Como é notório, a herança é um bem indivisível antes da partilha, prevendo o art. 1.791 do Código Civil em vigor que a herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros. Pelo mesmo comando legal, até a partilha, o direito dos coerdeiros, quanto à propriedade e à posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio. Forma-se, então, um condomínio eventual pro indiviso em relação aos bens que integram a herança, até o momento da partilha entre os herdeiros.

Como consequência da existência desse condomínio, existem restrições ao direito do herdeiro em ceder o quinhão hereditário a outrem. Assim sendo, o caput do art. 1.793 da Lei Geral Privada consagra a possibilidade de o direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o coerdeiro, ser objeto de cessão por escritura pública, a ser lavrada perante o Tabelionato de Notas. Em complemento, o § 1º desse mesmo preceito estabelece que os direitos conferidos ao herdeiro em consequência de substituição ou de direito de acrescer presumem-se não abrangidos por eventual cessão feita anteriormente.

Para que tal cessão seja possível, obviamente, é preciso que o cedente tenha a condição de herdeiro, dizendo ela respeito herança e não à meação do cônjuge ou do convivente, não se podendo confundir os dois conceitos. Por isso, concluiu o Superior Tribunal de Justiça que “o ato para dispor da meação não se equipara à cessão de direitos hereditários, prevista no art. 1.793 do Código Civil, porque esta pressupõe a condição de herdeiro para que possa ser efetivada. Embora o art. 1.806 do Código Civil admita que a renúncia à herança possa ser efetivada por instrumento público ou termo judicial, a meação não se confunde com a herança. A renúncia da herança pressupõe a abertura da sucessão e só pode ser realizada por aqueles que ostentam a condição de herdeiro. O ato de disposição patrimonial representado pela cessão gratuita da meação em favor dos herdeiros configura uma verdadeira doação, a qual, nos termos do art. 541 do Código Civil, far-se-á por Escritura Pública ou instrumento particular, sendo que, na hipótese, deve ser adotado o instrumento público, por conta do disposto no art. 108 do Código Civil” (STJ, REsp 1.196.992/MS, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 06.08.2013, DJe 22.08.2013).

Ademais, é importante lembrar que, pelo texto expresso da lei, para a cessão exige-se a formalidade da escritura pública lavrada perante Tabelionato de Notas, que, se não preenchida, gerará a nulidade absoluta do ato, por desrespeito à forma e à solenidade, nos termos do art. 166, incisos IV e V, do Código Civil (ver: STJ, AgRg no REsp 1.416.041/RS, 3.ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 22.05.2014, DJe 09.6.2014; STJ, REsp 1.027.884/SC, 4.ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 06.08.2009, DJe 24.08.2009).

Como primeira restrição pontual e importante a esse direito de transmissão dos direitos hereditários, enuncia o § 2.º do art. 1.793 que é ineficaz a cessão, pelo coerdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente. Ilustrando, se um herdeiro vender um veículo que compõe a herança, isoladamente, tal alienação é ineficaz. Por opção do legislador, nesse caso, a venda não é nula ou anulável, mas apenas não gera efeitos.

Exatamente nessa linha, julgou o Superior Tribunal de Justiça em 2020 que “a cessão de direitos hereditários sobre bem singular, desde que celebrada por escritura pública e não envolva o direito de incapazes, não é negócio jurídico nulo, tampouco inválido, ficando apenas a sua eficácia condicionada a evento futuro e incerto, consubstanciado na efetiva atribuição do bem ao herdeiro cedente por ocasião da partilha. Se o negócio não é nulo, mas tem apenas a sua eficácia suspensa, a cessão de direitos hereditários sobre bem singular viabiliza a transmissão da posse, que pode ser objeto de tutela específica na via dos embargos de terceiro” (STJ, REsp 1.809.548/SP, 3.ª Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 19.05.2020, DJe 27.05.2020). Como se pode perceber, o aresto separa os planos da validade e da eficácia, como realmente deve ocorrer, do ponto de vista técnico.

Do mesmo modo, a lei considera ineficaz a disposição por qualquer herdeiro, sem prévia autorização do juiz da sucessão, de bem componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade (art. 1.793, § 3.º, do CC/2002). Trazendo interessante aplicação desse último comando, colaciona-se, do Tribunal do Distrito Federal:

“Agravo de Instrumento. Inventário. Direito de saisine. Transmissão da herança. Partilha. Indivisibilidade. Sub-rogação de bem. De acordo com o direito de saisine, previsto no artigo 1.784 do Código Civil, a transmissão dos bens aos herdeiros ocorre desde logo, com o falecimento de seu proprietário. Contudo, não obstante a imediata transferência da titularidade, a partilha somente ocorre em fase posterior, após a abertura do inventário e a arrecadação dos bens do falecido. Por sua vez, o artigo 1.791, caput e parágrafo único, do Código Civil, estabelece que, até a partilha, a herança é indivisível: ‘Art. 1.791. A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros. Parágrafo único. Até a partilha, o direito dos coerdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio’. O imóvel adquirido com os recursos da venda de um bem que já pertencia ao espólio passa a compor, em sub-rogação, o condomínio ainda indiviso dos herdeiros, guardadas as mesmas características do bem substituído. Não pode, portanto, ser vendido sem anuência dos demais herdeiros e autorização judicial, a teor do que dispõe o artigo 1.793, § 3.º, do Código Civil: ‘§ 3.º Ineficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade’. Agravo conhecido e não provido” (TJDF, Recurso n. 2009.00.2.003608-2, Acórdão n. 360.780, 6.ª Turma Cível, Rel. Des. Ana Maria Duarte Amarante Brito, DJDFTE 12.06.2009, p. 105).

Também como concretização prática desse § 3.º do art. 1.793 da codificação privada em vigor, julgou o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná que é ineficaz a escritura pública de compromisso de compra e venda de imóvel celebrada por um herdeiro sobre bem que compõe a massa, sem a existência de alvará judicial autorizando o correspondente negócio jurídico (TJPR, Apelação Cível n. 0863716-9, 12.ª Câmara Cível, Curitiba, Rel. Juiz Convocado Everton Luiz Penter Correa, DJPR 30.09.2013, p. 171).

Sobre esse comando, no Projeto de Reforma do Código Civil, elaborado pela Comissão de Juristas nomeada no Senado Federal, são feitas propostas para destravar a cessão de direitos hereditários, ampliando as suas possibilidades práticas na realidade brasileira.

A primeira proposição, para o caput do art. 1.793, é que ele passe a possibilitar a cessão por autorização judicial, do seguinte modo: “o direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o coerdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública ou termo judicial”. Ademais, passará a ser permitida a cessão de bem que componha uma universalidade, conjunto de bens, desde que com a concordância de todos os herdeiros, no novo § 2º: “é ineficaz a cessão, feita pelo coerdeiro, tendo por objeto bem ou direito destacados da universalidade e considerados singularmente, a não ser que todos os herdeiros sejam cessionários ou, não o sendo, tenham participado todos do instrumento de cessão, concordando com ela”.

Por fim, será também permitida pela lei a promessa de alienação de direitos hereditários, em um novo negócio ou contrato preliminar, positivado no seu § 3º: “é válida a promessa de alienação, por qualquer herdeiro, de bem integrante do acervo hereditário, mesmo pendente a indivisibilidade, mas somente será eficaz se o bem vier a ser atribuído, por partilha, ao cedente”. Não se pode negar que todas as proposições facilitam o tráfego jurídico, reduzindo burocracias, merecendo aprovação imediata pelo Parlamento Brasileiro.

Voltando-se ao sistema vigente, outra importante regra a respeito da cessão de direitos hereditários, limitando a autonomia privada, consta do art. 1.794 do Código Civil, pelo qual o coerdeiro não poderá ceder a sua quota hereditária a pessoa estranha à sucessão, se outro coerdeiro a quiser, tanto por tanto. A norma consagra um direito de preempção, preferência ou prelação legal a favor do herdeiro condômino.

Se o coerdeiro for preterido em tal direito, poderá, depositado o preço, haver para si a quota cedida a estranho (art. 1.795 do CC/2002). Tal preterição está presente quando um dos herdeiros transmite os seus direitos a terceiros, sem notificar o condômino-coerdeiro para que se manifeste, em prazo razoável, sobre o interesse em adquirir o bem transmitido. Em tal notificação, judicial ou extrajudicial, devem constar todos os dados fundamentais a respeito da cessão, como o preço e as condições de pagamento, o que representa a aplicação do princípio da boa-fé objetiva para o negócio jurídico em questão.

Nos termos da última norma, essa ação de adjudicação ou ação de preferência está sujeita ao prazo decadencial de cento e oitenta dias, a contar da transmissão do bem. Diante da valorização da boa-fé objetiva, defendo que o prazo pode ser eventualmente contado da ciência da realização da alienação e não da alienação em si. Concluindo desse modo, da jurisprudência estadual, somente para ilustrar:

“AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEFICÁCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO. VENDA DE QUINHÃO HEREDITÁRIO. DIREITO DE PREFERÊNCIA. Terreno sem benfeitoria deixado pelo pai do coautor e da corré. Após negociação entre os demais herdeiros, o coautor e a corré passaram a ser titulares de 50% do terreno, cada um. Corré que vendeu seu quinhão hereditário a terceiro, sem dar ao coerdeiro o direito de preferência, em afronta aos arts. 1.794 e 1.795, ambos do Código Civil. Coautor que só teve conhecimento da venda ao ser procurado pelo comprador para regularizar a documentação. Ajuizamento da ação em menos de 180 dias da ciência do negócio, o que afasta a arguição de decadência. Prova oral que em nada favoreceu à corré. Por outro lado, as testemunhas dos autores e também do Juízo, ratificaram que a corré não deu ciência aos demais irmãos de que pretendia vender sua cota parte do terreno. Direito de preferência do coerdeiro desrespeitado. Depósito nos autos do valor atualizado do negócio, que afasta a necessidade de avaliação e autoriza reconhecer aos autores o direito de preferência, com a consequente adjudicação do bem em seu favor. Litigância de má-fé da autora. Alteração da verdade dos fatos. Depoimento em juízo, do próprio comprador do imóvel, ora corréu, que confirmou o negócio e o pagamento do preço. Penalidade bem aplicada na sentença, que fica mantida na íntegra. Honorários recursais devidos. PREJUDICIAL DE MÉRITO AFASTADA. RECURSO DESPROVIDO” (TJSP, Apelação Cível n. 1000082-34.2018.8.26.0341, Acórdão n. 14207374, Maracaí, 9.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Angela Lopes, j. 01.12.2020, DJESP 11.12.2020, p. 2356).

“Direito civil. Cessão de direitos hereditários. Direito de preferência. Inobservância. Demais herdeiros. Prazo decadencial para o exercício. A Cessão de direitos hereditários, sem a observância do direito de preferência dos demais herdeiros, encontra óbice no art. 1.795 do Código Civil/2002, que prescreve que ‘o coerdeiro, a quem não se der conhecimento da cessão, poderá, depositado o preço, haver para si a quota cedida a estranho, se o requerer até 180 (cento e oitenta) dias após a transmissão’. O prazo decadencial imposto ao coerdeiro prejudicado conta-se a partir da transmissão, contudo, será contado apenas da sua ciência acerca do negócio jurídico quando não é seguida a formalidade legal imposta pelo art. 1.793 do CC e a transmissão não se dá por escritura pública” (TJMG, Apelação Cível n. 1.0251.07.021397-9/0011, 11.ª Câmara Cível, Extrema, Rel. Des. Fernando Caldeira Brant, j. 08.07.2009, DJEMG 20.07.2009).

Em complemento, sendo vários os coerdeiros a exercerem a preferência legal, entre eles se distribuirá o quinhão cedido, na proporção das respectivas quotas hereditárias (art. 1.795, parágrafo único, do CC/2002). Assim, uma eventual ação de preferência proposta por um dos herdeiros a todos beneficiará, na proporção de suas participações na herança. A lei não estabelece critérios para beneficiar um ou outro condômino – como, aliás, determina o parágrafo único do art. 504 do CC/2002 a respeito da venda de coisa em condomínio, em geral -, trazendo uma solução que beneficia a todos os envolvidos.

O atual Projeto de Reforma do Código Civil, em boa hora, pretende deixar mais claro o início desse prazo decadencial do art. 1.795, retirando-se do sistema o atual parágrafo único e remetendo a situação de pluralidade dos condôminos para a regra prevista no parágrafo único do art. 504, equalizando-se o tratamento da matéria, trazendo maior coerência para o sistema civil.

Nesse contexto, o caput do seu art. 1.795 preverá que “o coerdeiro, a quem não se der conhecimento da cessão, poderá, depositado o preço atualizado monetariamente, haver para si a quota cedida a estranho, se o requerer até cento e oitenta dias após a transmissão”. E, nos termos do seu novo parágrafo único, “o prazo para o exercício do direito de preferência previsto no caput é decadencial de cento e oitenta dias, a contar do registro da cessão ou da sua ciência, o que ocorrer primeiro”.

Esse critério de início do prazo foi adotado em outras propostas da reforma, elaboradas pela Comissão de Juristas, trazendo maior estabilidade para a sua aplicação concreta, afastando-se debates desnecessários, como muitos que foram travados nos mais de vinte anos de vigência da atual legislação privada. Aguarda-se, portanto e novamente, a sua aprovação pelo Congresso Nacional, com a necessária modernização da Lei Civil Brasileira de 2002.

Fonte: Migalhas

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