Desde 2016, passou a ser possível o reconhecimento de dupla paternidade, mantendo o registro e, por consequência, os deveres e direitos do pai biológico e o acréscimo da paternidade socioafetiva com seus devidos efeitos. Essa discussão chegou ao Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Recurso Extraordinário (RE 898.060/SC) para repercussão geral. Na decisão, o relator, Luiz Fux, fixou a tese de que “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.
No caso em tela, que serviu de acórdão paradigma para a repercussão geral, ou seja, a partir dali firmou-se o entendimento sobre o tema, que por tal razão, passou a ser adotado em todas as instâncias judiciais, a fim de formar e complementar a pauta de conduta da sociedade no que diz respeito a prevalência ou não da paternidade socioafetiva sobre a biológica.
O Supremo seguiu a linha de que a proteção jurídica da dupla paternidade garante ao filho o direito ao bem-estar, aos vínculos e ao reconhecimento da família, tendo se manifestado contra uma hierarquia ou prioridade das relações sanguíneas, já que, o vínculo afetivo pode ser tão ou até muito mais forte quanto o biológico.
Como panorama jurídico, tema, relativamente recente, a filiação socioafetiva é um reconhecimento de quem, independentemente do vínculo biológico, tem o afeto como principal elo entre pais e filhos. Assim, a paternidade ou maternidade socioafetiva nada mais é do que a regularização da relação jurídica existente entre pais e filhos não biológicos, dando a eles o devido e tão necessário valor jurídico para o real cuidado, amor e dedicação.
Vale destacar ainda trecho importante do voto do relator:
“Nós decidimos que a paternidade afetiva convive com a paternidade biológica. Isso significa que é possível que uma pessoa registrada em nome do pai socioafetivo depois promova também o registro do pai biológico. Na prática, ela pode ter os dois nomes. O filho pode escolher, ou dois ou um.”
O mais importante deste reconhecimento é, para além dos desdobramentos legais, a satisfação emocional e social tanto para o pai como para o filho socioafetivo, porque muito mais do que vínculo biológico, prevalece do vínculo de amor.
No entanto, a regularização deste tipo de relação se faz valiosa já que as partes passam a gozar de todos os direitos de deveres decorrentes da paternidade e da filiação. Quando se faz o reconhecimento da filiação socioafetiva, o filho reconhecido passa a ter todos os direitos e deveres frente a esse pai ou a essa mãe e vice-versa. Logo, alimentos e herança, por exemplo, estão entre os direitos do filho, assim como, dos pais idosos, perante seus filhos, se for o caso.
É possível pleitear o reconhecimento da filiação socioafetiva tanto pela via judicial quanto extrajudicial e é preciso comprovar a relação de afeto entre as partes solicitantes, se essa relação é pública, duradoura, contínua e consolidada. Existem alguns requisitos, notadamente dos pretensos pais, que, além de maiores de idade, precisam ser obrigatoriamente ao menos 16 anos mais velhos que o filho a ser reconhecido, sendo tal direito vedado aos requerentes, quando foram irmãos ou ascendentes do filho que se buscar adotar.
O amparo legal está no artigo 1593, do Código Civil, segundo qual, o parentesco é natural ou civil, sendo que “o estado de filho consiste no desfrute público e contínuo dessa condição”, conforme, inclusive, entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do REsp 1704972/CE.
Diversos casos permeiam o judiciário. Nos últimos meses, tivemos a possibilidade da dupla paternidade julgada também em sede de repercussão geral, conforme apresentado na introdução; e, o mais pontual, foi o reconhecimento da dupla maternidade, quando a Vara de Família de Goiás reconheceu a avó como mãe socioafetiva de criança após a morte da mãe biológica. Apesar de a legislação ser clara quanto ao fato de que ascendentes não podem pleitear tal reconhecimento, diante das peculiaridades do caso, ficou comprovado vínculo de amor entre as partes.
Mais um avanço do Direito com o objetivo de acompanhar as infindáveis mutações das relações familiares.
Fonte: Conjur
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