

 

Como tabelião de Notas, o autor destas linhas, titular de delegação por aprovação em concurso público (e que por natureza, não é mais do que um Escrevente atuando na direção, gerencia e administração de um cartório) não se sentiu lisonjeado pela piada ilustrada na “tira de quadrinho”, mas também não se sentiu ofendido.

 

Em seu entender, o quadrinista talvez pretendesse ilustrar a sua tirinha com a expressão “cargo em repartição pública” e não, própria e especificamente limitar-se a profissional específico: “escrevente em cartório”.

 

Na medida em que o universo dos funcionários públicos é muito maior e expressivo do que o relativamente pequeno número de escreventes que atuam em cartórios, entendo que tenha sido realmente prudente limitar a possibilidade de ofensa (e eventual problema que tal afirmação poderia causar) ao reduzido contingente dos escreventes de cartório.

 

Para quem não tem familiaridade com a realidade dos escreventes e dos cartórios, interessante explicar: são oficialmente denominados “cartórios” as repartições do Poder Judiciário que cuidam da recepção, tramitação, conservação e tudo o mais que se relaciona com os Processos Judiciais. Em outros termos, é pela atividade que se exerce no cartório judicial que se realiza, na prática, a Justiça conforme decidem os juízes.

 

Os funcionários públicos que exercem sua função em tais cartórios são os escreventes (não esquecer que existem também os estagiários, auxiliares e escrivães que igualmente trabalham nestas repartições)

 

Para ingressar na atividade deste tipo especial de cartório, necessária a aprovação em concurso público e, uma vez aprovada, a pessoa torna-se titular do um cargo público, cuja denominação é Escrevente Tecnico Judiciário.

 

Mas, diferentemente deste cartório judicial existem outras repartições da administração pública que são conhecidas pela mesma denominação.

 

Estes é que são os cartórios conhecidos do grande público; eles não estão instalados nos Fóruns ou Palácio da Justiça, mas nas vias públicas de todos os municípios do País. Os Cartórios de Registro Civil e de Registro de Imóveis assim comos os Cartórios de Protesto e os Tabelionatos de Notas, são os mais conhecidos exemplos de Cartórios mas nem são os únicos que existem.

 

Estas repartições do Serviço Público, no Brasil e na grande maiorias dos páises, não são geridas e administradas por funcionários públicos que recebem seus salários por verbas retiradas do orçamento público. Na realidade estes cartórios conhecidos do grande público não são repartições públicas, são qualificados e denominados de uma forma singular: Serviço Público Delegado.

 

Mal comparando, estes Cartórios mais se parecem com Concessionárias que Administram Rodovias e cobram pedágio para cobrir os seus custos operacionais do que com Cartórios Judiciais, ou repartições públicas presentes na estrutura de organização dos poderes e órgãos do Estado.

 

Neste cartórios, também conhecidos com Cartórios Extrajudiciais, são realizados Registros relacionados às pessoas, seus bens e direitos (na forma do artigo 236 da Constituição Federal e Lei 8935/94, seu regulamento); neles o atendimento ao público, se não realizado diretamente pelo titular da delegação pública, o Oficial Registrador ou o Tabelião, é feito por escreventes e auxiliares, considerados representantes do titular que os contrata sob o regime da CLT.

 

Os escreventes, como prepostos ou representantes dos titulares, não são concursados e não gozam da estabilidade atribuída aos funcionários públicos; a garantia da sua relação de tabalho depende da confiança plena do empregador que os contratou.

 

Escrevente de cartório, que não tem estabilidade no emprego, evidentemente não precisa ser viciado em trabalho, mas precisa ser competente e dedicado, pois se assim não for, certamente será demitido de seu cargo e função.

 

Resumindo a história: se uma pessoa for escrevente em cartório, de Registro Civil ou Tabelionato, por exemplo, e compreender a importância e o valor de seu trabalho é perfeitamente possível que se torne um viciado em trabalho (conforme afirmado no início, é difícil, mas acontece!), entretanto este tipo de trabalho não pode ser considerado como o melhor remédio para quem tenha predisposição ou tendência para comportamentos compulsivos ou viciosos e que venha a buscar em um tipo especial de trabalho a solução para esta tendência de comportamento.

 

Aos escreventes dos milhares de cartórios do Brasil um recado: não se irritem com o quadrinhista Caco Galhardo.

 

Ao tomar uma parte como representação do todo, ele se confundiu com a realidade. O fato é que, à grande maioria dos escreventes de cartório (e também dos funcionários públicos em geral) não seria aplicável o veredito do personagem retratado naquele quadrinho de humor.

 

Afinal, não se pode ignorar que todas as formas de humor contem uma pitada de preconceito e valorização de estereótipos. Assim não fosse, não haveria graça na maioria delas.

 

(Marco Antonio de Oliveira Camargo – Oficial de Registro Civil e Tabelião de Notas, em Sousas – Campinas – SP – texto concluído em 23 de março de 2023)

 

Fonte: CNB/SP

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