No que tange às preocupações e providências que envolvem planejamentos patrimoniais e sucessórios, grande parte relacionadas aos momentos posteriores à morte, um importantíssimo documento, cujos efeitos são anteriores ao falecimento de seu subscritor, tem ganhado destaque nas discussões sobre planejamento: o testamento vital ou diretiva antecipada de vontade ou, ainda, living will.

O documento, que teve origem nos Estados Unidos, nada mais é do que uma declaração em que a pessoa indica os cuidados e tratamentos que deseja ou não receber, caso seja acometida por doença incurável/terminal.

 

Grande  parte da doutrina considera a expressão “testamento vital” incorreta, já que não se trata propriamente de um testamento, cujas disposições são cumpridas após a morte do indivíduo. Contudo, a declaração é, na verdade, um conjunto de direcionamentos para tomadas de decisão ainda em vida, motivo pelo qual a referência correta seria “diretivas antecipadas de vontade” ou “declaração vital ou biológica”.

 

Apesar do instituto vir ganhando destaque, ainda não existe no Brasil legislação específica sobre o tema, por isso as declarações vitais são pautadas nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da autonomia privada e da proibição de tratamento desumano, previstos pela Constituição Federal.

 

Além disso, o Conselho Federal de Medicina criou em 2012, a Resolução 1.995/12, que dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade do paciente, indicando tratar-se de “(…) conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade”. Entre as cláusulas contidas na declaração, é possível indicar o desejo (ou não) da utilização de aparelhos para prolongamento da vida, transfusão de sangue, amputação, reanimação, hemodiálise e até mesmo destinação do próprio corpo (cremação/enterro) e doação de órgãos.

 

Além disso, consta expressamente na resolução que as disposições contidas na declaração vital ficarão vinculadas ao prontuário e à ficha médica do paciente e prevalecerão sobre a vontade dos familiares, demonstrando a efetividade na elaboração do documento a fim de garantir que a vontade do declarante seja satisfeita.

 

O testamento vital, é um meio para tornar efetiva a vontade do indivíduo em situações extremas, nas quais ele provavelmente não poderá expressar seu desejo sobre os tratamentos a que gostaria ou não de se submeter, além de indicar os tratamentos aos quais a pessoa deseja ou não se submeter, pode conter a designação de um “procurador da saúde”, pessoa de confiança do declarante que tomará eventuais decisões e garantirá que a sua vontade seja observada.

 

O documento, portanto, Além disso, permite poupar familiares próximos de tomar decisões difíceis e carregar o peso de suas consequências.

 

É importante ressaltar que a eutanásia é vedada pelo nosso ordenamento jurídico e constitui ato ilícito tipificado no Código Penal. Assim, caso a declaração vital contenha determinação de utilização de técnicas que ativa e intencionalmente antecipem a morte da pessoa, é possível que o documento seja considerado nulo.

 

Por outro lado, disposições condizentes com a ortotanásia são permitidas no testamento vital. Isso torna possível à pessoa determinar que não deseja o emprego de técnicas artificiais para prolongamento de sua vida, mas apenas a utilização de medidas paliativas – uma escolha que visa evitar a perpetuação do sofrimento do paciente, tanto físico quanto psicológico. É possível, ainda, que o declarante opte por transferir essa decisão para um médico de confiança, que deverá atestar a irreversibilidade do quadro de saúde. Apesar de não existir formalidades para a elaboração do documento, é recomendado que ele seja feito mediante escritura pública.

 

Em linhas gerais, o testamento vital é uma forma de atender aos anseios e desejos do declarante, além de evitar conflitos entre familiares e médicos, permitindo que a passagem do indivíduo se dê nos termos por ele definidos, desde que não infrinjam a legislação vigente, sendo considerado um importante mecanismo para garantir ao declarante uma morte digna.

 

*Rafael Stuppiello é advogado da área de Private Wealth do Machado Meyer Advogados.

 

Fonte: Jornal Jurid

Deixe uma resposta