É em virtude do caráter pessoal dos serviços notariais e de registro, que a legislação tributária atribui aos notários e registradores tratamento como pessoas físicas, incluindo-os no rol de contribuintes que se sujeitam ao recolhimento mensal do Imposto de Renda Pessoa Física.
Enquanto pessoas físicas, para apuração do imposto de renda devido deve-se aplicar a tabela de alíquotas progressivas, cujo teto atinge a alíquota de 27,5% (vinte e sete e meio por cento). Nessa sistemática de apuração, quanto maior for o rendimento, maior será a alíquota. Levando em consideração que a maior fonte de rendimentos dos brasileiros é o salário, a Receita prepara essa tabela com base nas faixas salariais.
Na apuração do tributo em comento, caso não optem pela declaração no modelo simplificado, os notários e registradores podem deduzir, da receita decorrente do exercício da atividade, determinadas despesas decorrentes do exercício da atividade.
No que se refere a dedutibilidade das despesas, necessário que estas cumpram no mínimo os seguintes requisitos: 1) Devem estar comprovadas mediante documentação idônea, 2) registradas em livro-caixa, e 3) devem corresponder à remuneração paga a terceiros, desde que com vínculo empregatício, ou a encargos trabalhistas e previdenciários; a emolumentos pagos a terceiros; ou a despesas de custeio pagas, necessárias à percepção da receita e à manutenção da fonte produtora.
Não nos parece muito desafiador o entendimento sobre o que seria remuneração empregatícia paga a terceiros e os emolumentos pagos a terceiros, contudo, no que se referem às despesas necessárias à percepção da receita e à manutenção da fonte produtora, o subjetivismo ofusca a clareza encontrada nas duas primeiras hipóteses de deduções.
Diante da pouca precisão do que seriam despesas de custeio necessárias à percepção da receita e à manutenção da atividade, em reiteradas oportunidades o Fisco Federal questiona diversas deduções de despesas lançadas no livro caixa dos delegatários das funções notariais e registrais, inclusive, autuando e lançando créditos tributários sob o entendimento de que supostamente certas e determinadas despesas não seriam necessárias à percepção da receita e à manutenção da fonte produtora. Assim, o grande desafio dos notários e registradores, quando tratamos de Imposto de Renda, é enquadrar corretamente suas despesas como passíveis de dedução para fins de apuração do tributo em comento.
A celeuma ganhou uma proporção tão abrangente que diversas Corregedorias de Justiça, órgãos do Judiciário responsáveis por fiscalizar a atividade extrajudicial, foram provocadas a se manifestar sobre o tema, existindo, assim, alguns atos normativos e precedentes que elencam um rol exemplificativo de despesas que se enquadrariam como necessárias à percepção da receita e à manutenção das serventias.
Quanto a normatização das possíveis despesas dedutíveis, depreende-se que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), através do Provimento nº 45, de 13/05/2015, ao dispor sobre a manutenção e escrituração dos livros Diário Auxiliar, Visitas e Correições e Controle de Depósito Prévio pelos responsáveis pelas serventias extrajudiciais, elenca um rol exemplificativo de despesas que possuem relação intrínseca com a atividade desempenhada nas serventias extrajudiciais, passíveis de lançamento no Livro Diário Auxiliar.
Ora, no tema de despesas que possuem relação intrínseca com a atividade desempenhada nas serventias extrajudiciais, quem mais conheceria a atividade notarial e de registro do que o CNJ, órgão administrativo máximo concebido para promover e organizar os serviços notariais e de registro, além de orientar a fiscalização das atividades extrajudiciais pelos Tribunais?
Contudo, em que pese a previsão normativa do CNJ, de forma totalmente controversa, segundo o entendimento da Receita Federal, muitas destas despesas não se enquadrariam nos ditames do 6º, III, da Lei nº 8.134/90, acarretando com tal posicionamento em injustas glosas de despesas que possuem total aderência ao desempenho da função extrajudicial, inclusive àquelas listadas no artigo 8º do Provimento nº 45/15.
Em função do cenário de total insegurança jurídica por parte dos notários e registradores, frente a postura adotada pelo fisco federal, diversos processos administrativos junto às Corregedorias dos Estados foram instaurados para que estas confirmassem se os responsáveis pelas serventias extrajudiciais deveriam ou não seguir a norma do CNJ, especificamente quanto ao fato das despesas elencadas no Provimento 45/15 serem ou não “necessárias à percepção da receita e à manutenção da fonte produtora”, sendo que, dentro do campo de conhecimento do ora autor deste artigo, um dos precedentes administrativos mais assertivos encontra-se na decisão proferida no Pedido de Providências nº 0041476-48.2019.8.26.0100, proveniente da Capital do Estado de São Paulo.
A decisão proferida no aludido Pedido de Providências bandeirante enfrenta perfunctoriamente a discussão sobre a natureza de diversas despesas, tidas pelo fisco federal como indevidas, concluindo, outrossim, não só pela necessidade de se considerá-las como despesas de custeio e necessárias à percepção da renda, mas também que o lançamento realizado pelo delegatário, para fins de abatimento de imposto de renda, não estaria contaminado pela má-fé. A título não exauriente, a decisão, seguindo a orientação do Provimento CNJ 45/15, elenca as seguintes despesas como aderentes à atividade extrajudicial, para fins de lançamento nos livros contábeis: depósitos judiciais; honorários advocatícios; telefone; internet; alarmes; seguro saúde; saúde ocupacional; uniformes; mobiliário; livros; e tarifas bancárias.
Por todo o exposto, em que pese a existência de opiniões divergentes, me parece muito claro que, a partir da norma do CNJ, órgão responsável pela fiscalização da prestação do serviço extrajudicial de notas e de registros públicos, fiscalização esta que abrange, inclusive, a verificação da regular observância das obrigações tributárias decorrentes do exercício da delegação, as despesas elencadas no artigo 8º do Provimento nº 45/15 devem ser tidas pelo fisco federal como “necessárias à percepção da receita e à manutenção da fonte produtora”, para fins de dedução no imposto de renda. Entender de forma diversa demonstraria, por parte da Receita Federal, um reprovável desconhecimento da atividade notarial e de registro, ou, ainda pior, uma desarrazoada voraz conveniência arrecadatória, hipóteses que não podem justificar qualquer motivação exigida por lei ao ato administrativo de lançamento fiscal.
*Tiago de Lima Almeida é presidente da Comissão de Direito Notarial e de Registros Públicos da OAB/CF e sócio do CM Advogados
Fonte: Jornal do Notário
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