O presente artigo cuidará, inicialmente, em expor a conceptualização acerca do bem de família a fim de destacar a sua vulnerabilidade quando o proprietário se encontrar na condição de fiador a partir da jurisprudência dos Tribunais

 

  1. O bem de família

 

A respeito do bem de família é imperioso mencionar o direito social à moradia o qual impõe ao poder público a implementação de políticas públicas relacionadas ao acesso à habitação. Assim, por estar intimamente atrelada ao bem-estar humano, bem como por ser um direito fundamental, é intransmissível e indisponível, ou seja, é individualmente exercido e sua privação pode ser considerada como violação a direito.

 

Por isso, a defesa do bem de família sobressai a questão de proteção à propriedade privada, tendo em visto a sua sensibilidade diante as condições de uma vida digna ao ser humano. Contudo, por não ser um direito absoluto, existem hipóteses aos quais submetem a moradia a penhorabilidade devido o direito real a ela aplicada.

 

A partir desse contexto, o tão destacado mínimo existencial, mesmo não possuindo previsão expressa na Constituição Federal, é instrumento à defesa de todas as prestações materiais imprescindíveis para a garantia de uma existência digna, como o direito à moradia. Ante a essa prerrogativa, a parcela mínima em relação ao direito de propriedade é o bem de família, o qual não pode sofrer nenhuma constrição judicial.

 

Enfim, apesar a existência doutrinária e legislativa, a lei 8.009/90, que regula a impenhorabilidade do bem de família, em seu art. 3.º, realça exceções a esse direito, dentre eles: a obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. Em decorrência dessa circunstância, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios enaltece um conflito jurisprudencial.

 

  1. Da relatividade dos direitos fundamentais

 

Conforme o já aduzido, não existe um direito absoluto, mesmo diante a sua importância, eles devem ser ponderados frente ao conflito de interesses, como ocorre em relação ao bem de família do fiador nos contratos de locação de imóvel.

 

Por isso, o jurista Flávio Tartuce em seu artigo “a boa-fé como exceção à proteção do bem de família legal” destaca algumas decisões proferidas no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça as quais acentuam uma discordância sobre qual dos direitos deve preponderar. Destacando, ainda, uma sensação de instabilidade e insegurança a respeito do tema.

 

Inclusive, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios em julgados bastantes valiosos a respeito do tema, aduzem de forma discrepante:

 

“1. ‘A dignidade da pessoa humana e a proteção à família exigem que se ponham ao abrigo da constrição e da alienação forçada determinados bens. É o que ocorre com o bem de família do fiador, destinado à sua moradia, cujo sacrifício não pode ser exigido a pretexto de satisfazer o crédito de locador de imóvel comercial ou de estimular a livre iniciativa. Interpretação do art. 3º, VII, da lei 8.009/90 não recepcionada pela EC nº 26/2000.’ A restrição do direito à moradia do fiador em contrato de locação comercial tampouco se justifica à luz do princípio da isonomia. Eventual bem de família de propriedade do locatário não se sujeitará à constrição e alienação forçada, para o fim de satisfazer valores devidos ao locador. Não se vislumbra justificativa para que o devedor principal, afiançado, goze de situação mais benéfica do que a conferida ao fiador, sobretudo porque tal disparidade de tratamento, ao contrário do que se verifica na locação de imóvel residencial, não se presta à promoção do próprio direito à moradia. (…).”

 

Acórdão 1213498, 07138721120198070000, Relator: FÁTIMA RAFAEL, 3ª Turma Cível, data de julgamento: 30/10/2019, publicado no DJE: 12/11/2019, unânime.

 

“3. Conquanto a lei 8.009/90 consagre a impenhorabilidade do bem de família, a própria lei prevê exceções a essa regra, enquadrando-se o presente caso no disposto no inciso VII do art. 3º, segundo o qual é penhorável o imóvel do fiador, ainda que bem de família, em execução de contrato de locação, tendo sido a constitucionalidade desse dispositivo reconhecida em sede de Repercussão Geral pelo Supremo Tribunal Federal e em sede de Recurso Repetitivo pelo Superior Tribunal de Justiça. Súmula 549 do STJ. Precedentes. (…). Portanto, legítima a penhora havida no bem de família do fiador em contrato de locação comercial.”

 

Acórdão 1281412, 07158940820208070000, Relator: SANDOVAL OLIVEIRA, 2ª Turma Cível, data de julgamento: 2/9/2020, publicado no DJE: 5/10/2020, unânime.

 

Com isso, vislumbra-se que mutação bastante rápida em relação ao tema, principalmente após as publicações do enunciado de súmula 549, do STJ, e da repercussão geral – tema 295, do STF, as quais admitem a penhora dos bens de família do fiador.

 

Logo que, munido das prerrogativas em relação ao direito de propriedade (art. 1.228, do CC), o fiador dispensou a impenhorabilidade do seu bem familiar de forma livre e espontânea, presumidamente sem qualquer vício de consentimento. Por tanto, não poderia a sua autonomia da vontade ficar comprometida, até porque o impacto na liberdade de empreender seria evidente.

 

Conclusão

 

O bem de família dada a primazia não apenas em decorrência do direito à moradia, mas também por alcançar as garantias necessárias a uma vida digna da pessoa não poderia ser alcançado em nenhuma situação.

 

Ocorre que, diante a visão conservadora em relação à figura do fiador, apesar de toda divergência doutrinária e jurisprudencial, se presume uma posição economicamente avantajada em relação ao fiador, pois os requisitos intrínsecos da posição são: inexistência do nome em cadastro de inadimplentes, possuir mais de um imóvel na localidade, renda inúmeras vezes superior ao valor do aluguel. Isto é, condições que viabilizariam o auferindo da garantia sem o sacrifício da sua moradia.

 

Em virtude dessas condições, os Tribunais Superiores vêm a prevalência dos efeitos do pacta sunt servanda diante a anuência do fiador ao encarga, consequentemente, demonstrando que tem condições de suportá-los.

 

Por fim, o princípio da razoabilidade e proporcionalidade nunca se fez tão necessário na discussão de um assunto, sobretudo em relação ao caso em concreto, não é só porque a pessoa assume a condição de fiador que ela avoca essa responsabilidade sobre o seu patrimônio, que em muitas das vezes pode se tratar somente a sua residência.

 

Fonte: Migalhas

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