O presente artigo tem como objetivo analisar a relação jurídica surgida da comercialização de imóveis em regime de multripropriedade e o modo de desfazimento deste negócio jurídico, com as deduções e consequências previstas na Lei do Distrato
- Introdução
Muitos turistas em todo o Brasil tem sido abordados por corretores de vendas, muitas das vezes oferecendo brindes e mimos, para que possam lhes apresentar uma proposta de negócio “irrecusável”, segundo os vendedores. O negócio proposto se trata da venda de imóveis em regime de copropriedade, em que coproprietário adquire uma fração de determinado imóvel em condomínio com outros coproprietários, aprovando entre si um calendário de uso anual da propriedade adquirida.
A venda de ‘quotas’ imobiliárias em condomínios multipropriedade, foi regulamentado no Brasil por meio da lei 13.465, de 2017, que inseriu o art. 1.358-A no Código Civil brasileiro, onde esclarece que a multipropriedade “é o regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada”.
Contudo, passado o momento de euforia que envolve o processo de venda e compra do imóvel em regime de multipropriedade, alguns adquirentes se veem arrependidos pela aquisição realizada, muitas das vezes de maneira impensada e quando o adquirente está em momento de lazer e descontração com a família, vermos formulada a seguinte indagação: “Me arrependi da compra, tenho direito à devolução dos valores pagos? Se sim, qual seria a quantia a ser reembolsada?”.
- A lei do distrato
A questão proposta, pelo menos a contida na primeira parte, é de fácil solução, haja vista que segundo o 51 do Código de Defesa do Consumidor, são nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, portanto, a resposta a pergunta é SIM, a questão é: quanto será o valor devido a título de reembolso?
Nesse ponto vale relembrar que até o dia 27 de dezembro de 2018, data em que entrou em vigor a lei 13.786, por alguns intitulada como Lei do Distrato, o Superior Tribunal de Justiça oscilava seu entendimento quanto ao percentual de multa por distrato imotivado pelo adquirente, oscilando como devido o desconto de 10 a 25% do valor total pago.
A lei 13.786/18 visou apaziguar essa discussão e essa relação contratual tão polêmica, ao promover substanciais alterações na lei 4.591/64, que dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias, ao estabelecer regras e pressupostos objetivos à essa específica relação contratual.
Isso porque, como se sabe, o Contrato de Compra e Venda vem acompanhado muitas das vezes de um Contrato de Corretagem, onde um corretor se obriga a mediar e promover negócios entre o comprador e o vendedor, fazendo jus a remuneração, ainda que o negócio “não se efetive em virtude de arrependimento das partes”, conforme expressa previsão do art. 725 do Código Civil, nesse sentido STJ, REsp 1.810.652/SP (2018/0320507-7), Relatoria: Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe: 6/6/19
Assim, é comum nos contratos de compra e venda de bem imóvel se destinar parte do pagamento correspondente à entrada (sinal) ao pagamento dos honorários devidos ao corretor pela mediação do negócio celebrado.
Daí surge a primeira discussão, pois entendiam os tribunais que o Contrato de Compra e Venda e o Contrato de Corretagem, embora instrumentos independentes, tratavam-se de contratos coligados assim entendidos aqueles contratos celebrados um em função do outro, nesse sentido é o magistério de Carlos Konder (2018, p. 395)
São normalmente considerados coligados contratos cuja vinculação, além de repercutir na sua interpretação e qualificação, podem afetar sua eficácia. Isto é, as vicissitudes de um, como a invalidade ou ineficácia por causa superveniente, podem acabar por também tornar o outro ineficaz, conforme o aforisma latino, simul stabunt, simul cadent.
A despeito da matéria, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento segundo o qual em contratos coligados, deve o julgador na análise do exceptio non adimpleti contractus arguido por alguma das partes, identificar o contrato principal e o acessório, de sorte que o descumprimento das obrigações assumidas no contrato principal autorizaria o desfazimento do(s) contrato(s) acessório(s), mas o descumprimento de um contrato acessório teria o condão de resultar em sua resolução, mas não no desfazimento do contrato principal, nesse sentido STJ – REsp: 337040 – AM (2001/0091740-1), Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, DJe 1/7/02
Nesse sentido inclusive é o conteúdo do Enunciado 24 CJF – I Jornada de Direito Comercial, segundo o qual “Os contratos empresariais coligados, concretamente formados por unidade de interesses econômicos, permitem a arguição da exceção de contrato não cumprido, salvo quando a obrigação inadimplida for de escassa importância.”
Esse entendimento nos conduziria a conclusão de que o Contrato de Corretagem celebrado em função do Contrato de Compra e Venda, possui a natureza jurídica de contrato coligado, de sorte que o desfazimento do Contrato Compra e Venda (contrato principal) implicaria no desfazimento do Contrato de Corretagem (contrato acessório), o que não é verdadeiro, conforme expressa dicção do art. 725 do Código Civil, in verbis:
Art. 725. A remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes.
Visando espancar dúvidas, pacificar o entendimento judicial e conferir segurança jurídica às relações econômicas, a Lei 4.591/64 com redação dada pela Lei nº 13.786/2018, foi expressa ao afirmar em seu art. 67-A que:
Art. 67-A . Em caso de desfazimento do contrato celebrado exclusivamente com o incorporador, mediante distrato ou resolução por inadimplemento absoluto de obrigação do adquirente, este fará jus à restituição das quantias que houver pago diretamente ao incorporador, atualizadas com base no índice contratualmente estabelecido para a correção monetária das parcelas do preço do imóvel, delas deduzidas, cumulativamente:
I – a integralidade da comissão de corretagem;
II – a pena convencional, que não poderá exceder a 25% (vinte e cinco por cento) da quantia paga. [grifo nosso]
Deve-se esclarecer que essa modalidade de devolução somente é devida na hipótese de “distrato ou resolução por inadimplemento absoluto de obrigação do adquirente”, isso porque, constatando-se a mora ou inadimplemento absoluto do incorporador, tal qual a ausência de entrega da obra decorrido o prazo de 180 (cento e oitenta) dias do termo final previsto no contrato, fica o incorporador obrigado a “devolução da integralidade de todos os valores pagos e da multa estabelecida, em até 60 (sessenta) dias”, na forma do §1º do art. 43-A do referido diploma legal.
Acresça-se ainda que decorrido o prazo de 180 (cento e oitenta) dias do termo final previsto no contrato, fica facultado ao adquirente que não possua interesse na resolução do contrato, que opte, “por ocasião da entrega da unidade, indenização de 1% (um por cento) do valor efetivamente pago à incorporadora, para cada mês de atraso, pro rata die , corrigido monetariamente conforme índice estipulado em contrato.” (art. 43-A, §2º, lei 4.591/64.
III. Conclusão
Desse modo é possível concluir que sim, terá o adquirente arrependido o direito unilateral de desistir do negócio e distratar a compra realizada, hipótese em que fará jus a restituição dos valores pagos, com a dedução da integralidade da comissão de corretagem e da pena convencional, que não poderá exceder a 25% (vinte e cinco por cento) da quantia paga.
Fonte: Migalhas
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