Em 29/6/2022 o Supremo Tribunal Federal publicou decisão reconhecendo a inconstitucionalidade por omissão por ausência de Lei Complementar que trate de bens localizados no exterior (ADO 67, de relatoria do ministro Dias Toffolli). A decisão tem efeito de suspender as cobranças de ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos) nesses casos, até a edição de lei complementar. O prazo dado pelo STF ao Congresso para edição da referida lei foi de 12 meses.

 

A previsão de necessidade de LC para dispor acerca de regras gerais a serem aplicadas nos casos de incidência de ITCMD sobre bens no exterior está prevista desde 1988. Passaram-se, portanto, três décadas sem que a lei fosse criada.

 

Isso não impediu, porém, que os estados cobrassem ITCMD em relação a bens localizados no exterior, fazendo-o com fundamento em leis estaduais, o que é evidentemente inconstitucional. Assim, acertada a referida decisão do STF, uma vez que qualquer cobrança do tributo na hipótese descrita depende da edição de Lei Complementar.

 

Importante, porém, refletir acerca da instituição do ITCMD e da sua natureza. O constituinte originário, por meio do artigo 155, inciso I da Constituição estabeleceu a competência tributária dos estados para institui-lo delimitando a margem de atuação do sujeito ativo e indicando a necessidade de observância dos parâmetros específicos, inclusive quanto à edição de lei complementar para a regulamentação e o exercício da competência quando houver elemento de conexão com o exterior (artigo 155, inciso III).

 

Em rápida análise histórica a respeito do ITCMD, temos, no Brasil, no texto constitucional de 1934, a primeira previsão acerca da incidência do imposto sobre transferências de bens causa mortis. Acerca dos bens localizados no exterior, estava previsto que o imposto era devido ao Estado em cujo território os valores da herança fossem liquidados ou transferidos aos herdeiros. Essa mesma opção se repetiu nos textos promulgados em 1937 [1] e 1946 [2].

 

Em 1967, porém, o legislador constituinte retirou a competência impositiva do ITCMD dos estados em relação aos bens localizados no exterior.

 

O texto constitucional de 1988, em seu artigo 155, §1º, inciso III, por seu turno, estabelece que se os bens estiverem localizados no exterior; ou o de cujus for domiciliado ou residente no exterior; ou, ainda, o inventário tenha sido processado no exterior, o exercício da competência impositiva se dará por meio de lei complementar. Portanto, o exercício da competência para instituir o tributo, nesses casos, é do Congresso Nacional. Tal regra demonstra que o legislador constituinte buscou atribuir aos estados a competência para a instituição do imposto quando inexistir elemento de conexão com o exterior e, ainda, empenhou-se em evitar conflitos de competência no plano internacional e possíveis situações de guerra fiscal no âmbito interno.

 

Assim, quanto à competência para instituição do ITCMD, temos: 1) em relação à transmissão causa mortis ou doação de bens imóveis e direitos, a competência é a do estado da situação do bem; 2) com relação a bens móveis e direitos, o ITCMD compete ao estado de processamento do inventário ou ao estado de domicílio do doador, desde que os mencionados fatos ocorram no Brasil [3] e 3) cabe à lei complementar regulamentar a instituição do imposto quando o doador for domiciliado no exterior, os bens estiverem no exterior ou o inventário foi processado no exterior.

 

Assim resta patente o acerto do STF quando do julgamento da ADO 67: Os estados não respeitaram integralmente o que estava previsto na Constituição e, diante da ausência de Lei Complementar, passaram a cobrar o imposto mesmo nas hipóteses descritas no item 3. A fúria arrecadatória moveu as autoridades fazendárias estaduais a cobrarem o tributo em agressão ao disposto no artigo 155, §1º, inciso III, da Constituição Federal. Alguns estados, como é o caso de São Paulo, na ausência de lei complementar, editaram suas próprias leis pretendendo a cobrança do tributo sobre heranças com elemento de conexão no exterior.

 

É certo que enquanto não ocorrer a edição de Lei Complementar, não cabe aos Estados cobrar o tributo nas hipóteses mencionadas. Conforme leciona o Professor Heleno T. Torres (2019):

 

“(…) até que a competência seja exercida, queda-se o Estado com a simples titularidade da competência para instituir o tributo, em uma espécie de direito disponível. Enquanto não houver o exercício da competência tributária, nenhum tributo pode ser cobrado, nenhuma sujeição passiva pode ser alegada” [4].

 

A decisão do STF, portanto, apenas reafirma o que o Texto Constitucional já prevê desde 1988, ou seja, que é preciso Lei Complementar para que haja a incidência do ITCMD sobre bens localizados no exterior. A cobrança do referido tributo antes da edição da referida lei é inconstitucional.

 

A não promulgação da lei, neste caso, não permite que os estados exerçam a competência plena para cobrança de ITCMD sobre bens localizados no exterior. É a lei complementar, portanto, o único instrumento apto a resguardar os direitos dos contribuintes quanto à incidência do referido imposto sobre os legados e as doações de bens localizados no exterior.

 

Fonte: Conjur

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