Processo 1068169-47.2022.8.26.0100

 

Dúvida – Registro de Imóveis – Saul Silva Souza – Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida suscitada para determinar o registro. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: GUILHERME FERNANDES LOPES PACHECO (OAB 142947/SP)

 

Íntegra da decisão:

 

SENTENÇA

 

Processo Digital nº: 1068169-47.2022.8.26.0100

 

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

 

Suscitante: 4º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo

 

Suscitado: Saul Silva Souza

 

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

 

Vistos.

 

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Saul Silva Souza, tendo em vista negativa em se proceder ao registro de escritura de venda e compra por meio da qual os espólios de Maria Correa da Silva e de Edis Ferreira da Silva transmitiram a fração ideal de um terço do imóvel objeto da transcrição nº 80.457 daquela serventia.

 

A recusa se deu pela ausência de comprovação do recolhimento do ITBI.

 

O Oficial informa que cessão onerosa de direitos hereditários foi comunicada ao juízo da sucessão no processo de autos n.0023882-47.1984.8.26.0100, que determinou recolhimento do tributo. Com o atendimento, expediu-se alvará autorizando a herdeira a outorgar escritura definitiva da sua terça parte do imóvel para os compromissários compradores, a qual foi lavrada em fevereiro de 2022.

 

O Oficial entende que a cessão de direitos à sucessão e a compra e venda caracterizam hipóteses distintas de incidência tributária, pelo que exigiu comprovação do recolhimento devido pela compra e venda.

 

Documentos vieram às fls. 04/380.

 

A parte suscitada apresentou impugnação às fls.381/388, defendendo a ocorrência de um único fato gerador, sendo que o imposto de transmissão foi recolhido, com demonstração no processo de inventário. Indevido, assim, novo pagamento sob pena de bis in idem.

 

O Ministério Público opinou pela manutenção do óbice (fls. 392/394).

 

É o relatório.

 

Fundamento e decido.

 

No mérito, a dúvida é improcedente. Vejamos os motivos.

 

De início, vale ressaltar que o Oficial dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

 

Esta conclusão se reforça pelo fato de que vigora, para os registradores, ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (art. 289 da Lei n.6.015/73; art.134, VI, do CTN e art.30, XI, da Lei 8.935/1994).

 

O caso concreto trata do registro de escritura de compra e venda lavrada em 18 de fevereiro de 2022 pela 29ª Tabeliã de Notas da Capital, por meio da qual os espólios de Maria Correa da Silva e de Edis Ferreira da Silva, representados pela herdeira filha Eunice Correa da Silva, alienaram a terça parte do imóvel objeto da transcrição n.80.457 do 4º RI da Capital para os compradores Saul Silva de Souza, Arnaldo Batista Silva Souza, Enoque Silva Souza e Carlos Alberto Silva Souza, o que foi autorizado por alvará expedido pelo juízo da 5ª Vara da Família e Sucessões do Foro Central no processo de autos n.0023882-47.1984.8.26.0100 (fls.371/376).

 

Referido título informa expressamente que a transmissão por ele consumada se dá em cumprimento de venda e compra com cessão de direitos hereditários celebrada por instrumento particular firmado entre os compradores e a herdeira Eunice em 25 de maio de 2006, o qual não foi levado a registro.

 

O valor do negócio e a forma de pagamento foram os mesmos previstos por ocasião da cessão dos direitos hereditários, com confirmação de quitação pela herdeira cedente.

 

Trata-se, portanto, de negócio jurídico formalizado por instrumento público mediante autorização do juízo da sucessão para acesso ao fólio real.

 

Importante anotar que, embora o artigo 2º, X, do Decreto n. 55.196/2014, indique a incidência do imposto sobre “a cessão de direitos à sucessão”, o instrumento particular que iniciou o negócio formalizado na escritura não foi levado a registro, o que é essencial para a ocorrência do fato gerador do ITBI, conforme tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo – ARE n.1.294.969, sob a sistemática da

 

Repercussão Geral, nos seguintes termos:

 

Tema 1124: “O fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro”.

 

Cumpre destacar que a questão então controvertida ficou assim delimitada no relatório do Ministro Luiz Fux (fl.383):

 

“Possibilidade de incidência do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) em cessão de direitos de compra e venda, mesmo sem a transferência de propriedade pelo registro imobiliário”.

 

Em outros termos, o debate tratou do alcance do artigo 156, inciso II, da Constituição Federal, no que diz respeito à cobrança do ITBI sobre a cessão de direitos de compra e venda de imóvel, mesmo sem ingresso em Cartório de Registro de Imóveis.

 

A jurisprudência do STF referida e reafirmada nesse julgamento tratou de leis municipais que, interpretando de maneira equivocada o artigo 150, §7º, da Constituição Federal, impõem o recolhimento do ITBI no momento da contratação, independentemente do registro.

 

Contudo, embora a Constituição autorize a atribuição antecipada de obrigação tributária por fato gerador presumido, a conclusão alcançada é que a ocorrência do fato gerador do ITBI depende da efetiva transmissão dos direitos reais sobre imóveis constituídos, o que somente se dá com o registro do título perante os Cartórios de Registro de Imóveis, tal como dispõe o artigo 1.227 do Código Civil.

 

Assim também se preserva o princípio da instância ou da rogação, segundo o qual todo procedimento de registro público apenas se inicia a pedido do interessado (artigo 13 da Lei 6.015/73), afastando-se a incidência do imposto sobre a negociação de direitos obrigacionais sem vínculo real.

 

Nesse contexto, conclui-se que, no caso concreto, caracteriza-se um único fato gerador do ITBI.

 

Há que se destacar, ainda, que o recolhimento do tributo devido foi exigido pelo juízo da sucessão como condição para expedição de alvará autorizando a celebração do negócio, de modo que suficiente a exibição das guias de fls.211 e 245/259 ao lado da confirmação da contadoria judicial à fl.262, para se comprovar o pagamento devido.

 

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida suscitada para determinar o registro.

 

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

 

Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.

 

P.R.I.C.

 

São Paulo, 11 de agosto de 2022.

 

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

 

Juiz de Direito (DJe de 16.08.2022 – SP)

 

Fonte: Diário da Justiça Eletrônico

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