Mais uma semana vencida! E desta vez a pé… já que meu carro resolveu tirar férias de cinco dias em uma oficina de confiança… descanso merecido! E assim optei pelo aplicativo de viagens para certos deslocamentos.

 

Vida de advogado é assim, mesmo no banco do passageiro, estava eu trabalhando ao celular e o motorista de aplicativo percebeu na hora qual era minha profissão. Desliguei o telefone e no meio do caminho ele aproveitou para fazer uma ligeira consulta gratuita:

 

“- Doutor, desculpa o abuso, mas estou comprando um terreno! E aí? O contrato particular de compra e venda de um lote… tem validade?”

 

Excelente pergunta do simpático motorista! E eu que ainda não havia decidido sobre o que escrever, vi ali o tema deste artigo: A validade do contrato de compra e venda na aquisição de um bem imóvel.

 

Para os meus alunos que vão começar a estudar negócio jurídico, cujo melhor exemplo é justamente o contrato, este artigo vai ajudar na próxima prova!

 

O Art. 104 do Código Civil Brasileiro prevê três requisitos de validade do negócio jurídico/contrato:

 

Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

 

I – agente capaz;

 

II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

 

III – forma prescrita ou não defesa em lei.

 

Então, um contrato celebrado entre pessoas naturais (antigamente e ainda hoje chamados de pessoa física) deve, além de ser pactuado por maiores de dezoito anos não interditados (ou maiores de dezesseis anos emancipados), ter a licitude do objeto e respeitar a formalidade quando a Lei assim exigir.

 

Muitos contratos do cotidiano são verbais e nem vão para o papel. Para a compra e venda de um bem móvel (roupa, celular, TV, computador, etc.) a regra para transferir a propriedade (na absoluta maioria dos casos) é a simples tradição, ou seja, a entrega da coisa (dinheiro para lá, bem para cá!)

 

Porém, a compra e venda de imóvel, em especial, acima de trinta salários-mínimos, deve ser escrita e mais que isso: a transferência da propriedade só ocorre via escritura pública:

 

Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.

 

“- E aí? Mas o contrato dizia que o vendedor estava me transferindo a propriedade do imóvel! Eu paguei direitinho! Mas não sou o dono?!” Proprietário você ainda não é, pois não tem escritura pública! Como diz aquela placa na parede do Cartório de Imóveis: “só é dono quem tem o registro!”

 

Neste sentido, primeiro vem o susto do Art. 166, V do CC 2002:

 

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: (…)

 

V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;

 

“-Então… aquele contrato particular não tem validade??? Fui tapeado???”Calma, amigo leitor! Não criemos pânico! Apesar de não ser legalmente o proprietário, provavelmente você já é o legítimo possuidor!

 

O contrato particular de compra e venda produz certos efeitos jurídicos sim. Talvez não o esperado… E apesar da “mordida” do artigo anteriormente transcrito, eis que o Art. 170 do CC “assopra” o estrago:

 

Art. 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade.

 

Claro que esse contrato preliminar tem que possuir todas as cláusulas tidas como essenciais pelo Código Civil Brasileiro: Art. 462. O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado.

 

Logo, as partes devem estar bem identificadas (e qualificadas), o objeto descrito da forma mais inequívoca e detalhada possível, bem como seu preço e forma de pagamento, não esquecendo outras obrigações entre as partes, transferindo a posse (o comprador vai poder assim usar e fruir/alugar o bem imóvel) e ainda prevendo multas e penalidades para eventual descumprimento contratual.

 

Contrato não transfere propriedade de absolutamente nada! E o que transfere a propriedade de um imóvel é a escritura pública! Porém, o contrato de compra e venda (ou o instrumento particular de promessa de compra e venda) não deixa de ser fonte das obrigações entre as partes (criando, alterando e extinguindo direitos, de forma irretratável, via de regra).

 

Aliás, o instrumento particular de promessa de compra e venda é um contrato preparatório para o negócio jurídico principal. É de fato uma promessa! Um compromisso! Com validade jurídica!

 

Resumindo, mesmo o contrato particular pode ser documento suficiente para uma adjudicação compulsória (obrigar o vendedor futuramente a passar a escritura do imóvel para o comprador) e em outros casos até para a usucapião. E enfim, você comprador além de possuidor, poderá orgulhosamente bater no peito e dizer que é o feliz proprietário de um bem imóvel!

 

NOTA DA REDAÇÃO – Cícero Mouteira é advogado, professor universitário e de cursos preparatórios, Assessor Jurídico da PMMG e no passado, adquiriu seu primeiro imóvel através justamente de um contrato particular de compra e venda, que mais tarde foi o justo título para ação de usucapião.

 

Fonte: Barbacena Online

1 Comentário

  • Luciano
    Postado 24/10/2023 20:04 0Likes

    Um adendo: Escritura não transfere a propriedade. Vide CC: Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

    § 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.

    § 2º Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel.

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