A possibilidade de um dos cônjuges fazer uso de embriões para gerar uma criança após a morte do parceiro é tema complexo, pouco abordado pelo Código Civil e que traz reflexo direto no planejamento sucessório.

 

A questão ainda não é perfeitamente regulamentada no Brasil e o tema divide opiniões entre especialistas, que apontam que a proposição pode trazer insegurança jurídica.

 

O Código Civil brasileiro estabelece que presume-se como filhos concebidos na constância do casamento aqueles que foram havidos por fecundação artificial homóloga, ainda que falecido o marido e, também, aqueles decorrentes de embriões excedentários, realizados através de concepção artificial homóloga, ou seja, feita com o material genético do marido da gestante.

 

Algumas mulheres que desejam realizar a fertilização artificial com o material do cônjuge falecido têm encontrado dificuldades em realizar o ato em razão da ausência de autorização deixada pelo referido. Quando não há este documento, os estabelecimentos se negam a fornecer o material, obrigando as mulheres a recorrerem à justiça.

 

Por isso, é fundamental que, no momento da coleta, o cônjuge deixe por escrito a permissão para utilização do material após a sua morte. Via de consequência, após a inseminação homóloga após a morte, surge a questão patrimonial sucessória, pouco abordada, cuja lacuna do ordenamento jurídico pátrio causa extrema insegurança jurídica.

 

Diante da lacuna apresentada pelo código civil, há três correntes doutrinárias sobre o tema. A primeira, restritiva ou excludente, defende a impossibilidade da técnica de reprodução assistida, negando qualquer direito ao filho concebido após a morte, seja no ramo do direito de sucessões, bem como no direito de família.

 

A segunda, chamada de relativamente excludente, a qual permite efeitos mitigados no ramo do Direito de Família, isto é, o filho concebido após a morte, independentemente do tipo de sucessão, não irá ter capacidade sucessória em face da herança de seu pai pré-morto, apesar de ter sua filiação reconhecida.

 

Controversa a ambas correntes, tem-se a terceira corrente, a qual entende que o planejamento familiar dá-se quando vivos os participes e que seus efeitos podem se produzir para após a morte.

 

Assim, o filho concebido após a morte tem resguardada a possibilidade do direito na sucessão legítima e testamentária, sendo reconhecida a filiação, a capacidade sucessória e protegidos todos os direitos da sucessão da legítima e testamentária.

 

Os argumentos dos doutrinadores que dão existência a este pensamento, interpretam não haver dúvidas sobre o direito à sucessão da criança concebida após a morte em relação à herança do pai pré-morto, já que houve expressa aprovação do falecido para realizar este método de reprodução assistida. Além disso, o próprio Código Civil assegura o reconhecimento da filiação de prole eventual após a morte.

 

Logo, ao meu entender, como não há vedação à prática da inseminação homóloga após a morte, é necessário relativizar o princípio da coexistência, estabelecido no artigo 1.798 do Código Civil (artigo 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão), em razão da presunção de paternidade prevista no artigo 1.597, III, do Código Civil (artigo 1.597).

 

Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: (…) III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido), agregando os reflexos do direito sucessório.

 

Sobre o tema, o Enunciado 267 , que foi aprovado na III Jornada de Direito Civil dispõe: “A regra do artigo 1.798 do Código Civil deve ser estendida aos embriões formados mediante o uso de técnicas de reprodução assistida, abrangendo, assim, a vocação hereditária da pessoa humana a nascer cujos efeitos patrimoniais se submetem às regras previstas para a petição de herança”.

 

Desse modo, respeitando o princípio da igualdade entre os filhos, e também certificando que a segurança jurídica dos demais herdeiros será respeitada, a ação de petição de herança, ingressada dentro do prazo de dez anos a contar do momento em que seja reconhecida a paternidade, seria a maneira mais adequada para assegurar os direitos sucessórios do filho concebido por meio da inseminação artificial após a morte, conforme inserto no Enunciado 267 citado acima.

 

Contudo, face a omissão da legislação brasileira a respeito da capacidade sucessória de filhos advindos deste tipo de reprodução assistida, é aconselhável que a pessoa que deseje armazenar seu material genético, deixe por escrito e registrado a autorização para uso após a morte e, principalmente, as disposições testamentárias para a criança que poderá nascer, face às interpretações e correntes favoráveis.

 

Fonte: Conjur

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