Cerca de 10 milhões de pessoas no mundo recebem o diagnóstico de demência todos os anos. E se você for uma delas? O que fazer diante da notícia de que suas habilidades mentais, como memória, linguagem e raciocínio, aquelas coisas especiais que tornam você quem você é, entrarão em declínio progressivo até um fim inevitável?

 

Conversei sobre o assunto com a médica geriatra Mariana Ramos Campanholo Garcia, 33 anos, que atende em São Carlos, interior de São Paulo. Em primeiro lugar, ela pergunta: essa é uma notícia que você quer saber? “Minha avó não quis saber”, me conta Mariana, sobre Nair, 84 anos, que está com Alzheimer. Digamos que você queira saber  – e que o seu diagnóstico veio antes da perda de suas habilidades cognitivas – o que deve fazer depois?

 

A geriatra, que é especialista em medicina paliativa, separa as ações em dois grupos. O primeiro é o dos desejos. Ela recomenda programar aquelas coisas que você adiou ao longo da vida e que gostaria de realizar agora. Pode ser uma viagem, um reencontro com alguém do passado ou um pedido de perdão. “Programe momentos agradáveis enquanto sua capacidade cognitiva está preservada”, recomenda.

 

O segundo grupo é o das decisões práticas sobre a forma como você quer viver seus últimos momentos. Essas decisões podem estar descritas num Testamento Vital, uma declaração formal da sua vontade, ou serem expressas numa conversa com a família. Você precisa dizer quais procedimentos médicos vai querer ou não ser submetido quando estiver incapacitado de manifestar sua vontade.

 

Pedi para Mariana para selecionar três decisões fundamentais relacionadas aos procedimentos médicos mais comuns na fase terminal de uma pessoa com demência. Ela citou quatro. A primeira é se você quer ou não ir para a UTI caso sofra complicações por causa da demência avançada. “A UTI é uma medicina invasiva, um ambiente hostil que priva o paciente da convivência da família”, diz. Outro procedimento para sua lista é o uso de sonda nasogástrica para alimentação, um tubo fino e flexível, que é colocado desde o nariz até o estômago em pessoas que perdem a capacidade de se alimentar normalmente. “Na nossa cultura latina, comer é vida. A pessoa com sonda perde o prazer de comer”. Segundo ela, estudos já mostraram que a sonda não prolonga e nem melhora a qualidade de vida dos pacientes. “Muitos vão viver, mas sedados para tolerar a sonda.”

 

As duas últimas decisões citadas pela geriatra são mais complexas. Envolvem a manifestação da sua vontade em relação ao fim da vida em si. As infecções (urina e pneumonia costumam ser as mais comuns) tornam-se recorrentes na fase terminal das pessoas com demência. “A gente trata, reverte; ela volta, a gente trata e reverte; mas ela continua voltando. Até quando você quer postergar o sofrimento? É muito difícil colocar isso em testamento porque não dá para saber quantas recorrências são suportáveis”, diz.

 

A outra decisão é se você quer passar por reanimação cardiopulmonar ou diálises para continuar vivo. Mariana defende a ortotanásia, que é deixar a vida seguir por ela mesma, não prolongar artificialmente uma morte iminente. A medicina paliativa, que já deveria estar envolvida desde o começo do tratamento, vai ajudar o paciente a ter, nas palavras dela, “qualidade de vida e qualidade de morte”.

 

Fonte: Época Negócios

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