O pluralismo é um dos símbolos essenciais da pós-modernidade. Quando os profissionais do Direito descrevem a família como fruto da cultura, referem-se ao fato de que, no mundo contemporâneo, já não é possível aceitar uma ideia linear e única sobre as estruturas familiares. O pluralismo familiar, sendo assim, é a característica da multiplicidade de espécies familiares que convivem num mesmo espaço público, colocando o artigo 226 da Constituição um rol exemplificativo, no qual traz expressamente três tipos de família: casamento, união estável e monoparental.

 

A família representa o espaço natural de pertencimento do indivíduo a um grupo pelo nascimento ou adoção. É no seio dela que a pessoa cresce, desenvolve seu caráter e adquire as habilidades para se portar na sociedade. A discussão sobre os modelos de família parentais vem à tona devido aos impactos da pós-modernidade, que refletem no ditame do artigo 1.593 do Código Civil brasileiro: “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”. Assim sendo, concomitantemente ao lado da família biológica, formada pelos laços sanguíneos, constituíram-se novos modos de formação familiar parental, consolidados pelo afeto entre os membros.

 

Necessário pontuar que o diploma civil brasileiro, cujo anteprojeto foi redigido na década de 1970 e sancionado no século 21, não trouxe expressamente o afeto como um verdadeiro direito fundamental para o Direito de Família, deixando nas entrelinhas da hermenêutica o conceito de parentalidade advindo da socioafetividade. Nessa perspectiva, atendendo a necessidade natural dos seus membros, novos modelos de famílias parentais foram surgindo, sendo necessário o seu reconhecimento através do ativismo judicial positivo das decisões dos tribunais superiores, como foi o caso do tema de repercussão geral 622, que reconheceu a afetividade como um valor jurídico, o vínculo socioafetivo e biológico em igual grau de hierarquia jurídica e a possibilidade jurídica da multiparentalidade.

 

Isso ocorreu porque não há uma legislação que explicitamente represente a realidade das famílias brasileiras da atualidade, apesar da existência do projeto de lei que tem esse objetivo, como é o caso do Estatuto das Famílias PLS 470/2013, encabeçado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam) e mais alinhado ao pluralismo jurídico e à elevação da “afetividade” como um princípio norteador para a caracterização das entidades familiares, conforme prevê o seu artigo 5º.

 

Diante de um tempo qualificado de ausência de uma resposta legislativa sobre o conceito abrangente de parentalidade, recentemente, em 21 de setembro de 2022 foi sancionada a Lei trabalhista 14.457, que dentre outras importantes políticas afirmativas na busca de correção da desigualdade de gênero, empresta ao Direito de Família um fidedigno e expresso significado de “parentalidade”, trazido no parágrafo único do artigo 1º, qual seja: “Para os efeitos desta Lei, parentalidade é o vínculo socioafetivo maternal, paternal ou qualquer outro que resulte na assunção legal do papel de realizar as atividades parentais, de forma compartilhada entre os responsáveis pelo cuidado e pela educação das crianças e dos adolescentes, nos termos do parágrafo único do artigo 22 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente)”.

 

Referida lei, que institui o Programa Emprega + Mulheres e altera a Consolidação das Leis do Trabalho, tem por objetivo básico inserir e manter as mulheres no mercado de trabalho sob quatro pilares: apoio à parentalidade na primeira infância, apoio à parentalidade por meio de flexibilização do regime de trabalho, qualificação das mulheres em áreas estratégicas para ascensão profissional e apoio das mulheres ao retorno do trabalho após o término da licença-maternidade.

 

Sem dúvidas que na seara de promoção das iniciativas para a igualdade de gênero da CF/88 é necessário compromisso permanente de todos, devido ao sentimento enraizado de eternos vínculos domésticos que retiram, por exemplo, a oportunidade das mulheres de inserção estável no mercado de trabalho, evidentemente uma vulnerabilidade na luta por direitos iguais. Constata-se que a evolução dos direitos da mulher sempre está em simbiose com a evolução do conceito de família, e de mãos dadas buscam seu espaço de realização. Assim, importante destacar que nos elementos desta lei há uma abertura do conceito de parentalidade pelo olhar sensível do legislador trabalhista, que consegue captar sua função social de promover um direito solidário e sistêmico para os núcleos familiares parentais, consagrando o genuíno sentimento de “ser” família sem impor um rol taxativo. Procurou-se revelar a essência da família brasileira sob o primado do direito fundamental da liberdade na construção dos laços através do afeto, algo que não foi positivado nem na Constituição Federal de 1988, muito menos no Código Civil de 2002, que completa 20 anos.

 

Em última análise, observa-se uma resistência do legislador civil em reconhecer expressamente a evolução da família brasileira, mesmo quando em mais de uma oportunidade já poderia ter sedimentado a afetividade e a pluralidade familiar em leis esparsas próprias, tal como a nova lei da guarda compartilhada (lei 13.058/2014), que trouxe apenas por interpretação a noção de que guarda envolve convivência afetiva e de forma hermética a limitou entre pai e mãe, ao passo em que a nova lei trabalhista cumpre o verdadeiro significado amplo de parentalidade. Certo é que não é possível renunciar direitos que afetam a coletividade, por isso, é um exercício diário o desafio missionário de rechaçar injustiças. No caso da nova lei trabalhista, um avanço para o direito das mulheres, uma vez que o cunho é social, econômico e inclusivo, na busca de não marginalizar a participação das mulheres no mercado de trabalho. Em verdade, é o direito das mulheres de serem ouvidas nas suas dores, entendidas nas suas peculiaridades, atendidas nos seus sentimentos, fazendo os seus direitos por humanidade igual serem respeitados.

 

“…A pluralidade é a lei da Terra”. (Hannah Arendt).

 

Fonte: Conjur

Deixe uma resposta