O STJ (Superior Tribunal de Justiça) entalhou em 2021 por meio do Recurso em Mandado de Segurança nº 67.005-DF (2021/0237523-0) [1], sob relatoria do ministro Sergio Kukina que não é obrigatória a escritura pública na cessão de precatórios.

 

Prefacialmente cabe ressaltar que a ratio decidendi trilhou a excepcionalidade da regra geral do artigo 107 do Código Civil, ao contemplar que a forma especial apenas será exigida nos casos expressos da lei, o que não realmente não ocorre no caso acima, ou pelo menos não ocorria até a edição de recentes atos normativos da Advocacia Geral da União (AGU) e da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN).

 

A segurança concedida foi contra a obrigatoriedade de escritura pública exigida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e PGDF nas instrumentalizações de cessões de precatórios. Aliás, o site da Procuradoria Geral do Distrito Federal continua exigindo a fé pública inerente dos atos notariais ao atestar que a transferência ao cessionário se concretizará com a juntada do instrumento público.

 

Antes de adentrarmos no tema propriamente dito, cabe uma breve introdução a respeito da complexa e constitucional temática, respeitando os limites do escopo deste artigo informativo, sem a expectativa de enfrentar o tema de forma exauriente.

 

Assim, a premissa para intelecção do tema é entender o que é um precatório. Em verdade, trata-se de um pronunciamento judicial transitado em julgado, por meio do qual se cobra um débito do Poder Público.

 

De acordo com artigo 100, caput, da Constituição, os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas federal, estaduais, distrital e municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para esse fim.

 

Esses pagamentos devidos, segundo Kiyoshi Harada [2]: “… são requisitados pelo Presidente do Tribunal que proferiu a decisão exequenda, por meio de precatório que é inserido pela entidade política devedora, na ordem cronológica de apresentação”.

 

Nesse contexto, a Emenda Constitucional nº 113/2021 inclui o §11 do artigo 100 da Constituição possibilitou uma espécie de compensação tributária imediata, que não precisa aguardar a ordem da lista de pagamentos, com uma natureza de amortização — entre o credor do precatório e o ente público:

 

“§11. É facultada ao credor, conforme estabelecido em lei do ente federativo devedor, com auto aplicabilidade para a União, a oferta de créditos líquidos e certos que originalmente lhe são próprios ou adquiridos de terceiros reconhecidos pelo ente federativo ou por decisão judicial transitada em julgado para:

I – quitação de débitos parcelados ou débitos inscritos em dívida ativa do ente federativo devedor, inclusive em transação resolutiva de litígio, e, subsidiariamente, débitos com a administração autárquica e fundacional do mesmo ente;

II – compra de imóveis públicos de propriedade do mesmo ente disponibilizados para venda;

III – pagamento de outorga de delegações de serviços públicos e demais espécies de concessão negocial promovidas pelo mesmo ente;

IV – aquisição, inclusive minoritária, de participação societária, disponibilizada para venda, do respectivo ente federativo; ou

V – compra de direitos, disponibilizados para cessão, do respectivo ente federativo, inclusive, no caso da União, da antecipação de valores a serem recebidos a título do excedente em óleo em contratos de partilha de petróleo.”

 

A alteração constitucional cuidou de ampliar as possibilidades de utilização do precatório, sem afastar a possibilidade da cessão para terceiros, numa sistemática que possibilita uma satisfação imediata, sem aguardar a ordem de pagamentos.

 

Em que pesem as severas críticas sobre esse sistema de “pagamentos”, devemos sempre refletir que o precatório não é apenas mais uma ação transitada em julgado, mas sim é necessário sensibilidade para entender que há provavelmente um direito fundamental que o originou, que certamente foi discutido durante vários anos no assoberbado Poder Judiciário, para só depois ter uma decisão procedente a favor do credor, que não poderá comemorar ainda, pois deverá aguardar mais uma lenta lista cronológica de ordem de pagamentos.

 

Importante notar que a cessão de direitos dos precatórios antecipa o bem da vida ao cedente, ainda que os terceiros recebam um ágio pela antecipação do crédito. Independentemente das opiniões sobre a sistemática, o fato é que há inúmeros negócios jurídicos desse tipo e o Estado deve tutelar esse jurisdicionado que tanto sofreu e ainda sofre em ter seu direito “virtual” tornado real, concreto e efetivo, correndo riscos de fraudes nessas instrumentalizações.

 

Com esse fim, a AGU, por meio de algumas Portarias, vem regulamentando a matéria, notadamente a Portaria Normativa AGU nº 73, de 12 de dezembro 2022 [3], responsável por dispor sobre os requisitos formais, a documentação necessária, a possibilidade de exigência de prestação de garantias e o procedimento a ser observado pelos órgãos da Advocacia-Geral da União e pela administração pública direta, autárquica e fundacional, de oferta de créditos líquidos e certos, decorrentes de decisão judicial transitada em julgado, para fins do art. 100, §11, da Constituição.

 

Com efeito, a mencionada Portaria, no artigo 4º, possibilitou que o credor interessado em utilizar precatórios para os fins de compensação tributária, compra de imóveis públicos, dentre outras possibilidades, dirigirá o requerimento de liquidação de débitos, preferencialmente por meio eletrônico, ao órgão ou à entidade detentora do ativo, apresentando um rol mínimo de documentos [4].

 

Ocorre que, caso haja cessão de precatórios, só será válida a sua transferência caso formalizada por escritura pública, isso porque a referida Portaria obrigou o uso da escritura pública na hipótese de apresentação de oferta de crédito em nome de terceiro (§1º do artigo 4º).

 

Em aperta síntese, a Portaria possibilitou um atalho aos contribuintes que possuem direitos creditórios em processos contra a União e os que aguardam o recebimento de precatórios federais. Ademais, trouxe como essencialidade a escritura pública nesses casos, aumentando a segurança jurídica, baseada na prudência notarial e na própria fé pública inerente ao sistema extrajudicial.

 

Nesse contexto de segurança por meio da escritura pública, vale lembrar reflexão de Joaquim de Oliveira Machado: “O tabelião é o inestimável antídoto da demanda” [5]. Corrobora-se com esse entendimento ainda o João Mendes de Almeida Jr na qual: “… a segurança jurídica preventiva deve ser confiada a órgãos da fé pública”.

 

Outrossim, na busca da definição de escritura pública, José Augusto Guimarães Mouteira [6] define que ela se trata de um instrumento fundamental e também da maior importância prática para generalidade dos cidadãos que podem obter no ordenamento jurídico, por um módico custo, uma assessoria notarial competente, que gera uma certeza de que são cumpridas as prescrições legais e uma segurança indiscutível dos seus bens e seus direitos.

 

Além disso, podemos destacar inúmeros benefícios do instrumento público em detrimento do instrumento particular, notadamente todas as características inerentes à função notarial, como o juízo prudencial, imparcial, público e técnico, com prognóstico dos efeitos jurídicos.

 

Inquestionavelmente, uma das maiores contribuições para a sociedade e o sistema de Justiça, na formação da cessão do precatório por escritura, é a garantia do reconhecimento da identidade e da capacidade das partes e de quantos hajam comparecido ao ato, por si, como representantes, intervenientes ou testemunhas.

 

Ainda sobre a obrigatoriedade da escritura pública na cessão de precatórios, a Portaria PGFN nº 10.826, de 21 de dezembro de 2022 [7] que regulamenta, no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, os requisitos formais, a documentação necessária e os procedimentos a serem observados uniformemente para a utilização de créditos líquidos e certos decorrentes de decisões transitadas em julgado para a quitação de débitos inscritos em dívida ativa da União, na forma do artigo 100, §11, da Constituição também insculpiu o requisito no artigo 7º:

 

“§1º Admite-se a apresentação da documentação indicada no inciso II do caput em nome de terceiro, desde que acompanhada de escritura pública de promessa de compra e venda em favor do ofertante.

  • 2º No caso do parágrafo anterior, a efetiva utilização de crédito em precatório depende do prévio registro da cessão do direito, na forma regulamentada pelo Conselho Nacional de Justiça, e da subsequente apresentação da Certidão do Valor Líquido Disponível para fins de Utilização do Crédito em Precatório (CVLD) atualizada, que deve ocorrer em até 60 dias.”

 

Nesse espeque, além da escritura, houve a inclusão de um prévio registro na forma regulamentada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Aliás, essa regulamentação veio por intermédio da Resolução 482 de 19/12/2022, que alterou a Resolução 303/2019, a partir do artigo 45-A.

 

Vale ressaltar, que o Colégio Notarial do Brasil, Seção São Paulo, no Encontro Paulista de Direito Notarial Eletrônico (7/5/2022) dentre as várias medidas tecnológicas, mencionou a criação de uma Central de Escrituras de Precatórios, facilitando a consulta e maximizando a segurança jurídica das instituições envolvidas e da sociedade como um todo.

 

De outro bordo, deve ser considerada a possibilidade de o Registrador Civil das Pessoas Naturais auxiliar na emissão de uma certidão atualizada para fins específicos de pagamento e cessão de precatório, ao invés das informações do Sirc, tendo em vista que os ofícios requisitórios serão expedidos somente quando verificadas as situações de regularidade do CPF ou do CNPJ, junto à Receita Federal ou ao Sistema Nacional de Informações de Registro Civil (Sirc) (conforme regulamentação dos órgãos competentes §3º do artigo 6º da Resolução 303/2019 do CNJ).

 

Por fim, mais uma vez observamos a sapiente decisão do Estado — por meio da AGU e PGFN — em utilizar os serviços extrajudiciais, notadamente o tabelião de notas, na formalização desse ato negocial tão importante. Assim, concluímos o breve artigo:

 

1) Com os recentes atos normativos (AGU e PGFN), tornou-se obrigatória a escritura pública na cessão de precatórios, sendo medida imprescindível para circulação segura dos créditos dos precatórios.

 

2) A implementação da certidão específica para precatório, expedida pela Central do Registro Civil, que previne qualquer possível ausência das informações do repositório do Sirc.

 

3) Considerando o que já foi mencionado no Encontro Paulista de Direito Notarial Eletrônico realizado em 7/5/2022; deve ser feita a criação de uma central específica;

 

4) O Colégio Notarial do Brasil (CNB/CF) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deverão disponibilizar a Central dos Registros das Escrituras Públicas de Precatórios (Cenprec), devendo constar essa certidão no bojo do processo. Assim, mitigaremos ainda mais a conduta estelionatária de ceder o crédito mais de uma vez para terceiros diferentes e possibilitaremos mais segurança ao Poder Judiciário e os jurisdicionados.

 

Fonte: Conjur

1 Comentário

  • anderson pedroso de campos
    Postado 19/04/2023 12:22 0Likes

    Brasil, país q tudo vai pra quem tem dinheiro. Taxa de 2,5 a 5 % do precatório, quem ira pagar é o pobre do servidor q é o elo fraco. Segurança jurídica pra quem ? Segurança jurídica é a sentença dizendo q o dinheiro é meu e faço o q quiser dele, eu e o comprador chegamos a um acordo pq tenho q pagar pra um tabelião uma taxa exorbitante ? Já não bastasse a PEC vergonhosa dos precatórios q cegou o judiciário.

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