É perigosa alteração legislativa realizada pela Lei 14.382 de 27 de junho de 2022, que, entre outras inúmeras mudanças, inseriu na Lei dos Registros Públicos (Lei 6.015/1973) o art. 94-A, autorizando a formalização de termos declaratórios de união estável perante o Registro Civil das Pessoas Naturais (RCPN).

 

Dispositivo de lei mal redigido levou a Associação Nacional dos Registradores das Pessoas Naturais (ARPEN) a entender que também o distrato de união estável poderia ser formalizado perante o RCPN.

 

A intenção de desburocratização da lei é louvável, mas essa lei cria uma série de problemas indicados pela Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS) no Pedido de Providências que está em tramitação no Conselho Nacional de Justiça (Pedido de Providências nº 0004621-98.2022.2.00.0000).

 

A atividade do Oficial de Registro Civil até o advento dessa lei era de registrar a escritura pública lavrada pelo Tabelião de Notas ou a sentença judicial sobre união estável no Livro E do RCPN, conforme previa o Provimento CNJ n. 37 de 07/07/2014. Agora, o RCPN está autorizado não só a registrar, mas também a substituir o Tabelião de Notas ou o Juiz de Direito na formalização dos termos de união estável.

 

Muito diferente é o ato da formalização, em que se estabelece a data inicial, o regime de bens e a data final de uma união estável, do simples registro em Cartório de Registro Civil de um ato lavrado anteriormente em Tabelionato de Notas ou crivado pelo Poder Judiciário.

 

O registro serve ao conhecimento de terceiros de que existe ou existiu uma união estável, a formalização do termo serve a fixar seus efeitos jurídicos.

 

Imaginemos a seguinte situação: após uma noite feliz, um dos companheiros propõe ao outro companheiro a ida ao Cartório de Registro Civil, sem a presença de um advogado, ou seja, sem assistência jurídica, para preencherem um mero formulário sobre a união estável. Assim é feito e num piscar de olhos o regime de bens dessa união estável poderá passar a ser da separação total de bens, quando, até então, era da comunhão de bens.

 

Outra situação possível em que não haja mudança de regime de bens: após uma noite infeliz, os companheiros se separam e vão ao Cartório de Registro Civil para preencherem um formulário, sem a presença de advogado, ali declaram que a união estável terminou em data anterior àquela em que efetivamente se separaram de fato e quando foi extinta a relação. Se um imóvel ou um veículo ou um recurso financeiro foi adquirido após a data em que declararam o fim da união estável no formulário, esse bem não se comunicará ao outro, embora o regime seja da comunhão de bens.

 

Até o advento dessa nova lei, cabia exclusivamente ao Tabelião de Notas, que tem o dever de verificar se a vontade das partes é livre, espontânea e informada, celebrar o termo de união estável, e, em caso de existência de filhos menores de idade, era obrigatório o processo judicial de homologação do acordo feito pelos conviventes, sempre com a assistência de um advogado, conforme dispunha o art. 733 do Código de Processo Civil.

 

Agora, um Cartório que não tem a especialidade de formalizar acordos de vontade conforme dispõe a Lei 8.935/1994 passou a ter a competência para colher a assinatura de conviventes ou companheiros em formulários que podem alterar por completo os direitos das partes, sem a devida consciência.

 

*Regina Beatriz Tavares da Silva, sócia-fundadora do escritório de advocacia Regina Beatriz Tavares da Silva Sociedade de Advogados (RBTSSA). Presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Pós-doutora em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL). Doutora em Direito e Mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP)

 

Fonte: Estadão

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