O tema do planejamento sucessório vem ganhando espaço e visibilidade no dia a dia das famílias brasileiras. Talvez pelas incertezas e anseios ocasionados pela pandemia da Covid-19 ou mesmo pelas constantes notícias acerca do possível aumento do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) [1], fato é que o assunto nunca esteve tão em voga.

 

Nesse sentido, a escolha do regime de casamento é passo importante para o planejamento sucessório.

 

O artigo 1.640 do Código Civil determina que “Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial”. Assim, em regra, quando os nubentes (noivos) não escolherem o regime de casamento, presume-se que o regime adotado será o da comunhão parcial de bens, no qual, em regra, haverá comunhão dos bens adquiridos após a data do casamento.

 

A despeito do quanto disposto no artigo 1.640 do Código Civil, é cada vez mais comum que casais optem pelo regime de separação convencional de bens, ou seja, aquele regime em que os bens das partes não se comunicam (mesmo após o casamento)

 

Aqui vale mencionar, brevemente, que o Supremo Tribunal Federal já pacificou entendimento no sentido de que o companheiro, proveniente de uma União Estável, equipara-se ao cônjuge de um casamento. Vejamos:

 

“No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no artigo 1.829 do CC/2002”. (STF, RE 878.694, relator ministro ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, j. 10/05/2017).

 

Nesta toada, seja na união estável ou no casamento, fato é que, ao escolher o regime de separação convencional de bens, os cônjuges/companheiros têm a intenção de separar e preservar seu patrimônio pessoal/particular sendo certo que, em caso de divórcio, os bens de um não se comunicariam com o outro cônjuge/companheiro.

 

E se assim ocorre no divórcio, também deveria ocorrer após a morte de um dos cônjuges/companheiros, uma vez que a vontade do cônjuge/companheiro falecido era de não deixar nenhum bem para o cônjuge/companheiro sobrevivente, correto? Todavia, não é essa a mais recente interpretação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema.

 

Com efeito, a 2ª Seção do STJ pacificou entendimento no sentido de que, mesmo em casos de separação convencional de bens, ou seja, nos casos em que os cônjuges/companheiros escolheram, por livre e espontânea vontade, não comunicar os bens entre si, o cônjuge/companheiro sobrevivente deve ser habilitado como herdeiro e concorrer com os demais herdeiros necessários na partilha de bens. Vejamos:

 

“A Segunda Seção desta Corte firmou o entendimento segundo o qual, no regime de separação convencional de bens, o cônjuge sobrevivente possui a qualidade de herdeiro necessário e concorre com os descendentes do falecido. A concorrência somente fica obstada quando se tratar de regime da separação legal de bens prevista no artigo 1.641 do Código Civil. (…)”.

(AgInt nos EDcl no AREsp nº 1.639.710/RJ, relator ministro Antonio Carlos Ferreira, 4ª Turma, julgado em 24/8/2020, DJe de 28/8/2020).

“Apesar disso, continuará havendo, para fins sucessórios, a incidência do 1829, I, do CC. 8. Deveras, a Segunda Seção do STJ pacificou o entendimento de que ‘o cônjuge sobrevivente casado sob o regime de separação convencional de bens ostenta a condição de herdeiro necessário e concorre com os descendentes do falecido’, a teor do que dispõe o artigo 1.829, I, do CC/2002, e de que a exceção recai somente na hipótese de separação legal de bens fundada no artigo 1.641 do CC/2002.

(…)”. (AgInt nos EDcl nos EDcl nos EDcl no REsp nº 1.318.249/GO, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 24/9/2019, DJe de 30/9/2019).

 

Tal entendimento já é aplicado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo:

 

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. Ação de inventário. Insurgência contra decisão que reconheceu a condição de herdeira da ex-companheira quanto aos bens particulares do falecido, apesar do regime da separação total vigente durante a união estável. Inexistência de diferença entre os regimes sucessórios aplicados ao cônjuge e ao companheiro, conforme decidiu o STF em tese firmada em repercussão geral. Aplicação do artigo 1.829, I, do CC. Regime da separação convencional de bens que torna necessária a inclusão da viúva na sucessão legítima, em concorrência com os descendentes. Precedentes do STJ e do TJSP. Enunciado nº 270, da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal. Decisão mantida. RECURSO DESPROVIDO”. (TJSP; Agravo de Instrumento 2069535-50.2021.8.26.0000; relator (a): Beretta da Silveira; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional VIII — Tatuapé — 3ª Vara da Família e Sucessões; Data do Julgamento: 25/05/2021; Data de Registro: 25/05/2021).

 

Vale aqui mencionar que o entendimento do STJ faz ressalva com relação ao regime de separação convencional de bens, de modo que, nos casos de separação obrigatória de bens (prevista no artigo 1.641 do Código Civil) [2], não será aplicado tal entendimento.

 

Para exemplificar o entendimento atual do STJ, imagine que seu pai, após divorciar-se de sua mãe, inicia uma União Estável com uma nova mulher. Para preservar o patrimônio e não diminuir sua futura e eventual herança, seu pai e a nova mulher celebram um pacto antenupcial em que escolhem o regime da separação convencional de bens.

 

Passados alguns anos, seu pai falece e, apesar do pacto antenupcial mencionar a escolha do regime de separação convencional de bens, você e sua irmã (únicos filhos e herdeiros) recebem a notícia de que a nova mulher também terá direito a receber a herança de seu pai. Tal fato pode ocasionar situações indesejáveis e desconfortáveis tanto na esfera emocional como patrimonial, ainda mais considerando uma possível relação conturbada entre você e a nova mulher.

 

É exatamente nesse momento que o planejamento sucessório surge para minimizar riscos e extirpar inconveniências da vida.

 

Com efeito, o artigo 1.846 do Código Civil determina que “Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima” (“Parte Indisponível”). Por sua vez, o artigo 1.857 do Código Civil [3] permite que qualquer pessoa capaz faça um testamento para dispor de até metade (50%) de seu patrimônio (denominada de “Parte Disponível”).

 

Pois bem. Voltando ao exemplo acima, sem a realização de um testamento, a divisão dos bens do seu pai ficaria da seguinte forma: 33,3% para você, 33,3% para sua irmã e 33,3% para a nova mulher.

 

Todavia, caso seu pai tivesse realizado um devido (e necessário) planejamento sucessório, através da assinatura de um testamento — por exemplo —, seria possível aumentar o percentual da herança que você e sua irmã teriam direito a receber. Explica-se.

 

Caso seu pai tivesse feito um testamento deixando a parte disponível (50% do patrimônio total) igualmente para você e sua irmã (ou seja, 25% para cada um), a nova mulher teria direito a apenas 16,6% da herança do seu pai e não 33,3%. Isso porque, ao deixar a Parte Disponível para você e sua irmã, seu pai teria deixado somente os outros 50% da Parte Indisponível para ser partilhada entre você, sua irmã e a nova mulher (ou seja, 50% dividido por três herdeiros necessários = 16,6%).

 

Em suma, você e sua irmã receberiam, cada um, 41,6% do patrimônio total do seu pai e a nova mulher receberia apenas os 16,6% restantes.

 

Com a realização de um testamento, seu pai teria garantido 8,3% a mais do patrimônio para cada filho, o que, em determinados casos, pode representar quantias significativas.

 

E é justamente para isso que existe o planejamento sucessório: para analisar a situação familiar e patrimonial e definir a melhor estratégia para proteger e privilegiar (legalmente) aqueles escolhidos pelo detentor do patrimônio.

 

Fonte: Conjur

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