Fixada em março sob o rito dos recursos repetitivos, a tese do Superior Tribunal de Justiça que estabeleceu uma base de cálculo do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) mais favorável aos contribuintes corre o risco de ser derrubada pelo Supremo Tribunal Federal por questões processuais.
Em despacho do último dia 21, o vice-presidente do STJ, ministro Og Fernandes, admitiu recurso extraordinário impetrado pelo município de São Paulo e remeteu os autos ao STF para análise da existência ou não de matéria constitucional e, eventualmente, de repercussão geral.
A decisão levou em conta um ofício encaminhado pelo STF recomendando a todos os tribunais que, em recursos representativos de controvérsia — aqueles escolhidos entre vários outros idênticos para a fixação de uma tese jurídica —, ainda que se vislumbre questão infraconstitucional, o recurso especial seja admitido.
Segundo a posição da 1ª Seção do STJ, a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, o que pode ser presumido pelo valor da transação declarado pelo contribuinte.
Essa fórmula de cálculo é distinta da praticada pelas prefeituras, que tomam como referencial a base de cálculo do IPTU. Assim, abre-se a possibilidade de os municípios terem de devolver valores pagos a mais no ITBI, graças à diferença entre esses dois critérios.
O tema foi originalmente julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, em incidente de resolução de demanda repetitiva (IRDR). A corte paulista havia entendido que a base de cálculo do ITBI poderia ser o valor do negócio ou o valor venal para fins de IPTU — o que fosse maior.
Questão processual
Para o município de São Paulo, toda a tramitação do tema ofendeu o devido processo legal, o que impediria o STJ de apreciar o assunto em recurso especial, conforme previsto no artigo 105, inciso III, da Constituição Federal.
A questão se baseia no procedimento escolhido pelo TJ-SP para julgar o IRDR. O tribunal elegeu três recursos para o julgamento do IRDR pelo 7º Grupo de Direito Público. Antes disso, no entanto, a 14ª Câmara de Direito Público concluiu o julgamento da apelação. Assim, quando o IRDR foi julgado, não havia caso concreto a ser resolvido.
Na petição ao STF, o município apontou que a prática ofendeu o artigo 976 do Código de Processo Civil, que prevê como requisito de admissibilidade do IRDR a existência de “causa pendente no tribunal”. O município defende que o incidente seja extinto sem julgamento do mérito.
A fixação de teses em abstrato, sem caso concreto, até é admitida pelo STJ. Seria o caso, por exemplo, de as partes desistirem de um recurso afetado como representativo da controvérsia. Mesmo assim, nada impediria o TJ/SP de firmar a tese para impactar os demais processos idênticos.
A jurisprudência do STJ, no entanto, indica que isso impediria a impetração de recurso especial, pois estaria ausente requisito constitucional de cabimento de “causa decidida”.
Quando julgou o recurso especial, a 1ª Seção do STJ analisou esse assunto e concluiu pela admissibilidade. Relator, o ministro Gurgel de Faria alegou que, julgada a causa pelo TJ-SP, está preenchido o requisito constitucional para análise em recurso especial.
“Eventual equívoco procedimental cometido pela corte estadual não pode prejudicar o interesse de parte, no caso, a Fazenda Pública municipal, de rever a tese jurídica firmada no julgamento do IRDR, que, como cediço, orienta, com caráter vinculativo, o julgamento de feitos idênticos”, disse ele.
Limite do recurso
No recurso extraordinário, o município de São Paulo também caracterizou a tese fixada pelo STJ como ultra petita — ou seja, extrapolou os limites fixados pelo acórdão e tratados na petição do recurso especial — e pediu para que fosse reconhecida a legalidade do valor venal de referência como base de cálculo do tributo.
O STJ, por sua vez, decidiu que o valor venal não pode ser a referência. Ou seja, prejudicou ainda mais o município recorrente, apesar de não haver recurso do contribuinte.
“A prevalecer a tese fixada no acórdão recorrido, estar-se-á dando abertura, com o respaldo do Poder Judiciário, para que o contribuinte recolha o ITBI com base no preço declarado da transação, mesmo quando inferior ao valor venal previsto em lei para fins do IPTU, que é sabidamente defasado”, diz a petição do recurso extraordinário.
ITBI no divã
Essa problemática foi abordada em artigo em três partes assinado pelo assessor jurídico da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais Brasileiras (Abrasf), Ricardo Almeida Ribeiro da Silva, e publicado pela revista eletrônica Consultor Jurídico (clique aqui, aqui e aqui para ler).
A cobrança do ITBI também gerou grande discussão judicial recentemente, a partir de um julgamento do STF que indicou que o fato gerador só ocorre após a transferência efetiva do imóvel, mediante o registro em cartório.
Como mostrou a ConJur, a tese colocou os cartórios de notas em uma sinuca de bico e ligou o alerta de arrecadação para os municípios, que continuaram contestando a maneira como o caso foi julgado e a tese, firmada. Em agosto, o Supremo reconheceu o equívoco e decidiu reanalisar o tema da repercussão geral.
No caso da base de cálculo do ITBI, segundo a advogada Anali Caroline Castro Sanches Menna Barret, do VBD Advogados, o STF admite a possibilidade de revisão ao usar de hipótese “não prevista nem no CPC e nem na Constituição, inclusive reduzindo a força dos julgamentos do STJ, que serão sempre revistos”.
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REsp 1.937.821
Fonte: Conjur
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