A transação entre os herdeiros, logo após a abertura da sucessão, é importante instrumento para evitar longos litígios judiciais

 

Em maio de 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) fixou tese vinculante que equiparou o regime sucessório dos companheiros ao dos cônjuges. O julgamento excluiu do ordenamento jurídico o artigo 1790 do Código Civil, por ser inconstitucional.

 

O companheiro sobrevivente, que antes tinha direito a participar da sucessão apenas em relação aos bens adquiridos onerosamente durante a vigência da união estável, passou a ter direito a dividir a herança em partes iguais com os demais herdeiros, exceto nas hipóteses de comunhão universal e separação obrigatória de bens.

 

Considerando que a alteração tinha o potencial de atingir milhares de sucessões em curso por todo o país, o STF limitou os efeitos da decisão para preservar a segurança jurídica de atos já consolidados. Porém, foram elencadas apenas as duas situações mais usuais por meio das quais a partilha de bens é endereçada, ficando restrita a aplicação do novo entendimento a inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha e partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública.

 

Diante da ausência de menção a outras situações fáticas possíveis, colocou-se em dúvida se a partilha objeto de transação também deveria ser revista, o que foi finalmente apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

 

Em julgamento recentíssimo do último dia 6 de setembro de 2022, a 3ª Turma do STJ reconheceu a plena possibilidade de transação na sucessão do companheiro, ao julgar o Recurso Especial nº 2.003.759/RJ. Em síntese, entendeu-se que o marco estabelecido pelo STF não se aplica quando a sentença é meramente homologatória de acordo firmado entre partes capazes, no qual foram expressamente previstos os efeitos imediatos das obrigações contraídas.

 

Isso porque a preocupação do STF foi proteger a confiança e conferir previsibilidade às relações sucessórias finalizadas sob a regra antiga. Além disso, a hipótese envolve direito disponível e as relações jurídicas sucessórias não se finalizam somente pela sentença de partilha transitada em julgado, mas também por outros modos, caso em que a definição do limite de aplicação da tese poderá ter outro marco temporal, sem que isso implique em acréscimo de conteúdo ou desrespeito ao precedente do STF.

 

Portanto, quando celebrado acordo de partilha de bens, não há direito de arrependimento pela ausência de qualquer vício de consentimento decorrente da alteração na regra sucessória aplicável aos companheiros. A tese fixada pelo STF não proibiu que os herdeiros capazes e concordes livremente disponham sobre o acervo hereditário da forma que melhor lhes convier, inclusive de modo a retratar fielmente a regra declarada inconstitucional, sem que haja nenhum vício quanto ao objeto do acordo.

 

A recentíssima decisão do STJ é de imensa relevância e contribuição à resolução de possíveis situações semelhantes, envolvendo transação celebrada na sucessão de companheiro. Isso porque, ao mesmo tempo, preserva a validade e eficácia de transação celebrada entre partes maiores e capazes, em ato que representa a manifestação suprema da sua autonomia negocial; e assegura proteção a valores caríssimos ao ordenamento jurídico, como a segurança jurídica, a confiança e a previsibilidade das relações jurídicas, inexistindo espaço para posturas contraditórias.

 

A decisão também demonstra que a transação é uma alternativa eficaz e segura, diante da abertura de sucessão envolvendo companheiro sobrevivente, cuja união estável não está devidamente reconhecida judicialmente.

 

Apesar de reconhecida como entidade familiar, a união estável se trata de relacionamento informal. O reconhecimento formal da reunião dos seus elementos é essencial para a produção de efeitos patrimoniais e extrapatrimoniais, inclusive quando previamente celebrada escritura declaratória de união estável pelos conviventes, cuja presunção é apenas relativa.

 

O companheiro sobrevivente deve ajuizar ação de reconhecimento de união estável, caso não haja consenso a respeito da natureza do relacionamento. Por se tratar de relacionamento baseado em provas, pode-se encontrar obstáculos na demonstração dos requisitos legais e na valoração das provas pelo juiz, dependendo-se muitas vezes do expresso reconhecimento de outros herdeiros, como ascendentes ou descendentes de relacionamentos anteriores do falecido. Além de impedir o acesso à sua participação na sucessão, a ausência de reconhecimento da união estável também tem impacto em outros direitos importantes à sua sobrevivência, como o recebimento de pensão por morte e o direito de habitação.

 

Para os outros herdeiros, por outro lado, aguardar o desfecho da ação pode implicar em depreciação do patrimônio deixado pelo falecido, além da perda de oportunidades de negócios, devido à alta instabilidade e imprevisibilidade na conclusão da sucessão.

 

Nesse cenário, a transação entre os herdeiros, logo após a abertura da sucessão, é importante instrumento para evitar longos litígios judiciais, a depreciação do patrimônio e o impedimento de acesso a direitos do companheiro sobrevivente.

 

O precedente do STJ reafirma que a transação é instrumento seguro e eficaz para, mediante concessões recíprocas, prevenir ou extinguir uma incerteza obrigacional, isso é, a existência de união estável e os consequentes efeitos decorrentes da abertura de sucessão do companheiro falecido.

 

Fonte: Valor Econômico

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