Conforme definição doutrinária, cessão de direitos hereditários, é o negócio translativo, geralmente oneroso, que um herdeiro legítimo ou testamentário, realiza com uma pessoa, tendo por objeto a totalidade ou uma quota da herança para a qual foi vocacionado. O procedimento é simples. Aberta a sucessão, o coerdeiro pode ceder o seu direito à mesma, bem como o quinhão de que disponha, por escritura pública. Conforme expressa disposição legal, a escritura pública é necessária e indispensável, pois é da substância do ato, portando, a cessão de direitos hereditários celebrada por instrumento particular seria, portanto, nula de pleno direito1. Em obediência a normativa de transmissão imobiliária (o que em regra a cessão de direitos não é), faz-se necessário a anuência conjugal2.

 

O Código de Beviláqua (Código Civil de 1916) não regrou o instituto. Entretanto, foi previsto expressamente no Código Civil de 2002 (art. 1.7933 a 1.7954), o qual foi integrado por meio de uma construção jurídica doutrinária e jurisprudencial.

 

A cessão de direitos hereditários, portanto, é um negócio jurídico intervivos, translativo, bilateral, formal, gratuito ou oneroso, consensual e aleatório. Assim, deve observar os pressupostos e requisitos para todo negócio jurídico, o que nos remete a tricotomia de planos que formam um negócio jurídico, conforme Pontes de Miranda e sua clássica “Escada Ponteana”.

 

Frisa-se, que não é admitido em nossa legislação, o pacta corvina, expressão em latim que significa “acordo do corvo”5, também denominado pacto sucessório, ou seja, acordo que tem por objeto a herança de pessoa viva (art. 426 CC6). Desta forma a cessão de direitos hereditários é a transmissão de direitos provenientes de sucessão.

 

Portanto, como visto, de acordo com o Código Civil (art.1.793), o quinhão que disponha o co-herdeiro pode ser objeto de cessão por escritura. Tal forma é da substância do referido negócio jurídico. Prescreve, ainda, o parágrafo segundo, do citado artigo, que é ineficaz a cessão, pelo coerdeiro, do bem que compõem a herança, considerado singularmente. Tal dispositivo, tem como norte a individualização da herança, até que se ultime a partilha. Decorre a teleologia da norma que o coerdeiro só pode ceder a sua quota-parte, ou a sua parte ideal na universalidade da herança, mas não a respeito de um bem específico, de um bem determinado ou considerado singularmente. Questiona-se se este dispositivo não estaria desatualizado. Deduz-se que pela norma expressa, que a cessão de um bem individuado, dentre os que compõem o espólio, em tese, seria negócio jurídico inválido. A censura da lei está no plano da eficácia7. Oras, se um herdeiro, com a anuência dos demais, em instrumento público ou particular com a anuência dos demais, alienar bem singular, a alienação/cessão8, não haveria motivos para ser nula, nesta atual análise. A cessão, neste caso, é ineficaz (pela atual normativa), e não produziria efeito. Porém mais uma vez, questiona-se, se ante a concordância de todos a questão prévia ao inventário, já não estaria resolvida, e não teria motivo de a legislação prescrever a “inoponibilidade aos demais herdeiros”, baseado no fato da prescrição legal e amplamente repetido pela doutrina que a herança é uma universalidade, e até a partilha, indivisível.

 

Veja-se, que o legislador já previu que a herança de bem singular pode ser objeto de cessão, no caso de haver somente um herdeiro ou apenas um bem no acervo hereditário não será ineficaz, conforme lecionado por Zeno Veloso:

 

“No caso de haver somente um herdeiro, como não há outros interessados (coerdeiros), não é ineficaz a cessão que ele fizer de um bem singular, de um determinado bem da herança. Do mesmo modo, se todos os herdeiros fazem a cessão, é plenamente eficaz acessão de bens singularmente considerados, afirmando Nelson Nery Jr e Rosa Maria de Andrade Nery (Código Civil Comentado, 4. Ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006, p. 971) que tal cessão significa uma espécie de pré-partilha amigável, devendo ser levada a escritura pública ao juízo da sucessão para ser homologada essa pré-partilha e, “encerrando-se o arrolamento ou o inventário, o juiz possa determinar a expedição de formal de partilha de conformidade com a escritura de cessão”. Alerte-se que, se todos os interessados forem capazes, poderão promover a cessão de direitos seguida de partilha por escritura pública, em instrumento único, portanto, que não precisa de homologação judicial e constitui título hábil para o registro imobiliário, tudo conforme o art. 982 do CPC, com a redação determinada pela Lei 11.441, de 4 de janeiro de 2007, que analisarei, adiante, em comentários ao art. 2.015.” (Código Civil Comentado, coord. Regina Beatriz Tavares da Silva, São Paulo: Saraiva, 10ª ed., 2016, p. 1895; grifos não constam do original)

 

No mesmo sentido decidiu o E. Conselho Superior da Magistratura: “Direitos hereditários não são suscetíveis de registro, consoante a jurisprudência pacífica do Conselho” (Ap. 6.861-0). Sobre o tema, Ademar Fioranelli observa que há: “possibilidade do registro de escritura de cessão de direitos hereditários quando, no momento de sua apresentação a registro, já tiver sido registrado o formal de partilha do falecido, no qual tenha sido tocado ao herdeiro cedente o mesmo imóvel objeto do título. Este, então, será recepcionado como compra e venda, já que a simples denominação dada ao negócio jurídico não altera a sua essência, como, aliás, dispõe o art. 85 do CC.” (FIORANELLI, Ademar “Direito Registral Imobiliário”, Ed SAFE, pág. 517)”.

 

A Lei de Registros Públicos não estabelece o registro da cessão de direitos hereditários no Registro de Imóveis. E não é isto que se propõe aqui. No entanto, há possibilidade do registro de escritura de cessão de direitos hereditários quando, no momento de sua apresentação a registro, já tiver sido registrado o formal de partilha do falecido, no qual tenha sido tocado ao herdeiro cedente o mesmo imóvel objeto do título. Portanto, os direitos a determinado bem singular, neste caso, podem ser cedidos pelo herdeiro único (herdeiro universal) ou, como já dissemos, por todos os herdeiros, em ato único ou mesmo em atos separados, como é comum fazerem quando não vivem na mesma cidade, estão em viagem, mesmo com a facilidade do e-notariado. Não se falaria em ineficácia do negócio jurídico, pois esta não há. Não há oposição a interesse de terceiros, e qualquer pessoa não poderia alegar direito frustrado ou eventual prejuízo. A releitura do tema proposto com a introdução da certidão da situação jurídica do imóvel, obrigatoriamente será observada daqui por diante.

 

Pois bem, o que se repete a exaustão é que a herança é uma universalidade de bens, um todo unitário e indivisível até a partilha. Desta forma, sendo uma universalidade de bens, requer-se a prévia autorização do juiz do inventário para que se proceda a venda de qualquer bem que componha o acervo hereditário. Caso isso não ocorra, o negócio jurídico estará incompleto pois não atingirá o plano da eficácia. Este seria um ponto a ser mais bem discutido e analisado em decisões judiciais ou mesmo em inventários extrajudiciais.

 

Assim, a cessão de direitos hereditários é um instrumento jurídico que permite a circulação de riqueza antes de finalizar a partilha, garantindo a função social da propriedade e propomos que bens singulares possam ser cedidos por instrumento particular ou público, anteriormente a partilha, desde que todos os demais herdeiros concordem. Portanto, não haveria razão econômica, jurídica ou de cunho pessoal para impedir que a cessão, nas hipóteses citadas, seja realizada. Este tema é de grande repercussão na atividade extrajudicial. Merece ser mais bem estudado e talvez objeto de Projeto de Lei para o aprimoramento do que descrevemos.

 

Fonte: Migalhas

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