O planejamento patrimonial busca proteção, perpetuação e transmissão do patrimônio

Muitas vezes tratado com preconceito, quando se pensa em planejamento patrimonial, muitos o relacionam apenas a imóveis e acreditam que é apenas para pessoas ricas. No entanto, ele é mais abrangente e deveria ser uma preocupação de todos. Para entender sobre sua importância e abrangência, entrevistei um especialista no assunto.

Na entrevista, abordamos os três principais temas de atuação no planejamento patrimonial: família, sucessão e tributação.

Entrevistei o advogado David Roberto R. Soares da Silva do escritório Battella, Lasmar & Silva Advogados. Ele é um dos autores do livro Planejamento Patrimonial, Família, Sucessão e Impostos da editora B18, que é referência sobre o assunto.

Como explica David, “com o planejamento adequado, é possível assegurar a proteção e perpetuação do patrimônio, sua boa gestão no presente e sua transmissão tranquila aos sucessores no futuro, promovendo a paz e harmonia familiar em eventos de estresse, como morte do proprietário, e até alguma economia de impostos”.

Qualquer indivíduo com algum bem ou que está trabalhando para alcançá-lo gostaria de ter a tranquilidade proporcionada pelo planejamento e explicada por David. Então vamos à entrevista.

Família:

Como o casal deve decidir qual o regime de bens mais vantajoso?

David: falar sobre o regime de bens antes do casamento é, muitas vezes, estressante, especialmente se há uma diferença financeira muito grande entre os futuros cônjuges. Essa discussão pode passar a (falsa) impressão de que uma pessoa está mais interessada nos bens e no dinheiro do outro do que na relação amorosa. Mas, voltando à sua pergunta, é um tema que, sim, deve ser discutido e levado a sério pelo casal. Ninguém pensa em divórcio quando está se casando, mas não é só isso que importa quando se discute regime de bens. As atividades desenvolvidas pelos noivos podem ter impacto significativo no patrimônio futuro da família, especialmente se a gente considera que a ‘comunhão’ não é apenas dos bens, mas também nas dívidas. Veja, por exemplo, alguém que seja diretor de instituição financeira. Se a instituição tiver um problema sério, o Banco Central pode bloquear os bens pessoais do diretor. E se ele for casado sob o regime da comunhão parcial de bens (o padrão, hoje em dia), isso significa que os bens do casal serão bloqueados. Isso não ocorrerá se o regime for o da separação total de bens. Mas, não é apenas diretor de banco. Veja um empreendedor que tem o seu negócio. O risco de ele ter problemas financeiros, trabalhistas ou tributários na empresa é razoável, e esses problemas podem resvalar para a pessoa física. Na separação total de bens, o patrimônio do outro cônjuge está protegido, o que não ocorre na comunhão universal ou comunhão parcial de bens.

Daí a necessidade de sentar, conversar e analisar a situação e os riscos de cada um, para então decidir qual o melhor regime.

Qual é o limite do namoro e da união estável?

David: o Código Civil define a união estável como o relacionamento entre duas pessoas (hétero ou homoafetivo) que seja público, contínuo, duradouro e com intenção de constituir família. O relacionamento público é aquele de conhecimento do círculo social do casal; contínuo é aquele que não é esporádico (ex., amor de verão, ou ficar com alguém de vez em quando); duradouro, por sua vez, é aquele que perdura no tempo, embora a lei não fixe prazo mínimo. A intenção de constituir família é o mais complicado dos requisitos da união estável, porque a lei não diz o que é. Os tribunais têm entendido que a intenção de constituir família é renunciar à vida individual em prol da vida em casal. É compartilhar sonhos, alegrias, tristezas, planos de vida e dar suporte emocional (e até financeiro) para a vida em comum. Quanto maior esse compartilhamento, mais próximo estaremos da intenção de constituir família que, diga-se, não significa necessariamente o desejo de ter filhos. O namoro, por sua vez, é o relacionamento entre duas pessoas (hétero ou homoafetivo) que seja público, contínuo e duradouro, mas sem a intenção de constituir família. No caso do namoro, as partes mantêm uma vida privada própria e independente da outra pessoa.

É um tema bastante controverso, mas que possui consequências patrimoniais importantes. Enquanto o fim de uma união estável pode resultar na partilha de bens, pensão alimentícia e até mesmo direitos sucessórios, isso não acontece com o namoro. O maior problema dessa distinção ocorre quando o relacionamento acaba e uma das partes acha que era namoro e a outra que era união estável. Se a relação não estiver formalizada por meio de um contrato ou escritura, o caso poderá parar na Justiça que, analisando as provas, irá decidir se era namoro ou união estável. Se for união estável, então poderá haver partilha dos bens adquiridos durante a relação. O tema é bastante interessante e complexo, que caberia num artigo inteiro.

A partir de qual volume de patrimônio é importante estabelecer um Pacto antenupcial?

David: o pacto não depende do patrimônio que já existe. Ele será obrigatório se as partes não desejarem adotar o regime padrão da comunhão parcial de bens. Assim, um casal jovem em início de carreira, sem patrimônio, que quiser adotar o regime da separação total de bens deverá fazer um pacto antenupcial para fazer valer esse regime.

Sucessão:

Em que momento da vida e a partir de qual patrimônio devo pensar em sucessão?

David: tudo depende da situação de vida de cada um. Uma pessoa solteira, sem filhos ou pais vivos, deve pensar na sucessão, pois a falta de planejamento pode fazer com que seu patrimônio seja destinado ao estado por ausência de sucessores. Uma jovem empresária divorciada e com filhos pequenos, também deve pensar em formar de proteger o patrimônio para, no seu falecimento, o ex-marido não apareça querendo administrar os bens dos filhos. Eu diria que a gente deve pensar na sucessão na medida que começamos a ter uma família (ou filhos) e/ou um patrimônio que seja importante para nós. Pode ser R$ 1 milhão ou mesmo R$ 100 mil. E quando temos filhos menores, o foco não deve ser apenas no patrimônio, mas também em garantir o bem-estar deles.

Qual a diferença entre meação e herança?

David: meação só se aplica a casamento e união estável. Trata-se da metade do patrimônio de uma pessoa casada (ou em união estável) sob o regime da comunhão parcial de bens ou comunhão universal de bens. A meação significa copropriedade em razão do regime de bens. Por exemplo, João casou com Maria na comunhão parcial e comprou um imóvel durante o casamento. Ainda que o imóvel esteja apenas no nome dele, em um eventual divórcio ou falecimento de João, Maria terá direito a 50% do imóvel a título de meação (metade dos bens adquiridos durante o casamento por qualquer dos cônjuges). Se João não tiver filhos nem pais vivos, a outra metade do imóvel caberá à Maria a título de herança (patrimônio particular de João que cabe aos herdeiros). Veja que na meação, por ser copropriedade, não há incidência do imposto sobre heranças (ITCMD). Assim, no caso de Maria, era receberá a meação (50% do imóvel) sem pagar ITCMD, e pagará o imposto na outra metade que receber como herança. Mas, vamos dizer que João e Maria tenham um filho – Marcos. No falecimento de João, Maria recebe metade do imóvel como meação (sem ITCMD) e Marcos recebe a outra metade como herança, pois é um único herdeiro do pai no imóvel comprado durante o casamento.

Quais são os instrumentos do planejamento sucessório? Qual é o menos custoso?

David: não dá para falar qual o instrumento mais barato ou mais custoso. Um contrato de doação pode ser simples de fazer, mas se o patrimônio for significativo, o ITCMD – imposto sobre doações – poderá ser enorme. Um testamento, por sua vez, não paga ITCMD, mas pode ser muito trabalhoso de fazer e custar mais caro para ser elaborado. Até mesmo uma holding pode ter custos de implantação diferentes, se ela detiver imóveis para locação ou apenas imóveis de uso pessoal. Isso porque, a depender do tipo de holding, os custos tributários podem variar significativamente. Além do contrato de doação, do testamento e da holding, outras ferramentas de planejamento patrimonial e sucessório incluem o bem de família, contrato de namoro e de união estável, partilha em vida, acordo de sócios, previdência privada e seguro de vida, protocolo de família, testamento vital, offshore, trusts, love letter, e muito mais.

Impostos:

Quais são os tributos relevantes na preocupação com planejamento tributário?

David: Basicamente são: imposto de renda, ITCMD (para doações e heranças) e ITBI (operações envolvendo imóveis).

Como diferenciar elisão fiscal da evasão fiscal e da simulação?

David: A elisão fiscal é o planejamento tributário lícito feito antes da ocorrência do fato gerador do imposto. Evasão fiscal é o não pagamento de impostos de forma ilegal, como a sonegação. Simulação é dizer um desvirtuamento intencional de uma dada operação. Por exemplo, eu quero deixar um bem específico para um filho, mas se eu fizer doação eu terei ITCMD sobre o valor venal do bem, além de obedecer às regras de sucessão (legítima). Aí eu posso simular a venda do bem a um amigo por um valor pequeno, que depois ‘revende’ o bem ao meu filho também por um valor baixo. O que eu queria era doar, mas simulei duas vendas para atingir esse objetivo. Isso poderia ser considerado simulação.

Qual a estratégia mais comum para reduzir a carga tributária ao cliente?

David: Tudo depende do tipo de patrimônio envolvido e do que se pretende com o patrimônio. Não existe uma estratégia mais comum. Você pode querer economizar o IR na venda de um imóvel, ou antecipar uma doação para pagar menos ITCMD se houver um projeto de lei para aumentá-lo. Veja que o aspecto tributário, no âmbito do planejamento patrimonial e sucessório, deve estar alinhado com os objetivos da sucessão em si. Não se pode apenas olhar para a parte fiscal. Evitar o inventário judicial, facilitar a transmissão dos bens aos herdeiros, ou até mesmo evitar que recursos financeiros fiquem bloqueados durante o inventário são tão, ou até mais importante, do que uma eventual redução marginal de impostos. O ideal é pensar que o planejamento patrimonial e sucessório deve atender aos objetivos pretendidos com a maximização da economia tributária.

Fonte: Folha de SP

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